Luciano Rezende *
Na semana passada (15/08), em campanha pela Bienal do Livro em São Paulo, José Serra prometeu distribuir cem milhões de livros por ano “para incentivar a leitura da garotada”. Não é ficção. Cada aluno da rede pública ganharia três livros de literatura por ano. Uma boa iniciativa se, primeiro, viesse acompanhada de uma política educacional avançada e, segundo, não houvesse o interesse velado em se patrocinar certo grupo midiático.
Em um ótimo artigo de Emir Sader, intitulado “Quem compra e quem financia a revista Veja?”, algumas pistas são dadas para se entender essa recaída do tucano em prol de um suposto incentivo à leitura. Emir alerta que é bom “saber quem paga os funcionários da família Civita, saber com quem eles têm o rabo preso”. Lembra ainda, no final do seu texto, que “o financiamento vem maciçamente dos que dominam a economia do Brasil ao longo de muitas décadas, que controlam os espaços fundamentais da imprensa privada brasileira.” Mas faltou ao autor dizer que historicamente a revista Veja é, também, financiada por governos de direita, como o de José Serra.
Não muito tempo atrás, professores da rede pública estadual de São Paulo denunciaram o então governador José Serra de investir dinheiro público para pagar uma assinatura da revista Nova Escola (coincidentemente editada pelo grupo Abril) a cada professor. Foram duzentos mil exemplares pagos pelo governo do estado sem licitação e em claro desrespeito à autonomia escolar, sequer consultando a comunidade acadêmica sobre qual a melhor revista a ser assinada. Houve também a compra de uma “cartilha” da Editora Abril para aula de apoio para o terceiro ano do ensino médio, de preparo para os vestibulares. O governo de São Paulo, governado pelos tucanos, é um grande comprador da Editora Abril. E não é por acaso que as revistas Veja e Nova Escola sejam tão defensoras das diretrizes educacionais e das políticas neoliberais do PSDB.
Feito este esclarecimento, fica a pergunta: qual será a editora que vai imprimir todos estes livros prometidos por Serra? Aposto, desde já, que será a Editora Abril. Vai ser uma singela retribuição à famiglia Civita por tantos trabalhos prestados à direita brasileira em geral e aos tucanos em especial.
Por trás de uma iniciativa aparentemente louvável, há o interesse de classe. Livro por si só não vai elevar o nível cultural dos alunos. Por outro lado, bibliotecas bem montadas e com espaços aprazíveis à leitura talvez não dê o retorno publicitário e eleitoreiro almejado. Tampouco o custo/benefício em se valorizar os profissionais do ensino e investir pesado na educação como um todo vá permitir que o tucano quite sua dívida com os meios de comunicação que sempre lhe apoiou.
Não se trata, portanto, em ser opor à distribuição de livros para os estudantes ou para o povo em geral. Muito pelo contrário. Em Cuba, por exemplo, nos quase dois anos em que vivi por lá, pude comprar uma estante de livros por menos de duzentos reais. Ganhei, inclusive, uma “biblioteca popular” com clássicos da literatura mundial em espanhol (e por uma infeliz coincidência, a maioria dos livros cubanos são impressos por uma editora também chamada Abril, mas que nada tem em comum com sua xará brasileira). O que se repudia na promessa de Serra é sua demagogia e a reconhecida falta de compromisso em, de fato, investir na educação básica.
Os tucanos gostam muito de atacar o Bolsa Família dizendo que, antes de dar o peixe é importante ensinar a pescar. Pois bem, Zé. Seguindo o seu mesmo raciocínio, não basta dar livros, é fundamental também ensinar os estudantes a lerem. E em 16 anos de governo tucano o analfabetismo funcional em São Paulo atingiu níveis alarmantes.
Com um dos pisos salariais mais baixos do país, é hora dos professores de São Paulo denunciarem mais essa bravata de José Serra, com o risco destes livros servirem tão-somente às traças e a outros insetos mais graúdos.
* Engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia e doutorando em Genética. Professor do Instituto Federal do Amazonas (IFAM). Portal Vermelho.
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