João Quartim de Moraes *
Muitos críticos intransigentes, na esquerda “lato sensu”, sobretudo os da corrente “ecológica”, que se escandalizaram quando Lula em 2002 convocou para candidato a vice em sua chapa um grande industrial mineiro, não parecem se incomodar tanto com o fato de que o vice de Marina Silva é presidente do trust transnacional Natura. Quando, por motivos respeitáveis, ela renunciou ao cargo de Ministro do governo Lula, os mesmos eco-intransigentes imaginaram que ela saía do governo pela esquerda. Alguns, abusando do direito de serem ingênuos, persistiram nessa opinião mesmo depois dela ter aderido ao PV e se lançado candidata à presidência por esse partido.
Marina tem um novo amigo verde, F. Gabeira, ex-guru dos bichos-grilos da orla guanabarina e adjacências nos anos oitenta, agora candidato do centro-direita ao governo do Rio de Janeiro. Poucos políticos têm seguido, mais do que Gabeira, uma trajetória tão coerentemente retilínea: começou na extrema-esquerda e vem garbosamente caminhando para a direita, passo a passo e sem nenhum desvio. Apoiado no Rio pela frente bicéfala da direita (PSDEMB), ele retribui com galhardia: mal aberta a campanha eleitoral oficial, compareceu em São Paulo a um ato político em apoio a José Serra. Longe de exibir aborrecimento, Marina justificou o sócio, dizendo que ele veio a São Paulo “colher propostas do PSDB para seu programa de governo”, coisa “perfeitamente natural”. “O Gabeira me apóia e os tucanos e os democratas (sic) apóiam o Gabeira”. Só que este queixou-se de que o partido de Serra não lhe estava repassando o prometido auxílio pecuniário. Quanta ingratidão!
Entretanto, o aspecto mais preocupante da trajetória de Marina, não somente do ponto de vista da esquerda, mas de quem quer que esteja minimamente persuadido de que a política externa do Brasil deve ser independente, está em vê-la fazer causa comum com o imperialismo e o facho-sionismo na diabolização do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Era ainda pré-candidata quando, destilando seu ressentimento contra o governo Lula e exibindo sua subserviência aos interesses da Casa Branca, declamou em Washington, no dia 24 de abril, a ladainha que os gringos queriam ouvir: "O Brasil é a única democracia ocidental que tem dado audiência para o Ahmadinejad. A própria China não tem dado, nem a Rússia". Difícil decidir se nessa declaração, doce melodia nas orelhas de Mrs. Clinton e sócios, é mais sintomática ideologicamente a alusão pejorativa à “própria” China ou a auto-identificação subalterna com a “democracia ocidental”, referência mistificadora típica dos papagaios de pirata da mediática capitalista.
A candidata verde proclamou ainda que "O Irã tem desrespeitado direitos humanos, ali tem presos políticos, pessoas são executadas". Marina não deveria ignorar que seus amigos democratas do Ocidente, capazes de todos os crimes de lesa-humanidade para defender seus interesses, são os responsáveis históricos pelo esmagamento das forças laicas, democráticas e anti-imperialistas do Irã que participaram do governo de Frente Nacional formado em 1951 por Mohamed Mossadegh, dirigente da esquerda nacionalista, apoiado pelo partido Tudeh (comunista). A decisão de nacionalizar o petróleo, que estava nas garras dos abutres anglo-estadunidenses, bastou para que a CIA, com a conivência do Xá Reza Pahlevi, montasse um golpe militar que em agosto de 1953 derrubou Mossadegh. Com a cooperação da mesma CIA, secundada pelo Mossad, o Xá instaurou um regime de terror policial centralizado na Savak, instituição com “know-how” “democrático-ocidental” (para retomar o conceito da Marina), especializada nas formas mais eficientemente atrozes de tortura. O partido Tudeh foi implacavelmente perseguido. Seus dirigentes foram presos, torturados, alguns condenados à morte. Em conseqüência, a principal base da resistência ao odioso regime do Xá e da CIA passou a ser a oposição islâmica, que dirigiu a revolução popular de 1979. No poder, os islâmicos mantiveram proscrito o comunismo e com ele todas as forças consequentes no combate por uma república social, laica, culturalmente progressista.
Processos com dinâmica substancialmente idêntica iriam ocorrer nas décadas seguintes no Afeganistão e no Iraque. Ronald Reagan, pioneiro da Cruzada neoliberal de recolonização do planeta, justificava o apoio militar que concedia aos talebãs em luta contra os comunistas afegãos, argumentando que eles “não eram terroristas e sim guerrilheiros da liberdade”. Os “democratas-ocidentais”, sob o comando de Bush pai, de Clinton e de Bush filho prosseguiram na Cruzada assassina contra o que chamam “Eixo do Mal”, composto na verdade pelos países que se recusam a lamber as botas do Pentágono e de seus sócios da OTAN. Exatamente na hora em que a Cruzada ameaça incendiar o Irã, Marina vem uivar junto com os lobos imperialistas, dando sua contribuiçãozinha para satanizar o governo legítimo daquele país. É o que dá andar em más companhias.
* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.
Muitos críticos intransigentes, na esquerda “lato sensu”, sobretudo os da corrente “ecológica”, que se escandalizaram quando Lula em 2002 convocou para candidato a vice em sua chapa um grande industrial mineiro, não parecem se incomodar tanto com o fato de que o vice de Marina Silva é presidente do trust transnacional Natura. Quando, por motivos respeitáveis, ela renunciou ao cargo de Ministro do governo Lula, os mesmos eco-intransigentes imaginaram que ela saía do governo pela esquerda. Alguns, abusando do direito de serem ingênuos, persistiram nessa opinião mesmo depois dela ter aderido ao PV e se lançado candidata à presidência por esse partido.
Marina tem um novo amigo verde, F. Gabeira, ex-guru dos bichos-grilos da orla guanabarina e adjacências nos anos oitenta, agora candidato do centro-direita ao governo do Rio de Janeiro. Poucos políticos têm seguido, mais do que Gabeira, uma trajetória tão coerentemente retilínea: começou na extrema-esquerda e vem garbosamente caminhando para a direita, passo a passo e sem nenhum desvio. Apoiado no Rio pela frente bicéfala da direita (PSDEMB), ele retribui com galhardia: mal aberta a campanha eleitoral oficial, compareceu em São Paulo a um ato político em apoio a José Serra. Longe de exibir aborrecimento, Marina justificou o sócio, dizendo que ele veio a São Paulo “colher propostas do PSDB para seu programa de governo”, coisa “perfeitamente natural”. “O Gabeira me apóia e os tucanos e os democratas (sic) apóiam o Gabeira”. Só que este queixou-se de que o partido de Serra não lhe estava repassando o prometido auxílio pecuniário. Quanta ingratidão!
Entretanto, o aspecto mais preocupante da trajetória de Marina, não somente do ponto de vista da esquerda, mas de quem quer que esteja minimamente persuadido de que a política externa do Brasil deve ser independente, está em vê-la fazer causa comum com o imperialismo e o facho-sionismo na diabolização do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Era ainda pré-candidata quando, destilando seu ressentimento contra o governo Lula e exibindo sua subserviência aos interesses da Casa Branca, declamou em Washington, no dia 24 de abril, a ladainha que os gringos queriam ouvir: "O Brasil é a única democracia ocidental que tem dado audiência para o Ahmadinejad. A própria China não tem dado, nem a Rússia". Difícil decidir se nessa declaração, doce melodia nas orelhas de Mrs. Clinton e sócios, é mais sintomática ideologicamente a alusão pejorativa à “própria” China ou a auto-identificação subalterna com a “democracia ocidental”, referência mistificadora típica dos papagaios de pirata da mediática capitalista.
A candidata verde proclamou ainda que "O Irã tem desrespeitado direitos humanos, ali tem presos políticos, pessoas são executadas". Marina não deveria ignorar que seus amigos democratas do Ocidente, capazes de todos os crimes de lesa-humanidade para defender seus interesses, são os responsáveis históricos pelo esmagamento das forças laicas, democráticas e anti-imperialistas do Irã que participaram do governo de Frente Nacional formado em 1951 por Mohamed Mossadegh, dirigente da esquerda nacionalista, apoiado pelo partido Tudeh (comunista). A decisão de nacionalizar o petróleo, que estava nas garras dos abutres anglo-estadunidenses, bastou para que a CIA, com a conivência do Xá Reza Pahlevi, montasse um golpe militar que em agosto de 1953 derrubou Mossadegh. Com a cooperação da mesma CIA, secundada pelo Mossad, o Xá instaurou um regime de terror policial centralizado na Savak, instituição com “know-how” “democrático-ocidental” (para retomar o conceito da Marina), especializada nas formas mais eficientemente atrozes de tortura. O partido Tudeh foi implacavelmente perseguido. Seus dirigentes foram presos, torturados, alguns condenados à morte. Em conseqüência, a principal base da resistência ao odioso regime do Xá e da CIA passou a ser a oposição islâmica, que dirigiu a revolução popular de 1979. No poder, os islâmicos mantiveram proscrito o comunismo e com ele todas as forças consequentes no combate por uma república social, laica, culturalmente progressista.
Processos com dinâmica substancialmente idêntica iriam ocorrer nas décadas seguintes no Afeganistão e no Iraque. Ronald Reagan, pioneiro da Cruzada neoliberal de recolonização do planeta, justificava o apoio militar que concedia aos talebãs em luta contra os comunistas afegãos, argumentando que eles “não eram terroristas e sim guerrilheiros da liberdade”. Os “democratas-ocidentais”, sob o comando de Bush pai, de Clinton e de Bush filho prosseguiram na Cruzada assassina contra o que chamam “Eixo do Mal”, composto na verdade pelos países que se recusam a lamber as botas do Pentágono e de seus sócios da OTAN. Exatamente na hora em que a Cruzada ameaça incendiar o Irã, Marina vem uivar junto com os lobos imperialistas, dando sua contribuiçãozinha para satanizar o governo legítimo daquele país. É o que dá andar em más companhias.
* Professor universitário, pesquisador do marxismo e analista político.
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