Sul 21
Por Rachel Duarte*
Há exatos 56 anos morria Getúlio Dornelles Vargas, o primeiro presidente brasileiro a ter uma visão dos direitos sociais das classes menos favorecidas. Sua longa permanência no poder ( 1930 a 1945 e de 1951 a 1954) tornou-o uma das personalidades mais marcantes da vida política nacional no século XX, e permitiu que se falasse em uma “Era Vargas”. No século seguinte, outro presidente foi eleito com a promessa de realizar um governo nacionalista e populista: Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 120 anos de República, Lula foi o primeiro governante do país sem origens em escalões médios ou altos da sociedade.
Dos governantes pós-Vargas, Lula é o que mais se aproxima de seu legado social, de acordo com a professora do curso de Pós-Gradução em História da Unisinos, Eloísa Capovilla Ramos. “Eles não vêm do mesmo estrato social. Getúlio foi um grande latifundiário e Lula é um homem de origem humilde. Mas ambos tiveram preocupação com as questões trabalhistas. Getúlio foi mais do que preocupado, inclusive houve momentos em que ele se aproximou do que a população queria. Nesse sentido, Lula também é sensível. Ele ouve o povo. Vemos isso na melhoria do salário dos trabalhadores e no aumento do poder aquisitivo da população em geral”, ilustrou.
Segundo historiadores, foi no governo de Getúlio Vargas que o Estado cresceu em tamanho e em poder, e se tornou o principal responsável pelo processo de modernização do Brasil. Também nos oito anos do “lulismo” ocorreram importantes transformações, reforçando o potencial de desenvolvimento do país e tornando-o protagonista no cenário nacional.
Ambos lutaram pela soberania nacional e a preservação das fontes de energia do país. Em 3 de outubro de 1953, na gestão de Getúlio, foi criada a Petrobras. Os brasileiros haviam se unido na campanha “O petróleo é nosso”, para que a exploração das riquezas nacionais não caíssem em mãos estrangeiras. Em 2006, Lula criou o sistema de partilha de produção, a Petro-Sal. A estatal, que gerenciará a exploração do petróleo da camada pré-sal, amplia o controle do governo sobre as reservas.
A professora Capovilla alerta que as épocas vividas por Getúlio e Lula são diferentes. “O Brasil de 54 já não era o Brasil de 30″. Imagine a diferença de um século depois. Certamente Getúlio não atacaria os problemas que hoje Lula ataca”, diz. Para ela, cabe hoje aos historiadores “a missão de estudar se Lua conquistou, de fato, o reconhecimento internacional par ao Brasil”.
Para o jornalista paranaense e escritor do livro “Guia Politicamente Incorreto na História do Brasil”, Leandro Narloch, apesar de inegável que o Estado cresceu muito com os dois governantes, Lula e Getúlio tem em comum algo que ele considera irritante, o título de “pai dos pobres”. Narloch afirma: “o presidente que eu acredito ser o melhor para o Brasil é alguém técnico e que não seja um líder popular”. Mas, também reconhece: “A conciliação é algo positivo nos dois governos. Apesar do falecimento de Getúlio, em razão do Brasil estar dividido na época, ele contribuiu muito para conciliação do país. E o Lula é preciso tirar o chapéu, porque ele é um grande conciliador”.
De acordo com o estudo de análise semântica dos discursos de Lula e Vargas, de Luciano Raphaelli Dias, orientado pelo professor da Ulbra especialista em texto, Ângelo Renan Acosta Caputo, os dois presidentes se utilizam de mecanismos de persuasão. Enquanto Vargas proferia um discurso que subordinava as massas, convencendo os operários de que, estando no poder, suas reivindicações seriam atendidas, Lula seduziu seus eleitores atribuindo à classe trabalhadora que o elegeu a posse do governo do País. O estudo, portanto, mostra as diferenças entre os discursos de Getúlio e Lula, para chegar ao povo e assegurar o poder.
Segundo o estudo, Lula, por ser oriundo da classe operária, ao dizer que veio de “baixo”, se iguala a parte inferior da pirâmide social. O “pai dos pobres”, por seu lado, declarava-se zelador dos anseios da classe trabalhadora por meio de ações políticas. Ele criou serviços que garantiram a proteção do operário e de sua família, as leis trabalhistas e o salário mínimo.
Para Capovilla, a questão é as ciências humanas reconhecerem o papel que Getúlio Vargas e Lula tiveram na construção do Brasil. “Getúlio cercou-se de pensadores e foi, ao mesmo tempo, autoritário e populista. Lula governa em outra época, em que seu maior trunfo é governar com a ampla coalizão. Getúlio tinha o PTB e o PSD, que ele criou. Lula governa com muito mais partidos, que têm ideias distintas das do seu”, destacou a historiadora.
Desde que assumiu o governo provisório da República, com a vitória da Revolução de 30, Getúlio passou a representar um divisor de águas entre as forças políticas do país. Seus herdeiros políticos mais diretos – João Goulart, Leonel Brizola e o PTB – falaram em seu nome após sua morte. No caso de Lula, ainda vivo, existe uma grande legião, inclusive os históricos opositores de sua visão política, que hoje falam dele ou se aproximam da sua imagem para tentar conquistar a simpatia do povo.
Na opinião do jornalista Leandro Narloch, a agenda que o PT lutou 20 anos para implantar, hoje, é hegemônica. É de toda a nação. E isso dificulta que os adversários de Lula conquistem credibilidade. “O medo que todos tinham com a eleição de Lula – que ele ia tirar o dinheiro dos ricos para dar aos pobres, que seria a era do comunismo no Brasil -, ele reverteu. Conseguiu mostrar que as classes podem evoluir ao mesmo tempo. Isso foi um processo de paz entre as classes, digno de um Prêmio Nobel da Paz”, disse.
O pensamento muda com o passar dos anos, lembra Capovilla, ressalatando que os que pregavam cuidado,em 1989, apregoando que o golpe militar de 1964 poderia voltar, alguns anos depois, votavam em Lula. Resta , agora, saber o que será dito, no futuro, sobre o legado de Lula.
*Matéria originalmente publicada no Sul 21 (CartaCapital)
Por Rachel Duarte*
Há exatos 56 anos morria Getúlio Dornelles Vargas, o primeiro presidente brasileiro a ter uma visão dos direitos sociais das classes menos favorecidas. Sua longa permanência no poder ( 1930 a 1945 e de 1951 a 1954) tornou-o uma das personalidades mais marcantes da vida política nacional no século XX, e permitiu que se falasse em uma “Era Vargas”. No século seguinte, outro presidente foi eleito com a promessa de realizar um governo nacionalista e populista: Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 120 anos de República, Lula foi o primeiro governante do país sem origens em escalões médios ou altos da sociedade.
Dos governantes pós-Vargas, Lula é o que mais se aproxima de seu legado social, de acordo com a professora do curso de Pós-Gradução em História da Unisinos, Eloísa Capovilla Ramos. “Eles não vêm do mesmo estrato social. Getúlio foi um grande latifundiário e Lula é um homem de origem humilde. Mas ambos tiveram preocupação com as questões trabalhistas. Getúlio foi mais do que preocupado, inclusive houve momentos em que ele se aproximou do que a população queria. Nesse sentido, Lula também é sensível. Ele ouve o povo. Vemos isso na melhoria do salário dos trabalhadores e no aumento do poder aquisitivo da população em geral”, ilustrou.
Segundo historiadores, foi no governo de Getúlio Vargas que o Estado cresceu em tamanho e em poder, e se tornou o principal responsável pelo processo de modernização do Brasil. Também nos oito anos do “lulismo” ocorreram importantes transformações, reforçando o potencial de desenvolvimento do país e tornando-o protagonista no cenário nacional.
Ambos lutaram pela soberania nacional e a preservação das fontes de energia do país. Em 3 de outubro de 1953, na gestão de Getúlio, foi criada a Petrobras. Os brasileiros haviam se unido na campanha “O petróleo é nosso”, para que a exploração das riquezas nacionais não caíssem em mãos estrangeiras. Em 2006, Lula criou o sistema de partilha de produção, a Petro-Sal. A estatal, que gerenciará a exploração do petróleo da camada pré-sal, amplia o controle do governo sobre as reservas.
A professora Capovilla alerta que as épocas vividas por Getúlio e Lula são diferentes. “O Brasil de 54 já não era o Brasil de 30″. Imagine a diferença de um século depois. Certamente Getúlio não atacaria os problemas que hoje Lula ataca”, diz. Para ela, cabe hoje aos historiadores “a missão de estudar se Lua conquistou, de fato, o reconhecimento internacional par ao Brasil”.
Para o jornalista paranaense e escritor do livro “Guia Politicamente Incorreto na História do Brasil”, Leandro Narloch, apesar de inegável que o Estado cresceu muito com os dois governantes, Lula e Getúlio tem em comum algo que ele considera irritante, o título de “pai dos pobres”. Narloch afirma: “o presidente que eu acredito ser o melhor para o Brasil é alguém técnico e que não seja um líder popular”. Mas, também reconhece: “A conciliação é algo positivo nos dois governos. Apesar do falecimento de Getúlio, em razão do Brasil estar dividido na época, ele contribuiu muito para conciliação do país. E o Lula é preciso tirar o chapéu, porque ele é um grande conciliador”.
De acordo com o estudo de análise semântica dos discursos de Lula e Vargas, de Luciano Raphaelli Dias, orientado pelo professor da Ulbra especialista em texto, Ângelo Renan Acosta Caputo, os dois presidentes se utilizam de mecanismos de persuasão. Enquanto Vargas proferia um discurso que subordinava as massas, convencendo os operários de que, estando no poder, suas reivindicações seriam atendidas, Lula seduziu seus eleitores atribuindo à classe trabalhadora que o elegeu a posse do governo do País. O estudo, portanto, mostra as diferenças entre os discursos de Getúlio e Lula, para chegar ao povo e assegurar o poder.
Segundo o estudo, Lula, por ser oriundo da classe operária, ao dizer que veio de “baixo”, se iguala a parte inferior da pirâmide social. O “pai dos pobres”, por seu lado, declarava-se zelador dos anseios da classe trabalhadora por meio de ações políticas. Ele criou serviços que garantiram a proteção do operário e de sua família, as leis trabalhistas e o salário mínimo.
Para Capovilla, a questão é as ciências humanas reconhecerem o papel que Getúlio Vargas e Lula tiveram na construção do Brasil. “Getúlio cercou-se de pensadores e foi, ao mesmo tempo, autoritário e populista. Lula governa em outra época, em que seu maior trunfo é governar com a ampla coalizão. Getúlio tinha o PTB e o PSD, que ele criou. Lula governa com muito mais partidos, que têm ideias distintas das do seu”, destacou a historiadora.
Desde que assumiu o governo provisório da República, com a vitória da Revolução de 30, Getúlio passou a representar um divisor de águas entre as forças políticas do país. Seus herdeiros políticos mais diretos – João Goulart, Leonel Brizola e o PTB – falaram em seu nome após sua morte. No caso de Lula, ainda vivo, existe uma grande legião, inclusive os históricos opositores de sua visão política, que hoje falam dele ou se aproximam da sua imagem para tentar conquistar a simpatia do povo.
Na opinião do jornalista Leandro Narloch, a agenda que o PT lutou 20 anos para implantar, hoje, é hegemônica. É de toda a nação. E isso dificulta que os adversários de Lula conquistem credibilidade. “O medo que todos tinham com a eleição de Lula – que ele ia tirar o dinheiro dos ricos para dar aos pobres, que seria a era do comunismo no Brasil -, ele reverteu. Conseguiu mostrar que as classes podem evoluir ao mesmo tempo. Isso foi um processo de paz entre as classes, digno de um Prêmio Nobel da Paz”, disse.
O pensamento muda com o passar dos anos, lembra Capovilla, ressalatando que os que pregavam cuidado,em 1989, apregoando que o golpe militar de 1964 poderia voltar, alguns anos depois, votavam em Lula. Resta , agora, saber o que será dito, no futuro, sobre o legado de Lula.
*Matéria originalmente publicada no Sul 21 (CartaCapital)
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