Carlos Melo*
O presidente Lula, o PT e seus aliados, assim como qualquer partido político, têm objetivos projetados no longo prazo; perpétuos até, se possível; se deixarem. Sua conservação e seu alargamento são da lógica do poder. Estranho seria abrir mão do poder “apenas” porque a “alternância” é essencialmente boa. Sim, é. Mas o poder, como a liberdade, não pode ser dado; só se obtém de verdade quando se conquista!
Foi Sérgio Motta, o ex-ministro das Comunicações de FHC, amigo do presidente e expressiva liderança dos tucanos, quem logo após a eleição de Fernando Henrique falou em um projeto de 20 anos de poder, com base na aliança PSDB-PFL. Vários dos críticos de hoje brindavam àquela perspectiva e quase se deu assim. A oposição representada pelo PT por pouco não foi ao pó. Em inúmeras ocasiões falou sozinha; até apitaço fez no Congresso para chamar atenção.
No Parlamento, a maioria PSDB-PFL reinava absoluta, aprovava o que bem entendida e se não aprovava tudo o que pretendia não era por força da oposição, mas por inépcia ou impossibilidade de condução da base governista. Por sinal, razão de muitos dos problemas se repetirem ainda hoje. A reforma da Previdência, por exemplo, deixou de ser aprovada por um único voto –um deputado do PSDB teria se “confundido” no apertar dos botões.
As diferenças para hoje, no entanto, estão mais nas circunstâncias e na habilidade dos atores do que na natureza do poder. Ao contrário do PSDB de hoje, não faltou à oposição de ontem a “convicção oposicionista”. Mesmo que não fosse para benefício do país, não vacilou; possuía raízes em movimentos sociais –mais ou menos corporativos, é verdade– que lhe serviam de amparo, estímulo e coerção. Ostentava também um líder, um símbolo de todas as horas: Lula.
A oposição de hoje se fiou em setores médios urbanos que simplesmente ojerizam ou, na melhor das hipóteses, ignoram a política. Distanciada da “res pública”, essa parcela da sociedade se afastou da polis. Além disso, os tucanos perderam seu centro diretivo quando Mário Covas se foi. Covas era um líder turrão, teimoso, cheio de princípios e convicções, mas um líder.
De sua morte –e com o término do mandato de FHC–, a oposição não mais encontrou coesão em torno de uma liderança. Sabe-se lá por que, mas pelo menos desde 2002, José Serra tem sido hostilizado pelas bases a que deveria liderar e que deveriam lhe dar apoio e legitimidade.
Outro ponto: morto o fantasma do risco-PT e aplainado o risco-país, no país do “investment grade” tudo foi alegria e despreocupação. A oposição não soube como se portar nesse ambiente. Preferiu duvidar da natureza e das qualidades de Lula. Acreditou que o presidente seria essencialmente incapaz; que não governaria; que não conseguiria aplacar os conflitos, idiossincrasias e vaidades ao seu redor; “analfabeto, tosco e despreparado”, seria manietado pelo PT. Preconceito não apenas cega como emburrece.
Tudo foi atribuído à sua “sorte” ou à herança bendita de FHC: “Lula só deu continuidade ao que FHC fez!” Imaginou-se que lhe faltaria consciência, ponderação e racionalidade para fazer a travessia da estabilidade econômica para a distribuição de renda e daí para o desenvolvimento. Mais fácil pensar assim. Diz uma antiga máxima que “não há nada melhor do que ser subestimado pelo inimigo”. Foi o que aconteceu. Enternecido, hoje Lula agradece.
O fato é que a oposição ajudou muito, não por colaborativa, mas por incapacidade de compreender a realidade, de agir, de articular setores políticos, sociais e econômicos; admitir os problemas do sistema político; exigir reformas pelo menos neste campo. Não precisaria ser o “PT de ontem” –nem faz seu estilo– mas, mostrar “como” e “porque” o “Brasil pode mais”; gritar que o Brasil “precisa de mais”. Preferiu, no entanto, adular Lula e esconder FHC. Inês fez-se morta e, agora, talvez Inês esteja morta de verdade.
Nada a ver com São Paulo e Minas, “Serra & Aécio”, “chapa dos sonhos”, coisas assim. Mas, depois da “política do café-com-leite”, só nos faltava a “oposição café-com-leite”. Os “grandes” nunca deixarão os pequenos pegar a bola; por que as regras do poder seriam aplicadas de modo mais brando à oposição do PSDB? A política é dura. A “oposição que não soube a ser” terá que crescer; aprender a jogar e a se impor. É do jogo e da vida. Qualquer criança aprende.
*Carlos Melo é cientista político, doutor pela PUC-SP, professor de Sociologia e Política do Insper e autor de “Collor, o ator e suas circunstâncias” Uol.
Foi Sérgio Motta, o ex-ministro das Comunicações de FHC, amigo do presidente e expressiva liderança dos tucanos, quem logo após a eleição de Fernando Henrique falou em um projeto de 20 anos de poder, com base na aliança PSDB-PFL. Vários dos críticos de hoje brindavam àquela perspectiva e quase se deu assim. A oposição representada pelo PT por pouco não foi ao pó. Em inúmeras ocasiões falou sozinha; até apitaço fez no Congresso para chamar atenção.
No Parlamento, a maioria PSDB-PFL reinava absoluta, aprovava o que bem entendida e se não aprovava tudo o que pretendia não era por força da oposição, mas por inépcia ou impossibilidade de condução da base governista. Por sinal, razão de muitos dos problemas se repetirem ainda hoje. A reforma da Previdência, por exemplo, deixou de ser aprovada por um único voto –um deputado do PSDB teria se “confundido” no apertar dos botões.
As diferenças para hoje, no entanto, estão mais nas circunstâncias e na habilidade dos atores do que na natureza do poder. Ao contrário do PSDB de hoje, não faltou à oposição de ontem a “convicção oposicionista”. Mesmo que não fosse para benefício do país, não vacilou; possuía raízes em movimentos sociais –mais ou menos corporativos, é verdade– que lhe serviam de amparo, estímulo e coerção. Ostentava também um líder, um símbolo de todas as horas: Lula.
A oposição de hoje se fiou em setores médios urbanos que simplesmente ojerizam ou, na melhor das hipóteses, ignoram a política. Distanciada da “res pública”, essa parcela da sociedade se afastou da polis. Além disso, os tucanos perderam seu centro diretivo quando Mário Covas se foi. Covas era um líder turrão, teimoso, cheio de princípios e convicções, mas um líder.
De sua morte –e com o término do mandato de FHC–, a oposição não mais encontrou coesão em torno de uma liderança. Sabe-se lá por que, mas pelo menos desde 2002, José Serra tem sido hostilizado pelas bases a que deveria liderar e que deveriam lhe dar apoio e legitimidade.
Outro ponto: morto o fantasma do risco-PT e aplainado o risco-país, no país do “investment grade” tudo foi alegria e despreocupação. A oposição não soube como se portar nesse ambiente. Preferiu duvidar da natureza e das qualidades de Lula. Acreditou que o presidente seria essencialmente incapaz; que não governaria; que não conseguiria aplacar os conflitos, idiossincrasias e vaidades ao seu redor; “analfabeto, tosco e despreparado”, seria manietado pelo PT. Preconceito não apenas cega como emburrece.
Tudo foi atribuído à sua “sorte” ou à herança bendita de FHC: “Lula só deu continuidade ao que FHC fez!” Imaginou-se que lhe faltaria consciência, ponderação e racionalidade para fazer a travessia da estabilidade econômica para a distribuição de renda e daí para o desenvolvimento. Mais fácil pensar assim. Diz uma antiga máxima que “não há nada melhor do que ser subestimado pelo inimigo”. Foi o que aconteceu. Enternecido, hoje Lula agradece.
O fato é que a oposição ajudou muito, não por colaborativa, mas por incapacidade de compreender a realidade, de agir, de articular setores políticos, sociais e econômicos; admitir os problemas do sistema político; exigir reformas pelo menos neste campo. Não precisaria ser o “PT de ontem” –nem faz seu estilo– mas, mostrar “como” e “porque” o “Brasil pode mais”; gritar que o Brasil “precisa de mais”. Preferiu, no entanto, adular Lula e esconder FHC. Inês fez-se morta e, agora, talvez Inês esteja morta de verdade.
Nada a ver com São Paulo e Minas, “Serra & Aécio”, “chapa dos sonhos”, coisas assim. Mas, depois da “política do café-com-leite”, só nos faltava a “oposição café-com-leite”. Os “grandes” nunca deixarão os pequenos pegar a bola; por que as regras do poder seriam aplicadas de modo mais brando à oposição do PSDB? A política é dura. A “oposição que não soube a ser” terá que crescer; aprender a jogar e a se impor. É do jogo e da vida. Qualquer criança aprende.
*Carlos Melo é cientista político, doutor pela PUC-SP, professor de Sociologia e Política do Insper e autor de “Collor, o ator e suas circunstâncias” Uol.
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