Marcelo Carneiro da Cunha
Pois nada como uma revolução para percebermos que algo mudou. Aliás, para percebermos que muita coisa mudou. Nessa semana em que a Líbia passou a ocupar nossos corações e mentes – sendo que quem possui esses dois elementos está do lado contrário ao ditador e maluco, Kadafi – sabem os estimados sulvinteumenses como me mantive relativamente informado sobre a guerra? Não foi pela minha, sua, nossa, Zero Hora. Tampouco pela Folha de São Paulo. Ou pela Globo, ou pela CNN, ou pela BBC. Foi pelo Twitter, estimados leitores. Pelo Twitter, seguindo pessoas na Líbia, no Egito, na Tunísia, no Bahrein, que se tornaram estrelas mundiais na internet, como o egípcio Wael Ghonim, que era gerente do Google no Cairo e virou líder da revolução contra Mubarak.
Foi pelo Twitter que acompanhamos a ocupação do Complexo do Alemão – não pela imprensa, que não subia e nem sobe o morro -, mas pelos tweets de um jovem, Renê Silva, que havia criado o jornal A Voz da Comunidade, com uma redação de meninos entre 10 e 17 anos, e que agora se tornava a única voz a chegar até nós com jeito e veracidade de voz daquela comunidade.
Portanto, sejamos honestos para com nós mesmos, para com o fim de alguns dos nossos sonhos, admitindo que o jornal em papel jornal, acabou.
Se algum de vocês surgiram e cresceram no século 20, como esse que os atormenta, a sua vida foi mediada por algumas estruturas, tais como a escola, o jornal, a sala de cinema, o disco e as vitrolas, a televisão. Todos eles, sem exceção, estão ameaçados ou já em extinção, e isso não é nada, nada fácil, aceitar. Mas é verdade. Um jornal papel, produzido por inovações industriais como a prensa hidráulica, a linotipia, a distribuição mecanizada, foi a forma reinante de se produzir, distribuir e consumir informações por mais de cem anos. O cinema, como o conhecemos, em salas, com gente comendo pipoca e chorando, mais ou mesmo os mesmos cem anos. Os discos duraram um pouco menos, a televisão bem menos, os livros resistem, mas como, e por quanto tempo? As escolas criadas na lógica industrial, com seu enorme consumo e baixíssimo retorno – ao menos em termos de conhecimento efetivamente transferido para seus alunos – por quanto tempo mais irão resistir?
A primeira vítima é o jornal em papel, por motivos óbvios. Qual o sentido de você produzir papel, transportar por enormes distâncias, imprimir o papel, montar, separar, levar em poucas horas a pessoas distantes quilômetros e quilômetros da sede do jornal, a um custo imenso, para, ao final, o leitor receber no conforto da sua casa as notícias do que aconteceu no dia de ontem – que ele já recebeu pela internet?
Lá por 2007, com a forte expansão da base de computadores, com a portabilização crescente deles, com a ampliação rápida das redes de banda larga e com a consolidação de uma “cultura digital”, permeando todas as classes e faixas etárias, babaus. Viramos a esquina na direção de um novo universo de acesso a jornais por meio digital, via internet. A tendência é irreversível e previsível, algo mais ou menos como você ter uma carruagem a cavalo em 1910.
O cinema segue valendo, mas não o seu substrato. Não vamos mais ir até salas de cinema, comprar pipoca, pão de queijo ou pizza, ver aqueles trailers todos, gastar com transporte e estacionamento, mais a saída depois para talvez comentar o filme. Vamos ter cada vez mais telas em LCD ou plasma, (tevê já foi também artigo de luxo, lembram?), e ver filmes baixados da internet, no conforto do lar, sem a pipoca, ou com, se você gosta de barulho e cheiro de comida enquanto Almodóvar o sacode. A televisão mesmo, está do lado errado da tendência, por ser uniforme enquanto as pessoas não o são. A internet nos dá conteúdo no horário que queremos ou podemos, customiza nossos interessas e nos entrega quando e como o preferirmos. O bom e velho vinil virou CD, que não durou nada, e toda a indústria da música ficou a ver navios.
E os livros, estimados leitores, e os livros? Eu acho que uma guerra se avizinha, entre nós e nós mesmos. Na teoria, os livros estariam na mesma categoria dos jornais. Não vai haver uma razão prática para mantermos os livros em papel. Mas, como nem tudo no mundo é prático, talvez a gente resolva que, mesmo que possa viver sem livros em papel, talvez a gente não queira viver sem eles. Especialmente, talvez não possamos viver sem bibliotecas e livrarias. Talvez isso, e apenas isso, salve os nossos livros, mais nada.
Já tem gente falando em velha imprensa, versus a nova imprensa, que esse Sul 21 representa, já que nasceu e vive em meio digital, desde criancinha. Na verdade, o que todas essas transformações vêm nos dizer é que, e isso é pra valer, o século 20, por tudo que tenha sido ou representado, acabou. E que nós, seus herdeiros, precisamos aprender a lidar com o novo, que é mesmo novo, e pior, desconhecido.
Enquanto gerações passadas precisavam lidar com uma ou outra grande transformação, somos talvez os primeiros a ver tudo o que nos acostumamos a ter, desaparecendo, mais ou menos ao mesmo tempo. O século 21, estimados leitores, não é mesmo para principantes como todos, eu, você, o senhor aqui ao lado, ou meus sobrinhos, somos, e não temos como não ser.
* Jornalista e escritor
Pois nada como uma revolução para percebermos que algo mudou. Aliás, para percebermos que muita coisa mudou. Nessa semana em que a Líbia passou a ocupar nossos corações e mentes – sendo que quem possui esses dois elementos está do lado contrário ao ditador e maluco, Kadafi – sabem os estimados sulvinteumenses como me mantive relativamente informado sobre a guerra? Não foi pela minha, sua, nossa, Zero Hora. Tampouco pela Folha de São Paulo. Ou pela Globo, ou pela CNN, ou pela BBC. Foi pelo Twitter, estimados leitores. Pelo Twitter, seguindo pessoas na Líbia, no Egito, na Tunísia, no Bahrein, que se tornaram estrelas mundiais na internet, como o egípcio Wael Ghonim, que era gerente do Google no Cairo e virou líder da revolução contra Mubarak.
Foi pelo Twitter que acompanhamos a ocupação do Complexo do Alemão – não pela imprensa, que não subia e nem sobe o morro -, mas pelos tweets de um jovem, Renê Silva, que havia criado o jornal A Voz da Comunidade, com uma redação de meninos entre 10 e 17 anos, e que agora se tornava a única voz a chegar até nós com jeito e veracidade de voz daquela comunidade.
Portanto, sejamos honestos para com nós mesmos, para com o fim de alguns dos nossos sonhos, admitindo que o jornal em papel jornal, acabou.
Se algum de vocês surgiram e cresceram no século 20, como esse que os atormenta, a sua vida foi mediada por algumas estruturas, tais como a escola, o jornal, a sala de cinema, o disco e as vitrolas, a televisão. Todos eles, sem exceção, estão ameaçados ou já em extinção, e isso não é nada, nada fácil, aceitar. Mas é verdade. Um jornal papel, produzido por inovações industriais como a prensa hidráulica, a linotipia, a distribuição mecanizada, foi a forma reinante de se produzir, distribuir e consumir informações por mais de cem anos. O cinema, como o conhecemos, em salas, com gente comendo pipoca e chorando, mais ou mesmo os mesmos cem anos. Os discos duraram um pouco menos, a televisão bem menos, os livros resistem, mas como, e por quanto tempo? As escolas criadas na lógica industrial, com seu enorme consumo e baixíssimo retorno – ao menos em termos de conhecimento efetivamente transferido para seus alunos – por quanto tempo mais irão resistir?
A primeira vítima é o jornal em papel, por motivos óbvios. Qual o sentido de você produzir papel, transportar por enormes distâncias, imprimir o papel, montar, separar, levar em poucas horas a pessoas distantes quilômetros e quilômetros da sede do jornal, a um custo imenso, para, ao final, o leitor receber no conforto da sua casa as notícias do que aconteceu no dia de ontem – que ele já recebeu pela internet?
Lá por 2007, com a forte expansão da base de computadores, com a portabilização crescente deles, com a ampliação rápida das redes de banda larga e com a consolidação de uma “cultura digital”, permeando todas as classes e faixas etárias, babaus. Viramos a esquina na direção de um novo universo de acesso a jornais por meio digital, via internet. A tendência é irreversível e previsível, algo mais ou menos como você ter uma carruagem a cavalo em 1910.
O cinema segue valendo, mas não o seu substrato. Não vamos mais ir até salas de cinema, comprar pipoca, pão de queijo ou pizza, ver aqueles trailers todos, gastar com transporte e estacionamento, mais a saída depois para talvez comentar o filme. Vamos ter cada vez mais telas em LCD ou plasma, (tevê já foi também artigo de luxo, lembram?), e ver filmes baixados da internet, no conforto do lar, sem a pipoca, ou com, se você gosta de barulho e cheiro de comida enquanto Almodóvar o sacode. A televisão mesmo, está do lado errado da tendência, por ser uniforme enquanto as pessoas não o são. A internet nos dá conteúdo no horário que queremos ou podemos, customiza nossos interessas e nos entrega quando e como o preferirmos. O bom e velho vinil virou CD, que não durou nada, e toda a indústria da música ficou a ver navios.
E os livros, estimados leitores, e os livros? Eu acho que uma guerra se avizinha, entre nós e nós mesmos. Na teoria, os livros estariam na mesma categoria dos jornais. Não vai haver uma razão prática para mantermos os livros em papel. Mas, como nem tudo no mundo é prático, talvez a gente resolva que, mesmo que possa viver sem livros em papel, talvez a gente não queira viver sem eles. Especialmente, talvez não possamos viver sem bibliotecas e livrarias. Talvez isso, e apenas isso, salve os nossos livros, mais nada.
Já tem gente falando em velha imprensa, versus a nova imprensa, que esse Sul 21 representa, já que nasceu e vive em meio digital, desde criancinha. Na verdade, o que todas essas transformações vêm nos dizer é que, e isso é pra valer, o século 20, por tudo que tenha sido ou representado, acabou. E que nós, seus herdeiros, precisamos aprender a lidar com o novo, que é mesmo novo, e pior, desconhecido.
Enquanto gerações passadas precisavam lidar com uma ou outra grande transformação, somos talvez os primeiros a ver tudo o que nos acostumamos a ter, desaparecendo, mais ou menos ao mesmo tempo. O século 21, estimados leitores, não é mesmo para principantes como todos, eu, você, o senhor aqui ao lado, ou meus sobrinhos, somos, e não temos como não ser.
* Jornalista e escritor
Fonte:Sul21
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