quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dilma se sai bem

Brasil S.A - Antônio Machado

Correio Braziliense - 14/04/2011

Dadas as circunstâncias, visita a Pequim foi bem-sucedida para a diplomacia e a economia.

Para um país com um projeto claro e de longo prazo de se tornar a potência econômica dominante, fortemente nacionalista, com direção planificada e uma economia de mercado incipiente, embora crescente, com o Partido Comunista no topo do processo, sem sindicatos e com imprensa censurada, a China não é um parceiro simples para ninguém — nem aos EUA, seu maior rival, apesar das relações umbilicais.

Esse é o pano de fundo que aguardava a presidente Dilma Rousseff em sua visita oficial a Pequim — e é importante tê-lo em mente ao se avaliar os resultados de suas tratativas com o governo chinês.

Dilma foi a Pequim com duas mensagens fortes: o reconhecimento do Brasil como ator relevante global, legenda para a reivindicação de assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e o balanceamento do intercâmbio comercial. A China é hoje o nosso maior cliente. Mas 84% do que compra são produtos básicos, como minério de ferro e soja, e apenas 4%, manufaturados. Pelos interesses da China, nada disso teria boa receptividade. Mas mereceu deferência.

Sobre o papel do Brasil no cenário global, o comunicado conjunto subscrito pelo presidente Hu Jintao diz que o seu governo “apoia a aspiração brasileira de vir a desempenhar papel mais proeminente nas Nações Unidas”. Ficou de bom tamanho para Dilma. A China é um dos cinco membros das Nações Unidas com direito a veto e o exerce para postergar a reforma do estatuto do Conselho de Segurança.

O problema não é o Brasil, mas o Japão, devido a ressentimentos da Segunda Guerra, quando os japoneses invadiram a China, e a Índia, que também desponta como potência econômico-militar e com quem disputa a hegemonia na Ásia. Está em curso no Mar da China, por exemplo, o exercício entre as marinhas de Índia, EUA, Japão e Coreia do Sul.

E isso durante a cúpula dos Brics, ampliado com o S de África do Sul, no balneário chinês de Sanya, para onde Dilma se dirigiu ao concluir a visita a Pequim. O pleito por um lugar fixo no Conselho de Segurança é uma iniciativa de Brasil, Alemanha, Índia e Japão.

Com tal contexto, é relevante a declaração de Dilma e Hu Jintao dizer que “China e Brasil apoiam (...) o aumento da representação dos países em desenvolvimento no Conselho de Segurança”. Ela dá a entender que a Índia, país emergente, está dentro, mas não Japão e Alemanha, desenvolvidos. Problema para eles, não para Dilma.

China virá às compras



O lado diplomático da viagem à China foi bem-sucedido, e não foi de tudo ruim o comercial. Releve os anúncios de investimentos, que têm boa dose de propaganda. Mais relevante foi o compromisso de Hu Jintao de enviar uma missão comercial, provavelmente em maio, sob chefia do ministro do Comércio, Chen Demin, para prospectar com indústrias brasileiras oportunidades de importações.

A missão precursora dos ministros das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, também negociou a oportunidade de Pequim manifestar boa-vontade com algo tangível: a garantia de produção para as instalações da Embraer na China.

Embraer pode decolar



A Embraer entrou na China associada à Avic, estatal chinesa que desenvolve projeto de jato médio similar ao que seria montado. A frustração da Embraer sugeriu algo comum nas associações chinesas com multinacionais: o acesso a tecnologias de que não dispõem.

O caso estava engasgado desde o governo Lula. A solução veio com a liberação para a compra de 35 aviões e a produção do Legacy, uma versão que, por enquanto, a China não tem fornecedor próprio.

Convenhamos: se nem avião, das poucas coisas em que o Brasil tem alguma competitividade, poderia entrar na China, como tornar mais equitativo o fluxo exportador hoje sustentado por commodities?


Taiwan roubou a cena



Dilma fechou outros acordos comerciais, mas nos segmentos de bens primários e semimanufaturados. É só o que interessa à China, cujo modelo econômico privilegia a geração de empregos. Sua estratégia visa a ocupar mercados externos com exportações, sem produção local.

E o anúncio do chinês de Taiwan Terry Gou, presidente da Foxconn, um dos três maiores grupos do mundo de produção terceirizada — é a montadora do iPod e iPad na China —, de investir US$ 12 bilhões no Brasil, onde já tem três centros de montagem? Animou o ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, e provocou ceticismo no setor industrial. É muito dinheiro para atividade tão simples. Não se descarta que Gou roubou a cena para lembrar que Taiwan não é China: são adversárias, embora cooperem na economia.


Grandalhão boa-praça



A questão substantiva das relações entre Brasil e China está aqui mesmo: a competitividade da indústria nacional. A onda revigorada da apreciação do real, por exemplo, já espera a volta de Dilma. De nada adianta esforços como os realizados pela produção da Embraer na China, se à taxa de câmbio atual suas exportações são gravosas.

Sem uma política econômica voltada a fazer do Brasil uma potência tal como a China se tornou, seremos apenas o parceiro grandalhão e boa-praça, mas sempre excluído da festa e nunca lembrado. Tomem-se as exportações. Equivalem a US$ 1,3 trilhão/ano na China, enquanto mal chegam a US$ 200 bilhões no Brasil. A China responde por 15% do total de nossas exportações, que correspondem a menos de 3% do que a China importa. E pensar que, até 1980, estávamos à frente deles.

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