terça-feira, 19 de abril de 2011

O povão longe do bico tucano

Carlos Pompe *

Os índios integram o povão brasileiro
Estes tempos em que o maior partido da direita nativa discute se deve ou não tentar seduzir o povão, e esta semana que tem o Dia do Índio, um dos nossos (nós, o povão brasileiro) formadores originais, são uma oportunidade para abordar algumas curiosidades sobre a cultura indígena.


O tupi foi a língua “que maior influxo exerceu no português, porque era a mais importante, era a mais falada e funcionava mesmo como espécie de ‘língua segunda’ de certos grupos de aborígenes não tupis”, considera Gladstone Chaves de Melo, em “A língua do Brasil”. Ele informa que, “até o século XVIII, o tupi sobrepujou o português” e era três vezes mais usado que a língua lusíada. Teodoro Sampaio, em “O tupi na geografia nacional”, diz que, mesmo os descendentes de portugueses, à época, valiam-se do tupi.


“A situação de inferioridade do português parece que era tão flagrante e clamorosa, que o rei de Portugal chegou a baixar um decreto proibindo o uso da língua bárbara, o que, aliás, adiantou muito pouco”, assevera Gladstone. Ele orça em 10 mil os vocábulos indígenas que foram incorporados ao português. Termos de origem indígena nomeiam utensílios, objetos, comidas, crendices, seres fantásticos, moléstias, fenômenos naturais, lugares, pessoas, espécimes da fauna e da flora, frases feitas e são ainda de uso geral. Há casos de verbos híbridos, com raízes indígenas, principalmente tupis, e terminações portuguesas.


São muitos os povos indígenas no Brasil e cerca de 170 as suas línguas. A maior, família tupi-guarani, é um conjunto de línguas descendentes “de uma língua anterior, neste caso pré-colombiana e não documentada historicamente”, assegura Aryon Dall’Igna Rodrigues em “Línguas brasileiras”. No caso do tronco lingüístico tupi, ele compreende, no Brasil, dez famílias vivas, distribuídas por 14 estados, estendendo-se à Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina.


João Ribeiro, em “A língua nacional”, apresenta uma tese interessante sobre a origem da palavra tupi. “Os nossos antigos cronistas e historiadores jamais denominaram ‘tupi’ a língua ou o gentio brasileiro”, afirma ele. Aventa, então: “O termo ‘tupi’, com toda a probabilidade, formou-se na alma popular como se havia formado a ‘língua geral’, por meio de generalizações fáceis e intuitivas e pelo aproveitamento de vozes comuns aos dialetos de várias tribos afins do tempo da catequese”.


Embasa sua hipótese no fato de várias dominações de nações, como Tupinambás, Tupinaé, Tupiúnas e Tupitingas, ofereciam a raiz comum nas duas sílabas iniciais. “E assim foi talvez criada por artifício lógico a palavra ‘tupi’, desconhecida dos indígenas, dos conquistadores e dos próprios e primeiros catequistas”.


O autor vai mais longe, e escreve que Tupi é o herói que dá nome a várias tribos litorâneas do continente sul-americano. Cita, para fundamentar seu argumento, a “História do Brasil”, de Frei Vicente de Salvador (começo do século XVII), que conta a lenda de dois irmãos, Tupi e Guarani – o primeiro povoou o que depois seria o Brasil e o outro povoou o que seriam posteriormente o Paraguai e o Peru.

O tucano (aliás, palavra de origem tupi para designar certas aves que pilham ninhos) que fique lá na elite que o pariu. No lado de cá continuaremos a frutífera e produtiva convivência entre várias etnias que formam a gente brasileira, vulgo povão.

* Jornalista e curioso do mundo, no Vermelho

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