domingo, 17 de abril de 2011

Os 13 gols contra o torcedor



Um dos campos de batalha pela cidadania e liberdade com pluralidade de expressão que as vezes nos passa desapercebido é o do futebol. Obviamente que não me refiro ao que acontece dentro das quatro linhas, e sim fora delas.


A começar pelo Campeonato Brasileiro exibido pela TV aberta. Findo o último ano de contrato entre as partes, o Clube dos 13 (associação dos 13 grandes clubes de futebol) abriu uma concorrência para ceder os direitos de transmissão dos jogos para 2012/2016 à emissora que apresentasse a melhor proposta financeira. Era para ser um processo limpo e transparente. Mas a Globo – que desde a sua fundação a serviço dos militares golpistas de 64 nunca precisou jogar limpo – usou do velho ensinamento chinês na arte da guerra para renovar sua exclusividade: dividir o inimigo para enfraquecê-lo e criar discórdia entre seus exércitos. Quem pode vencer a Globo nesta briga? Flamengo ou Corinthians – que são as maiores torcidas do Brasil? Só se acontecesse um milagre e ambas as torcidas resolvessem não dar mais 1 pontinho sequer de audiência à emissora dos Marinho – o que é uma utopia desvairada.


A Globo fatiou o Clube dos 13 em 13 fatias e comeu, silenciosamente, uma a uma. Sobrou o osso, a diretoria falando sozinha, devidamente chutada à linha de fundo. Faz sentido. Há décadas que os clubes são dirigidos por mulas ambulantes que só enxergam cifrões e vivem do comércio e exportação de jogadores. Camisa? Torcida? Se lixam. Topam qualquer negócio que lhes retorne algum benefício financeiro.


Como naquelas corridas de cães, onde os animais tentam alcançar um pedaço de linguiça, os dirigentes dos 13 foram encoleirados um a um pela Globo. Mas antes de verem a cor do dinheiro e antes do apito do juiz, todos nós passaremos mais quatro anos aguardando o fim da novela antes de cada jogo (inclusive a TV Bandeirantes que subloca o sinal da Globo). Danem-se os torcedores que deveriam ser os mais respeitados porque são a alma do futebol e, ao contrário disso, são obrigados a chegar em casa de madrugada depois de desembolsarem mais de 10% de um salário mínimo para verem seu time do coração. Este é o lado mais cruel e desumano da história. Em outras épocas, o torcedor era a majestade. Hoje, se desaparecesse dos estádios, bastaria um truque de computação gráfica para que ressurgisse fictício e animado.


Se a Globo não cuspisse no prato dos 13 em que comeu nos últimos 4 anos, a Record teria levado essa – o que, cá entre nós, nem seria o ideal. Mas a hegemonia da emissora dos Marinho, ao menos, receberia um golpe que a muito lhe faz jus. Teríamos horários mais humanizados para jogadores e torcedores. E, de quebra, ainda romperíamos com o “padrão Globo” e os 50 anos de novela na cabeça que esvazia cérebros e promove o comportamento bovino de seu telespectador – este mesmo, que Wiliam Bonner chama carinhosamente de “Hommer Simpson”.


O PiG também entra nessa dança da bola à sua maneira. (Aqui, um parênteses: nada contra o Corinthians e sua torcida fora das 4 linhas. Entenda-se apenas a atitude traiçoeira da imprensa – equivalente à usada na política.)


Pois bem. Ultimamente temos acompanhado a novela da renovação ou rescisão de contrato de Paulo Henrique Ganso com o Santos. Até os cazaquistaneses sabem que a mídia paulista é, em sua imensa maioria, corintiana. Estes “profissionais de jornalismo” – destaque especial para o jornaleco de esportes Lance – passaram as últimas semanas criando factóides, especulando, colocando palavras em bocas alheias, distorcendo fatos e eventos – enfim, infernizando a vida do jogador e da diretoria do Santos. Mais do que sonharem em trazê-lo para o Corinthians, já lhes bastaria que Ganso rompesse seu contrato e desfalcasse o rival o quanto antes. Comeram cru, inclusive, quando decretaram a eliminação do Santos na Libertadores, na última quinta-feira e, por conseguinte, a saída do jogador. Seja para o Corinthians, seja para o Milan. Mas esqueceram de avisar o Ganso – que jogou uma bola redonda e foi decisivo na vitória do Santos, contrariando as espectativas da mídia. A coisa foi tão longe, que o próprio presidente do Corinthians, André Sanches, veio a público para botar um ponto final: não há nenhum assédio, nenhum pré-acordo, NADA, que o Corinthians esteja fazendo para contratar Ganso.


Estes jornalistas são o PiG do futebol. Não é à toa que a toda hora, jogadores ficam sabendo de fofocas sobre sua vida pessoal e profissional através da imprensa. E não é à toa que em muitos casos criam-se situações insustentáveis entre dirigentes, atletas e torcida por conta de manchetes maliciosas ou falsas declarações atribuídas a este dirigente ou a aquele jogador.


Por todo esse jogo sujo da mídia paulista e pela submissão que a Globo impõe aos times e aos torcedores, fica uma certeza: já passou da hora de todos os eventos esportivos brasileiros serem transmitidos por câmeras públicas. Som e imagens disponibilizados igualmente para todas as emissoras de TV mediante o pagamento de cotas que seriam repassadas aos clubes. E cada emissora que oferecesse ao seu telespectador seu próprio diferencial humano e tecnológico e o que mais lhe der na telha. Exatamente como é no rádio: o jogo é público e cada emissora tem seu time de profissionais fazendo a cobertura. No fim das contas, o público sintoniza o que preferir. Todos ganhariam e teríamos pluralidade de pontos de vista de narradores e comentaristas. É assim que funciona na maioria dos países. Só no Brasil há o monopólio privado da transmissão dos eventos esportivos – seja na TV aberta, seja na fechada (SporTV também é da Globo).


O futebol não é produzido pela Globo como são as novelas. Não é um filme que pode ser comprado e exibido na hora que for mais conveniente dentro da grade de programação. O futebol é dos torcedores que lotariam os estádios não fossem os horários cruéis impostos pela Globo no meio da semana.


Por isso é importante o marco regulatório das comunicações. Pela democratização dos meios de comunicação e fim dos mega monopólios midiáticos. Pela pluralidade de opiniões e, acima de tudo, pela honestidade das futuras gerações de jornalistas.

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