sexta-feira, 6 de maio de 2011

Faz mais que sentido

O que a morte de Bin Laden tem a ver com a morte de Chico Mendes? Quase nada, mas são duas histórias muito estranhas e mal-contadas, com um jornal no meio.
Carlos Newton

Quando Chico Mendes foi assassinado, em 22 de dezembro de 1988 (parece que foi ontem) a história foi muito mal-contada. Tratava-se de uma “morte anunciada”, várias pessoas sabiam, não só em Xapuri, onde o líder seringueiro morava, mas também na capital, Rio Branco, o assunto foi até levantado numa mesa de poquer no principal clube da cidade.
 
Na época, denunciei insistentemente essa “morte anunciada”, mostrando que os editores do principal jornal de Rio Branco tinham sido previamente informados do assassinato, nada fizeram para impedi-lo e até prepararam uma cobertura especial para noticiar o crime.

Xapuri fica muito distante de Rio Branco, a rodovia é de terra e em dezembro chove todo dia. Demoram-se horas e horas para fazer o percurso na temporada das chuvas torrenciais, especialmente à noite. E Chico Mendes foi assassinado exatamente à noite, quando saiu de casa para ir ao banheiro (que lá é chamado de “casinha”, porque fica fora da casa, no fundo do quintal).
 
Como é que na manhã seguinte, bem cedo, o jornal já estava sendo distribuído não só com a manchete do assassinato, mas com a foto do corpo de Chico Mendes?
 
É um exemplo de missão impossível. Jamais o jornal poderia ter essa foto. A notícia, sim, poderia ser passada por telefone, mas a foto, não. Na explicação do editores, teriam recebido um telefonema informando o crime, imediatamente enviaram um repórter a Xapuri, de carro. Lá, ele fez a cobertura do fato, depois fotografou o corpo (que até já havia sido levado do local), voltou a Rio Branco, redigiu a reportagem, o filme foi revelado, a matéria foi diagramada e incluída na edição. As páginas foram passadas para fotolito, depois transformadas em metal, enfim adicionadas à rotativa, e o jornal foi rodado com a notícia sensacional, tudo isso a tempo de estar cedinho nas bancas.


Era impossível. Só haveria um repórter capaz de fazê-lo, o famoso Clark Kent. Como Kent ainda trabalha no velho Planeta Diário, ficou provado o seguinte: o editor ou editores do jornal foram informado previamente que Chico Mendes ia ser assassinado naquela noite, mandaram o repórter para Xapuri e lá ele ficou esperando, fez a cobertura do crime, fotografou o corpo e voltou a Rio Branco. E deu tempo para publicar na edição do dia.


Na época, fiz uma série de reportagens a respeito na Ultima Hora, mas as chamadas autoridades não tomaram a menor providência, não se interessaram em colher o depoimento do repórter ultraveloz e do editor do jornal, que com certeza era o homem que sabia demais, como no filme de Hitchcock.
 
Teria sido muito mais fácil se chegar aos mandantes, mas as chamadas autoridades não quiseram incomodar os jornalistas. Até hoje tenho dúvidas de que chegaram aos verdadeiros mandantes. Será que o fazendeiro-seringalista Darli Alves da Silva e seu filho Darcy foram os únicos responsáveis?
 
Agora, na morte de Bin Laden, também aparece um jornal com informações privilegiadas. Foi o ultrapoderoso The New York Times que deu o furo, anunciando que o corpo de Bin Laden fora sepultado no mar. E deu a notícia no início da madrugada de segunda-feira, pouco depois do pronunciamento de Obama. Isso significa que o corpo de Bin Laden teria sido atirado ao mar assim que o helicóptero retornou ao navio da Marinha, no litoral do Paquistão. Mas quem é que pode acreditar nisso? O corpo do homem mais procurado do mundo sendo desovado assim, às pressas, como se os marines fossem criminosos tentando se livrar logo das provas, fazendo sumir o cadáver da vítima?
 
O pior é que ainda nem teria dado tempo para se livrar do corpo, como veremos a seguir. Segundo o New York Times, o corpo do terrorista foi levado para o Afeganistão e depois sepultado no mar, seguindo as tradições muçulmanas. Quer dizer que o mais importante jornal do mundo publica uma bobagem dessas e ninguém contesta? A versão do NYT é tão furada quanto a cobertura do jornal do Acre sobre a morte de Chico Mendes. Ora, por que os helicópteros da Marinha saíram do Paquistão e levaram o corpo de Bin Laden para o Afeganistão, se ele ia ser atirado ao mar?
 
É incrível que a Casa Branca desconheça que o Afeganistão é um país sem litoral, que fica centenas de quilômetros distante do mar. Por que os helicópteros sairiam do Paquistão e, ao invés de seguirem para o mar (ponto do “sepultamento”), fariam caminho inverso, indo para o Afeganistão, para só depois voarem mais centenas de quilômetros, até desovarem o corpo no Mar Arábico. É como se estivessem em São Paulo, precisassem jogar um corpo ao mar, mas antes foram para Mato Grosso. Quem acredita nisso?
 
É sabido que nos Estados Unidos não se dá muita importância ao ensino de geografia nas escolas, mas assim também é demais. Os estrategistas dessa operação para matar Bin Laden fizeram o corpo dele passear de helicóptero para quê? Não sabiam que a menor distância entre dois pontos é uma linha reta? Ou preferem uma curva delirante e vadia, como uma onda no mar? O pior é que, se os helicópteros realmente fizeram esse delirante percurso noticiado pelo NYT, não daria tempo. Portanto, o jornal teria anunciado a desova do corpo antes mesmo disso ter acontecido.
 
A história da morte de Bin Laden, contada pela Casa Branca e pela CIA, é totalmente furada, representa uma afronta à inteligência alheia. O presidente Barack Obama tem todo direito de disputar a reeleição. Mas tentar ganhá-la desse jeito é uma bestial insensatez. Se Bin Laden está morto, ótimo, é motivo de alívio, menos um. Mas por que não contar a história da forma como realmente aconteceu?
 
Tudo isso é incrível e decepcionante. Amanhã a gente volta ao assunto, com novas provas que desmontam essa versão de Casa Branca e da CIA.Tribuna da Imprensa.

Um comentário:

O Carcará disse...

Olá,
Bela postagem. Sentia que algo não se encaixava, mas não tinha pensado por esse prisma. Apesar da ter gostado da morte do Bin Laden e de todos terroristas, podiam contar a verdade.
Abraços.