“Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis; mas ninguém aborrece mais do que nós, que essas reformas sejam feitas pelo povo, pois conhecemos as más consequências desse modo de reformar; desejamos as reformas, mas feitas pelo governo, e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo, para que se evite serem feitas pelo povo”.
Respostas: A) Editorialista de O Globo; B) Merval Pereira; C) Hipólito José da Costa; D) Editorialista da Província de São Paulo; E) Benito Mussolini.
Esclarecimentos. O Globo dispensa apresentações, Merval Pereira nem se fale, a fama de sua pena transpõe fronteiras, bem como seu culto ao pronome “que”. Província de São Paulo é o jornal que precedeu O Estado de S. Paulo, o berço do Estadão. Benito Mussolini, também conhecido como Il Duce, é o fundador do fascismo e ditador da Itália por mais de duas- décadas, até o final da Segunda Guerra Mundial. (Esta informação é dedicada ao governador Tarso Genro e a uma plêiade de juristas do STF). Hipólito José da Costa, jornalista, fundador do Correio Braziliense em 1808, impresso em Londres, foi designado primeiro Herói Nacional pela Presidência da República no ano passado.
O teste, admito, não é fácil, e em benefício de quem até esta linha hesita em busca da resposta, docemente declino: Hipólito José da Costa. A ele o Jornal da ABI entrega a capa ao comemorar em edição extra o Dia da Imprensa e tecer loas ao brasileiro que imprimia seu jornal fora do País para escapar à censura de D. João VI, aboletado no Rio, capital da colônia. Maçom e liberal, o nosso herói. E antecessor de Merval Pereira na entronização do pronome “que”.
Extraio o trecho de Hipólito que motiva o teste de um magistral ensaio de Raymundo Faoro, “Existe um Pensamento Político Brasileiro?” A leitura, tanto do jornalista quanto do pensador, leva-me à conclusão inescapável de que o fundador do Correio Braziliense é perfeito como Herói Nacional santificado pela mídia nativa. Até o mundo mineral percebe que os herdeiros da casa-grande mantêm intacta a repulsa às demandas, por mais tímidas, dos herdeiros da senzala.
Ensina Faoro no seu ensaio que os exilados dos começos do século XIX “não se mostravam fascinados pelos princípios da Revolução Francesa”, a ponto de defini-los “abomináveis”. Vigora, esclarece o historiador, “o liberalismo como tática absolutista”. E acrescenta: “A participação popular no liberalismo, ao contrário da democracia, exclui da cidadania não somente o escravo, mas os setores negativamente privilegiados (…) sem escândalo ostensivo”.
Hipólito José da Costa foge do Brasil para livremente expor em Londres o seu irremediável reacionarismo, próprio até hoje de larga porção dos privilegiados da terra e prontamente endossado pela mídia nativa, a do pensamento único, baseado, essencialmente, na aversão e no temor da pressão popular. E na certeza de que liberdade de imprensa é a de omitir e mesmo mentir, de todo modo de publicar a versão em lugar do fato.
É do próprio Faoro uma frase que sempre repito: “Querem um país de 20 mil habitantes e uma democracia sem povo”. Como Hipólito José da Costa e como os jornalistas atuais, caninamente a serviço dos interesses do patrão, que chamam de colega. Deste ponto de vista, o primeiro Herói Nacional merece a elevação aos altares midiáticos e patrióticos.
O jornalismo brasileiro já foi, porém, muito melhor do que o de Hipólito e de Merval Pereira, ao menos pela qualidade dos praticantes. Foi o jornalismo dos enviados especiais à frente italiana da Segunda Guerra Mundial, Rubem Braga e Joel Silveira, ou de um mestre autêntico como Claudio Abramo, citado por Rodolfo Konder em artigo publicado na edição extra do Jornal da ABI. Ou o da Realidade, tema de outro artigo, de Paulo Chico, a revista mensal de um grupo de excelentes profissionais, quase todos meus ex-companheiros em Quatro Rodas, jornalistas que, além de muito bem formados, lidavam com o vernáculo com extremo desembaraço.
A respeito deste artigo de Paulo Chico, só tenho a sublinhar para não me sentir remoto seguidor de Hipólito José da Costa, que Roberto Civita, editor da Realidade- na qualidade de filho do dono da Abril, não é e nunca foi jornalista, e sim patrão. E ainda é quem entregou a minha cabeça a um soturno indivíduo chamado Armando- Falcão, que no país dos herdeiros da casa-grande e da senzala foi ministro, imaginem, da Justiça do ditador Ernesto Geisel. Nada de surpresas, o mesmo Roberto Civita quase dois anos antes tentara, diante dos meus olhos estupefatos, entregar a cabeça de Millôr Fernandes ao general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil. Felizmente, Golbery não era Falcão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário