Felipe Prestes, Sul21
O Ministério Público Federal investiga a morte do ex-presidente João Goulart desde agosto de 2009, mas a família de Jango não está contente com os rumos da investigação. João Vicente Goulart, filho do presidente deposto pelos militares, quer que o inquérito saia da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Rio Grande do Sul, e seja tocado pela procuradoria-geral da República. “Se não é competência da PGR investigar a morte de um ex-presidente, de quem seria?”, pergunta.
João Vicente também busca o apoio do governo federal. No início do mês de agosto, esteve com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Ela prometeu acionar o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão chefiado pelo ministério, cuja principal atribuição é investigar denúncias de violações de direitos humanos de especial gravidade com abrangência nacional. Por coincidência, o conselho foi criado por João Goulart no dia 16 de março de 1964, quinze dias antes do golpe militar.
Dificuldades com o Ministério Público
João Vicente narra uma série de dificuldades que tem encontrado com o MPF desde que o Instituto João Goulart, presidido por ele, provocou o órgão em setembro de 2007. Quatro anos depois, a investigação praticamente não andou. Na ocasião, o instituto já pedia que o inquérito ficasse a cargo do então procurador-geral da República Antonio Fernandes de Souza, que entendeu que a competência não era da PGR, encaminhando a questão para Porto Alegre no início de 2008. O inquérito só começou, oficialmente, em agosto de 2009.
Em seguida, a procuradoria regional encaminhou a Brasília pedido de arquivamento do inquérito, alegando não ter como realizar a investigação. O pedido não foi aceito. Com o imbróglio, o inquérito só voltou a andar em junho de 2010. Em 2011, mudou pela terceira vez o procurador responsável pelo caso. “É a terceira vez que muda o procurador. Entra um novo e fica sem independência para tocar a investigação”, reclama João Vicente.
Recentemente, segundo o filho de Jango, o procurador que atualmente é responsável pelo caso, Alexandre Amaral Gavronski, enviou ofício a Brasília dizendo ter dificuldades para cumprir as diligências que a investigação necessita. O que deixa João Vicente mais contrariado não são as dificuldades com a procuradoria regional, mas o fato de que desde 2007 ele cobra que a competência para o caso deve ser da PGR.
Exumação e documentos oficiais
As dúvidas sobre a morte de João Goulart pairam desde o dia 6 de dezembro de 1976, quando ele teve parada cardíaca na fazenda em que vivia exilado, em Mercedes, na província argentina de Corrientes, limítrofe com o Rio Grande do Sul. A tese de que o ex-presidente fora envenenado graças à ação conjunta da repressão no Conesul, com auxílio norte-americano, na chamada Operação Condor, já é ventilada desde o processo de abertura política no Brasil, bem como a possibilidade de exumação do corpo de João Goulart para comprovação, ou não, deste fato.
A possibilidade ganhou força com o depoimento do ex-agente da repressão uruguaia Mario Neira Barrero, em 2007. Cumprindo pena em Charqueadas, no Rio Grande do Sul, por crimes comuns, Barrero denunciou à imprensa brasileira que Jango teria sido realmente envenenado por um agente infiltrado entre as pessoas que frequentavam a fazenda do ex-presidente, a pedido do governo brasileiro.
A família de João Goulart é favorável à exumação que poderia confirmar o envenenamento, mas Christopher Goulart, neto do ex-presidente, explica que o procedimento não é tão simples como pode parecer. Segundo ele, a família não irá realizar a exumação se esta não for conclusiva. Sendo assim, busca – e deseja o auxílio do MP para tanto – informações sobre diversas formas de exames já feitos para detectar a presença de substâncias venenosas em corpos exumados.
Em conversa recente com o procurador Alexandre Gavronski, Christopher e o integrante do MP tiveram acordo de que o passo mais importante é a busca por documentos que deem maiores indícios de que houve uma operação para matar João Goulart. Mas esta busca por documentos parece ser justamente o que desanima os procuradores a investigar o caso, uma vez que os documentos que podem elucidar o caso não estão disponíveis no Brasil, mas podem estar na Argentina e nos Estados Unidos. João Vicente Goulart acredita que ter a procuradoria-geral da República investigando o tema ampliaria as possibilidades de obtenção destes documentos fora do país.
“Nosso problema é conviver com a dúvida”
O filho do ex-presidente afirma que, caso as investigações não tenham o andamento esperado, nem o apoio do governo federal, a família trabalha com duas hipóteses. Uma delas é provocar a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Outra hipótese é a própria família requisitar à Justiça a exumação do corpo de Jango, mas só depois de ouvir patologistas do Brasil e do exterior.
Segundo Christopher Goulart, já estão apensados ao inquérito documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) que comprovam a preocupação do governo brasileiro com o fato de João Goulart estar cogitando um retorno ao país. O neto diz acreditar na hipótese de assassinato. “Eu, particularmente, acredito que sim. A suspeita é muito forte, porque o presidente era uma referência para a democracia na América do Sul. Pode até não ter ocorrido, mas só o pelo fato de haver uma suspeita tem que investigar”.
Para João Vicente, o que atormenta os familiares é justamente o fato de a morte não estar esclarecida. Ele afirma que não quer comprovar o assassinato, pelo contrário: gostaria de ter a certeza de que o pai teve uma morte digna. E revela o que disse à ministra Maria do Rosário durante o encontro com ela. “Disse à ministra: ‘nosso problema é conviver com a dúvida. Para nós seria imensamente melhor a comprovação de que foi morte natural’”.
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