quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O lixo da história e a história no lixo


Por Eugênio Neves, em resposta à coluna Viva a Líbia, de Marcelo Carneiro da Cunha.

Não é verdade que nada é permanente, Marcelo. Há coisas de uma perenidade inacreditável. Uma delas é a credulidade. Por mais que a história esteja crivada de exemplos que demonstram como ela é capaz de repetir-se como farsa ou, na maioria das vezes, como tragédia, sempre tem aqueles dispostos a acreditar, como se tudo estivesse acontecendo pela primeira vez.
 
Assim como aquele lixo que aparentemente não tem mais serventia e, ao ser reciclado, transmuta-se em coisa totalmente nova, a história também pode ser submetida a esse processo, depurada de suas úteis lições e servida aos incautos como se grande novidade fosse.
 
Veja você, Marcelo, a notícia que recebi hoje à tarde: “Sábado 20 de Agosto 2011, pelas 20h, ou seja, na altura do Iftar, rompeu-se o jejum do Ramadã quando a Aliança atlântica lançou a “Operação Sereia”. As sereias são os alto-falantes das mesquitas que foram usadas pela Al-Qaeda para lançar um apelo de modo a iniciar as revoltas. Logo de seguida, células adormecidas de rebeldes entraram em ação. São pequenos grupos de extrema mobilidade que multiplicaram os ataques. Os combates durante a noite fizeram 350 mortos e 3000 feridos. A situação estabilizou durante o dia de domingo.

Um navio da OTAN acostou em Trípoli, fornecendo armas de alto calibre e desembarcando jihadistas da Al Qaeda, contratados pelos oficiais da Aliança. Os combates retomaram durante a noite. Atingiram um pico de violência extrema. Os drones e os aviões da Otan bombardeiam em todas as direções. Os helicópteros metralham as pessoas nas ruas de forma a abrir caminho aos jihadistas.”

Que coisa, não é? Isso não lhe lembra nada? Você já deve ter ouvido falar de um país chamado Afeganistão. Se não ouviu, vou lhe refrescar a memória. Tudo começou lá nos anos 80, quando “combatentes da liberdade” lutavam contra aqueles malvados vermelhos que queriam transformar sua nação em mais um satélite do império ateu e comunista.

Sensível às causas libertárias como só o sabe ser a irretocável “democracia” dos Estados Unidos, eis que esta grande nação de “homens brancos e sábios” resolveu dar uma mãozinha aos bravos combatentes da “franquia” Taliban-Al Qaeda. Armamento à vontade, dólares e outras cositas mais, e os pérfidos infiéis são postos a correr do Afeganistão. Por mais que tenha sido cantada em prosa e verso como coisa desinteressada e dada apenas por amor a “liberdade”, a tal ajuda ianque, segundo maldosas insinuações, estaria relacionada a construção de um gasoduto para abastecer com energia barata as perdulárias e falidas economias ocidentais. Pura maldade mesmo.

O fato é que, vitoriosa, a “franquia” taliban-Al Qaeda não incluía em seus planos franquear seu território para a cobiça ocidental. Tinham planos próprios e isso fez com que passassem, do dia para a noite, de “combatentes da liberdade” a “eixo do mal”. Bush, gênio do bem, “resolveu” a situação enchendo as montanhas do Afeganistão de crateras e obrigando os ex “combatentes da liberdade” a um recuo estratégico para as cavernas daquelas mesmas montanhas, a fim de discutir como enfrentariam o antigo aliado e mais novo inimigo. O desdobramento dos fatos só tem provado que o recuo foi acertado e a estratégia mais ainda. A guerra do Afeganistão está irremediavelmente perdida para os EUA. Sua saída dali, com o rabo entre as pernas, é só uma questão de tempo. Idem para o Iraque.

Não tendo aprendido com os franceses e nem com a sua própria experiência no Vietnam, não tendo aprendido nada no Líbano e na Somália, recusando-se a admitir o rotundo fracasso dos intervenções no Afeganistão e no Iraque, vendo ruir sua aliança com o Egito e as sublevações em vários países árabes ameaçando a estabilidade da região, Obama, a quem você por certo jamais chamaria de debilóide, agora embarca nessa nova “cruzada” “de arma na mão” para mandar “mais um pouco de lixo para a lata de lixo não-reciclável da história”.

Explique melhor esse negócio de “lata de lixo da história” para mim e para seus ávidos leitores. Faça-nos entender, por exemplo, como é que os EUA, que tiveram um helicóptero derrubado no Afeganistão na semana passada, com trinta mortos, agora abastecem de armas em Trípoli os mesmos “terroristas” que lutam contra eles no Afeganistão?
 
Quem anda por esse mundão da internet como eu ando, sabe que a Al Qaeda tem planos próprios para os países muçulmanos do norte da África. Ela já está instalada em vários deles e juntou-se a essa “coalizão anti Kadafi” para meter o pé na Líbia. Kadafi fora do poder, o que acontece? Você, de sã consciência, acredita que esse saco de gatos de jihadistas, piratas saqueadores de petróleo da OTAN, monarquistas saudosistas e “rebeldes” sabe-se-lá-comprados-com-o-que, cada um com seus interesses, serão capazes de devolver a “liberdade” ao povo líbio?

Serão esses os fiadores das garantias democráticas que livrarão o povo líbio do “lamaçal cercado de miséria e violência por todos os lados”? Das “mulheres forçadas a usar burcas ou similares”? Dos “homossexuais condenados à morte”? Da “ausência de imprensa, e escassez de artes”?

Se tomarmos como exemplo os países árabes onde ditaduras sanguinárias são sustentadas pelos EUA, veremos o quanto essas liberdades são “respeitadas”. E quanto maior a influência, maior é o “respeito”. A Arábia Saudita, hoje a ditadura mais sanguinária do mundo, além dos EUA, é o melhor exemplo dessas “democracias”. Ou o próprio Afeganistão, onde a condição das mulheres sob o regime corrupto do fantoche Hamid Karzai, além de não ter melhorado um milímetro, degradou-se mais ainda por causa da guerra. A sorte dos homossexuais idem. Sobre a imprensa, quem somos nós para falar, com uma igual a essa que temos. Quanto as artes, o fato de que pouca coisa nos chega da cultura árabe, não é porque eles não a produzem e sim por que, como colonizados que somos, cultura para nós é só aquilo que as mídias ocidentais chancelam como tal.

Você nos apresenta todos esses “levantes” no mundo árabe como se fossem uma coisa única e com a mesma motivação. No entanto, cada um deles tem diferenças bem marcantes e no caso da Líbia, surpreende que em momento algum seja mencionado o fato de que não é de agora a intenção dos EUA de derrubar Kadafi. Na década de oitenta, o império assassinou uma filha adotiva do líder líbio, numa tentativa de depô-lo. Como surpreende, também, você sequer mencionar o propósito mais do que evidente dos piratas da OTAN e sua “guerra humanitária”: aproveitar os levantes árabes para dar esse golpe de mão na Líbia com o único objetivo de saquear seu petróleo.

Se não é verdade o que digo e se a intenção é mesmo varrer as “ditaduras” da região com a vassoura da democracia, por que as hienas da OTAN não impediram a ocupação do Bahrein pela Arábia Saudita e o massacre dos “rebeldes” daquele emirado? Eles também clamavam por democracia. Ou há “democracias” que interessam e democracias que não interessam? Além de “esquecer” de citar certos detalhes que fazem a diferença, você ainda mete, de cambulhada, outros fatos históricos não imediatamente relacionados e nos brinda com uma pérola como essa: “…saindo de uma ditadura de um rei de araque no Irã para mergulhar na escuridão teocrática da tal República Islâmica”. Só alguém que não conhece absolutamente nada sobre a história moderna do Irã, pode afirmar uma coisa dessas. Quem, Marcelo, depôs Mossadeg, inventou aquele xá “de araque”, filho de um simpatizante nazista e o sustentou no poder até o último segundo? E o radicalismo fundamentalista é consequência do quê? Surgiu por acaso?

Acho interessante essa visão peculiar que as pessoas têm de uma história onde os fatos não se relacionam entre si, onde cada um deles parece surgir por geração espontânea, como aqueles cogumelos que nascem depois das chuvaradas.
 
Sei que não adianta lhe dizer que Kadafi reverteu para a Líbia os lucros do petróleo e proporcionou ao seu país um dos mais altos índices de desenvolvimento humano da África, que apoiou vários movimentos de libertação pelo mundo afora, etc. Você parece nutrir um desprezo todo especial por líderes nacionalistas e minha intenção não é de lhe convencer de nada. Já travamos um debate sobre isso – http://sul21.com.br/jornal/2011/01/a-inutil-bobagem-chavista/
 
No entanto, é preciso registrar que nem todos estão “condenados ao mesmo script sempre”, dispostos a cair e disseminar as tediosas mentiras da “sabotagem” do Meine, do incidente do “Golfo de Tonquim”, da “derrubada” do 747 coreano na península de Kantchaca, da “libertação” do Kosovo, do “11 de setembro”, das “armas de destruição em massa” do Iraque, do “afundamento” do lança minas na fronteira marítima das Coreias, do combate ao “terrorismo”, da “quebradeira” das hipotecas.
 
Ah! Ia esquecendo da “guerra humanitária” para salvar o povo da Líbia!
 
Não será com intervenções em nome do que quer que seja e nem por quem quer que seja que o mundo ficará melhor. E sabe por que, Marcelo? Por que hoje ninguém tem moral para apontar o dedo na cara de ninguém cobrando liberdade, democracia e respeito aos direitos humanos.
 
Muito menos nós, que não só “chegamos perto do que é ter um debilóide”, como tivemos e temos vários debilóides “no comando supremo de todas as riquezas” do nosso país. Mais: ultrapassamos e continuamos a ultrapassar os limites mais comezinhos do respeito ao outro. Somos um povo cruel, racista, preconceituoso, violento. E sem a menor autocrítica.

Muitos dos debilóides que nos transformaram nisso, deixaram seus herdeiros, não menos debilóides, que estão por aí, à solta, exercendo seu poder em todas as instâncias da nossa sociedade. E, mesmo não tendo nos livrado do “andador colonial”, ainda temos a pretensão de exercer um “sub-imperialismo”, travestido de “ajuda humanitária” ao Haiti. E em plena era Lula!!! Afinal, isso pode nos garantir um lugar na ONU!!! Só se for como bobos da corte, aptos a endossar resoluções como essas do “ataque humanitário” à Líbia ou a inimputabilidade dos criminosos de guerra dos EUA.
 
Hoje, recebi uma mensagem da jornalista e militante Tania Faillace, comentando o trabalho escravo na griffe Zara. Numa passagem ela denuncia:
 
“No Pará, faz uns dez anos ou pouco mais, após denúncias reiteradas, a PF revistou uma fazenda onde encontrou ossos humanos cozidos. A fazenda trabalhava com mão de obra escrava, e aqueles que fugiam e eram capturados, eram mortos para não falarem, tinham seus corpos esquartejados e cozinhados e posteriormente dados como comida aos porcos da criação. O requinte de cozinhar os cadáveres provavelmente se deveu ao receio de que os porcos se acostumassem com carne humana crua, e atacassem os seguranças da fazenda. Carne cozida tem cheiro diferente.”
 
Então, Marcelo, como “cidadão” de um país como o nosso, vc acha que pode pregar moral pra cima do Irã ou do Kadafi?


Fonte:Sul21

3 comentários:

Anônimo disse...

O lixo da história e a história do lixo: Kadafi é o "líder, irmão e amigo" do "Exu Tranqueira"!

PERNAMBUCANO FALANDO PARA E COM O MUNDO disse...

Caro "Anônimo":

Você é o lixo do lixo, um excremento de ser teleguiado!

Nem uma "Pomba Gira" encosta aí!

VERA disse...

É verdade!!!

Kadafi é amicíssimo do "exu-tranqueira" FGAFAC-privateiro-propineiro!!!

FGAGAC-cafajeste-corno-di-amante também é amigo do ladrão que será solto da cadeia hoje: o Cacciola!!!

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK