“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Como se grande coisa fosse, a frase saiu da boca do general Juracy Magalhães, então ministro da Justiça, no início da ditadura militar. Com a sinceridade típica de direitista bem à vontade em sua própria pele, Juracy desnudava não só a subserviência do regime a Washington como a adoção de um modelo pelo Brasil: era preciso macaquear o grande irmão do Norte, a Nação mais poderosa do planeta. Econômica ou mesmo cotidianamente, os Estados Unidos eram o exemplo a seguir. O “american way of life” era tudo o que poderíamos pretender para nós no mundo.
À esquerda, o modelo não era muito melhor. Devíamos emular a opção estatizante e nacionalista da União Soviética, de Cuba ou da China, sem dar a devida importância ao nefasto desrespeito às liberdades individuais, à falta de democracia e à perseguição e execução de dissidentes pelos regimes comunistas. Houve, inclusive, quem se pautasse pelo ridículo modelo albanês de Enver Hoxha, que chegou a proibir até o uso de barba no país. Sem falar em outros tiranos sanguinários como o cambojano Pol Pot e sua amalucada estratégia das transferências forçadas para o campo.
Pouco antes da queda do Muro de Berlim, o Brasil, tal qual a formiguinha tonta da fábula, volta-se para a social democracia europeia, sempre em busca do modelo ideal, capaz de tirá-lo do atoleiro dos países subdesenvolvidos e levá-lo, se não ao primeiro, ao mundo dito “civilizado”. A social democracia era um capitalismo edulcorado que poderia angariar simpatias também à esquerda, mas não chegou a se estabelecer por aqui, a não ser em termos de papo furado. Neste período, o mais próximo que chegamos de uma concepção de esquerda genuinamente brasileira foi o “socialismo moreno” de Darcy Ribeiro, a quem ninguém deu bola e, talvez por isso mesmo, nem ele levou adiante teoricamente.
Caído o muro, mais uma vez o modelo americano triunfa e mergulhamos no neoliberalismo na década de 1990. Era preciso fazer o oposto dos regimes comunistas: privatizar e “globalizar”. Não é à toa que a solução econômica para os países atormentados pela inflação foi a dolarização da economia (entre nós, camuflada). Passou a ser considerado imprescindível ganhar dinheiro, e dinheiro fácil. O tal deus mercado iniciava seu reinado. Na América do Sul, os bem-sucedidos estavam ao lado. O Brasil precisava ser “como a Argentina” ou “como o Chile” –deste último, de tão bem que andava, passou-se a dizer que era “uma casa boa numa vizinhança ruim”.
Com a vitória de Lula, em 2002, temeu-se a “venezuelização” do Brasil. Ou seja, o País, sob o PT, copiaria a Venezuela de Hugo Chávez. De novo a busca pelo modelo de Nação, desta vez mais imaginada pela imprensa do que real. O que aconteceu foi o contrário: nos últimos nove anos, com tudo que ainda falta fazer, é inegável que finalmente nos colocamos em nossa própria trilha. Estamos a anos-luz do país que queremos, mas paramos de tentar copiar o modelo alheio. Somos um país mestiço, desigual e rico, um gigante tropical cheio de contradições. Únicos. Não cabemos em nenhum figurino.
Agora, a absoluta falência dos Estados Unidos e da Europa, vem comprovar que, ainda que quiséssemos seguir algum, os modelos acabaram. O ideal de país a perseguir não existe mais. Referências, sim. Idéias que deram certo lá fora podem e devem ser replicadas. Replicar modelos, não. Se continuarmos acertando, quem sabe algum dia chegue a haver um “modelo brasileiro”? Para ser seguido por países que ainda precisam percorrer um longo caminho, mas que acreditam que é possível crescer sem abrir mão de ser fiéis a si próprios.
Cynara Menezes
Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital.
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