Dezesseis executivos franceses, incluindo a herdeira da L`Oreal, Liliane Bettencourt, a mulher mais rica da Europa, ofereceram pagar uma "contribuição especial" em "espírito de solidariedade" para ajudar o governo francês a reduzir seu déficit, que ameaça a segurança do país. Em carta aberta, publicada na revista "Le Nouvel Observateur", os milionários franceses disseram que se beneficiaram do sistema francês e que com "o déficit nas finanças públicas ameaçando o futuro da França e da Europa, e o governo pedindo solidariedade a todos, parece necessário para nós contribuir."
A carta dos ricos franceses é uma espécie de versão européia do artigo de Warren Buffett no "New York Times". O megainvestidor americano, um dos homens mais ricos do mundo, acusou de injusto o sacrifício pedido à população dos Estados Unidos e conclamou o governo Obama a parar de mimar os super ricos e elevar os impostos da classe alta. Nenhuma das manifestações é reveladora de altruísmo, e, sim, a preocupação de continuar desfrutando de um modelo econômico que sempre lhes garantiu excelente condições de vida. É a conhecida história de se entregar os anéis para não perder os dedos.
Os multimilionários franceses se manifestaram justamente quando o governo prepara novas medidas fiscais, que incluem uma taxa especial sobre os super ricos. A idéia do governo é tributar os que ganham mais de 1 milhão de euros (R$ 2,3 milhões) por ano para contribuir na redução do déficit público, que está em torno de 85% do PIB, bem acima dos 60% recomendados pela zona do euro.
Independentemente dos propósitos de cada um, a crise global abriu a possibilidade de discussão e implementação de impostos sobre as grandes fortunas. O que antes parecia um tabu se revela o caminho natural para uma justiça tributária. Obama foi à TV pedir que os americanos pressionassem os parlamentares a votar aumento de 2% nos impostos sobre os mais ricos. O presidente norte-americano disse que um administrador de fundos de investimento paga taxas inferiores às de sua secretária, o que impossibilita pedir sacrifícios generalizados.
Esta disparidade é flagrante no Brasil, com sua vexaminosa concentração de renda, e o país precisa ingressar nesse debate para que o imposto corresponda à capacidade econômica de cada cidadão. Costuma-se dizer que no Brasil quem paga imposto é o trabalhador, que o tem descontado em folha, pois empresários, que vivem se queixando da alta carga tributária, são mestres em sonegá-lo. A tributação sobre grandes fortunas está prevista na Constituição, mas precisa ser regulamentada por lei complementar.
A primeira iniciativa parlamentar pela regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas foi de autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, em 1989. Como depois ele pediu que esquecessem tudo o que escreveu, não sei se ainda defende o seu projeto. Em junho do ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou projeto da deputada Luciana Genro (PSOL), que prevê tributação sobre fortunas superiores a R$ 2 milhões. A proposta é de imposto progressivo, com alíquota de 1% a 5%. Para patrimônios entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões, paga-se 1%. De R$ 5 milhões a R$ 10 milhões, 2%; de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões, 3%; de R$ 20 milhões a R$ 50 milhões, 4%, e acima de R$ 50 milhões, 5%. A estimativa da autora do projeto é de uma arrecadação de R$ 30 bilhões anuais.
Imposto sobre grandes fortunas já existem em outros países, na Europa principalmente, e não seria nenhuma novidade brasileira. Infelizmente, por aqui, o próprio governo diz que a criação do tributo não está em discussão, embora uma reforma tributária esteja na ordem do dia. Que o que acontece agora nos EUA e na Europa ajude a quebrar resistências e que o Brasil adote uma tributação mais justa e progressiva para fazer valer a velha e irrefutável máxima de que quem ganha mais, paga mais.
Mair Pena NetoJornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.Direto da Redação.
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