FHC tomou partido de consórcio no leilão das teles, revelam fitas
Editoria: BRASIL
Página: 1-5
FERNANDO RODRIGUES
enviado especial a Belo Horizonte
ELVIRA LOBATO
em São Paulo
Novas fitas do grampo do BNDES, ainda inéditas para o público, mostram que o presidente Fernando Henrique Cardoso não só sabia como também autorizou e participou de uma operação para favorecer empresas no leilão de privatização da Telebrás. O governo argumenta que interveio, a seu ver de modo legítimo, para aumentar o valor do leilão. A Folha obteve as fitas sob a condição de não identificar a pessoa que as encaminhou. A Constituição assegura ao jornal, em seu artigo 5º, inciso 14, o direito de preservar o informante.
O episódio resultou na queda de Luiz Carlos Mendonça de Barros (do Ministério das Comunicações) e de André Lara Resende (do BNDES). Mendonça de Barros foi eleito neste mês vice-presidente do PSDB, partido do presidente da República.
A Folha obteve 46 fitas com conversas gravadas principalmente na sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na época em que o leilão foi realizado, no dia 29 de julho do ano passado. Foi a maior privatização da história, com a qual a União arrecadou R¸ 22 bilhões.
FHC autorizou a utilização de seu nome para pressionar um fundo de pensão estatal a entrar em um dos consórcios que participaram do leilão das teles. A autorização do presidente foi dada de forma direta a André Lara Resende, o então presidente do BNDES.
As fitas que a Folha obteve e publica hoje mostram que também esteve envolvido na manobra do leilão José Pio Borges, atual presidente do BNDES.
O consórcio que seria beneficiado era encabeçado pelo Banco Opportunity e pela empresa Stet, da Telecom Itália. A intenção de FHC era que a Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, participasse do leilão com esse consórcio _o que acabou acontecendo, mas a manobra deu errado porque outro grupo ganhou a área pretendida, o consórcio Telemar (leia texto na pág. 1-7).
Os diálogos nas 46 fitas (69 horas) foram gravados clandestinamente no ano passado. Embora a maioria das gravações tenha sido realizada presumivelmente no BNDES, no Rio, há também conversas captadas por um grampo na casa de Elena Landau, então ligada ao Banco Opportunity. Uma outra casa foi grampeada, mas o material em posse da Folha não permite identificar com precisão o endereço dessa terceira escuta.
No diálogo mais importante, Lara Resende diz ao presidente que é necessário forçar o fundo de pensão estatal Previ a entrar no consórcio do Opportunity e da Stet. O presidente concorda. Considera arriscado manter o "aventurismo" que seria representado por um outro consórcio. Como representante do "aventurismo", o presidente cita nominalmente o empresário Carlos Jereissati.
Depois disso, já que FHC concordava com a operação, Lara Resende pede explicitamente para usar o nome do presidente como forma de pressão. Os dois discutem como acertar a entrada da Previ, no consórcio do Opportunity com o grupo italiano. A Previ também negociava com o consórcio Telemar, de Carlos Jereissati. Eis o trecho da conversa entre os dois:
André Lara Resende - Então, o que nós precisaríamos é o seguinte: com o grupo do Opportunity, nós até poderíamos turbiná-lo, via BNDES Par. Mas o ideal é que a Previ entre com eles lá.
Fernando Henrique Cardoso - Com o Opportunity?
Lara Resende - Com o Opportunity e os italianos.
FHC - Certo.
Lara Resende - Perfeito? Porque aí esse grupo está perfeito.
FHC - Mas... e por que não faz isso?
Lara Resende - Por que a Previ tá... tá do outro lado.
FHC - A Previ?
Lara Resende - Exatamente. Inclusive com o Banco do Brasil que ia entrar com a seguradora etc. que diz, não, isso aí é uma seguradora privada porque...
FHC - ... Não.
Lara Resende - Então, é muito chato. Olha, quase...
FHC - ...Muito chato.
Lara Resende - Olha, quase...
FHC - Cheira a manobra perigosa.
Lara Resende - Mas é quase explícito.
FHC - Eu acho.
Lara Resende - Quase explícito.
FHC - Eu acho.
Lara Resende - Então, nós vamos ter uma reunião aqui, estive falando com o Luiz Carlos, tem uma reunião hoje aqui às 6h30. Vem aqui aquele pessoal do Banco do Brasil, o Luiz Carlos etc. Agora, se precisarmos de uma certa pressão...
FHC - ...Não tenha dúvida.
Lara Resende - A idéia é que podemos usá-lo aí para isso.
FHC - Não tenha dúvida.
Lara Resende - Tá bom.
O leilão da Telebrás era aberto a todas as empresas que cumprissem os requisitos no edital de concorrência. Ao tentar manobrar para favorecer um dos concorrentes, os integrantes do governo podem ter transgredido a Constituição e a Lei de Improbidade Administrativa (leia texto na pág. 1-6).
A tentativa do governo para favorecer o consórcio do Opportunity e da italiana Stet visava a compra da Tele Norte Leste, que reúne 16 empresas de telefonia fixa em 16 Estados _no que passou a ser a empresa com maior cobertura territorial do país.
O consórcio Opportunity-Stet acabou não ganhando o leilão da Tele Norte Leste. Essa empresa ficou com o consórcio Telemar, liderado pelo empresário Carlos Jereissati, em conjunto com Andrade Gutierrez, Inepar, Macal Investimentos, Fiago Participações e com as seguradoras BrasilVeículos e Aliança do Brasil, ligadas ao Banco do Brasil.
O fato de o Opportunity-Stet ter perdido o leilão foi um dos argumentos das autoridades para afirmar que não houve favorecimento. Apesar disso, quando o grampo foi revelado, em novembro passado, gerou uma crise no governo.
Naquela época, apenas parte dos diálogos foi revelada. Além de perderem seus cargos, Mendonça de Barros e Lara Resende foram citados em ações do Ministério Público Federal, sob acusação de improbidade administrativa.
A Folha foi informada pela pessoa que entregou as fitas de que o grampo teria captado três conversas de FHC.
A primeira já havia sido amplamente noticiada no ano passado, inclusive com transcrição do seu teor. FHC conversava com Mendonça de Barros e o resultado era favorável ao presidente da República, que se mostrava preocupado com os efeitos do leilão para o país. A segunda conversa de FHC é a que a Folha publica hoje, na íntegra, e divulga também a versão sonora na Internet, no site do Universo Online (leia texto ao lado para saber como ouvir).
A terceira conversa de FHC ainda não apareceu. Não consta das fitas às quais a Folha teve acesso.
Ao ouvir os diálogos das 46 fitas, fica evidente que a parte do grampo divulgada em novembro passado tinha a preocupação de resguardar o presidente da República, que agora aparece envolvido com o ocorrido. Além da conversa em que autoriza a utilização de seu nome, FHC é citado em outras nove vezes por pessoas que montaram a operação. Quando o escândalo estourou, os poucos diálogos revelados continham uma expressão enigmática: "bomba atômica presidencial". Com as fitas obtidas pela Folha, fica esclarecido que essa era a forma como os envolvidos se referiam à utilização de FHC para forçar a montagem da operação de favorecimento ao consórcio Opportunity-Stet.
No ano passado, o argumento de Mendonça de Barros e de Lara Resende era que apenas tentaram estimular a competição no leilão. Isso, diziam, era para garantir o sucesso da operação e o máximo de lucro para o governo.
Ainda é um mistério a autoria das gravações feitas no BNDES. Foram escutas clandestinas e ilegais. Não servem como prova em processos judiciais.
A Polícia Federal apura o caso desde novembro passado, mas não conseguiu provas definitivas sobre quem seriam os autores. A PF não tem sequer as gravações a que a Folha teve acesso.
As 46 fitas têm 90 minutos de duração cada uma. Há muito diálogo inútil e de relevância nula para o entendimento da manobra para favorecer o Opportunity e a Stet. São horas de conversas entre secretárias para agendar almoço ou falando de assuntos particulares. As autoridades também falam sobre temas pessoais e dão entrevistas para jornalistas. A Folha decidiu não publicar essas conversas, por considerar que não têm interesse para o entendimento do caso.
Embora desaprove a maneira como as gravações foram feitas, o jornal decidiu publicar todos os diálogos que ajudam a esclarecer o relacionamento do governo com o grupo a favor de quem foi feita a manobra. Trata-se de uma coletânea de conversas que revela, como nunca antes foi possível constatar, a relação de intimidade do governo com integrantes da iniciativa privada. As fitas são peças de um quebra-cabeça ainda incompleto. Mas a sua revelação, quase um ano depois do leilão, tem um significado histórico para compreender o que se passou.
Em alguns trechos, Mendonça de Barros e Lara Resende aparecem falando em preservar a qualidade das empresas privatizadas. Isso reforça a tese dos dois a respeito do interesse público em garantir o sucesso do leilão.
Em outras fitas, entretanto, há conversas obscuras que só poderão ser esclarecidas pelos participantes dos diálogos _ou pelas autoridades competentes que se interessem em investigar o ocorrido.
Na lista de conversas por esclarecer está uma na qual Mendonça de Barros fala nas altas "comissões" recebidas por bancos que participaram do leilão das teles. Tudo indica que se referia às comissões legais que as instituições bancárias tinham direito por assessorar os diversos consórcios no leilão.
"É que o FonteCindam está querendo cobrar US$ 46 milhões de comissão deles. Os fundos dizem que não pagam. Chegaram a US$ 13 milhões, mas, aí, o dono do banco diz que não assina porque eles é que são donos da conta", disse o então ministro para André Lara Resende em um dos diálogos.
Mais adiante, em outro diálogo, Mendonça de Barros diz: "É comissão pra cá, comissão pra lá...". E André Lara: "Rocambólica".
Depois de André Lara pronunciar a palavra "rocambólica", Mendonça de Barros aparece dizendo uma frase que fica incompleta: "É rezar, pra num...". Em seguida, parte para outro assunto.
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