terça-feira, 15 de novembro de 2011

As favelas do Juramento e do Juramentinho e o soco no estômago


O morro é romântico no samba. A vida real é dura e com muitas carências


“Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós,
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz”
(Hino da Proclamação da República)



No dia 12 de novembro, subi dois morros da cidade do Rio de Janeiro. O morro do Juramentinho e o mais conhecido deles, o morro do Juramento, ambos localizados nos bairros suburbanos de Tomás Coelho e Vicente de Carvalho. O Juramento era controlado, na década de 1980, pelo famoso traficante Escadinha, que em 1985 fugiu do presídio da Ilha Grande de helicóptero e foi assassinado a tiros de fuzil na Avenida Brasil em 2004 após cumprir longa pena na prisão. O dia estava calor, o que se transformou em uma dificuldade adicional para subir os morros.


Eu estava a acompanhar a comitiva de técnicos, geógrafos e engenheiros da Secretaria de Habitação do Município do Rio de Janeiro. A intenção era verificar as condições das casas de moradores, bem como saber da presença dos serviços públicos prestados às duas comunidades carentes, além da fiscalização de obra de contenção de encostas no morro do Juramentinho, cujos operários são homens contratados na própria favela, que recebem materiais de segurança e logístico adequados para trabalhar.


Conforme caminhávamos em direção à Associação de Moradores do Juramentinho, as pessoas — um número maior de mulheres do que de homens — nos rodeavam, o que as levou a nos acompanhar até a associação. Ao chegarmos lá, ouvimos as reivindicações e as queixas, de forma que tudo foi anotado por um engenheiro. Além das obras de encostas para evitar desmoronamentos com a chegada das chuvas do verão, está a ser realizado o trabalho de coleta de lixo, de desobstrução de canaletas e de avaliação das condições físicas das casas, no que concerne à seguranças das pessoas.


No decorrer da visita à comunidade, o secretário municipal de Habitação anunciou que o programa Morar Carioca, que é similar ao Minha Casa, Minha Vida do Governo Federal, vai ser implementado no morro, que tem cerca de cinco mil habitantes. As pessoas que estão a morar em casas em situação de risco vão ter prioridade, bem como, se tiver que sair imediatamente dos lares, vão ter o direito de receber o aluguel social, de maneira que elas possam com o dinheiro alugar uma casa para morar. Saímos do Juramentinho e fomos para o morro do Juramento.


O Juramento tem uma população de 60 mil pessoas. A favela é muito maior que a anterior. A pobreza dessas pessoas me comove, porque as dificuldades são inúmeras. A vida é dura para esses cidadãos humildes, muitos desempregados e que sonham com emprego. Apesar dos índices de empregabilidade no Brasil serem altos, há a questão da mão-de-obra especializada, que está a ser resolvida por intermédio das escolas técnicas, mas que demanda tempo. Os idosos são um caso à parte. Subir o morro diariamente é difícil e complicado. E descê-lo também. Tem de ter disposição e força. O suor é abundante. Escorre pelo meu rosto e queima os meus olhos, o que me leva a pegar a manga da minha camisa para secá-los.


Dirijo-me a uma idosa e a cumprimento. Ela está curiosa. Sabe que eu não sou morador da favela. Digo-lhe que estou a acompanhar os técnicos da Prefeitura, que sou jornalista e, quando ia completar a frase, a anciã me interrompe e exclama: “Graças a Deus, meu filho… A minha casa está caindo e eu tenho medo e não agüento mais. Eu fui procurar o Wagner Montes, lá no programa dele. Esperei para ser atendida, recebi uma senha, mas até hoje não fui atendida”. Eu moro em cima, a minha filha e seus filhos embaixo. Está tudo caindo, aqui tem muito lixo, esgoto e mato. Olha só…”


Eu digo a ela que os técnicos vão se reunir com as pessoas depois de chegarem ao topo do morro, onde estão implantadas as torres de energia, que ficam em um descampado, mas que também tem muito lixo. O Juramento é uma favela que tem uma população grande e carente. Durante o trajeto, ingrime e escorregadio, percebo que tem esgoto a céu aberto, muita mata, lodo, lixo e construções abandonadas, que servem de depósito para animais peçonhentos e ratos. Passo por uma criança que tem no máximo três anos, está nua e, creio eu, sozinha, porque não vi ninguém por perto a cuidar e zelar por ela. Tiro um foto, e sigo a andar, devagar, porque meus pés e joelhos estão a doer.


Os técnicos verificam as canaletas, as condições das casas, o lixo, a mata e as torres de energia. As chuvas da estação de verão preocupam. Há no ar um sentimento de pesar por causa da pobreza. Para mim, a pobreza não é apenas uma questão de condição econômica e financeira. A pobreza é uma doença, se não for a pior epidemia que vitima a humanidade. Neste caso, ela viceja e se reproduz pelo labirinto de vielas do morro do Juramento e de tantas outras comunidades do Rio de Janeiro e do Brasil. São milhões de brasileiros que vivem nessas péssimas condições, e eu, muitas vezes, publico comentários impróprios e desumanos de leitores de classe média e rica que questionam, de forma arrogante e alienada, programas como o Bolsa Família, as cotas universitárias e o Minha Casa, Minha Vida, que retiraram do desemprego, da desesperança, da ignorância e da criminalidade milhões de cidadãos brasileiros.


Publico os comentários levianos em meu blog, o Palavra Livre, para mostrar como pensa e age um certo segmento da sociedade brasileira, mesmo quando as palavras são duras contra a minha pessoa. Não importa, porque o que interessa é mostrar que esses leitores são arrogantes, presunçosos, preconceituosos, elitistas e por se conduzirem assim em suas vidas, indubitavelmente, não conhecem as realidades brasileiras.


Por terem estudado e decorado e até aprendido, acredito, as matérias necessárias para suas formações profissionais, tornam-se advogados, juízes, militares, policiais, médicos, engenheiros, jornalistas, professores, comerciantes, empresários etc., sem, no entanto, ser generosos e capazes de compreender que não estamos vivos neste planeta para servir apenas aos nossos interesses burgueses e às nossas futilidades.


Os desejos de classe média, que é realizar os sonhos de consumo e ganhar dinheiro para comprar casas, eletroeletrônicos, produtos de informática, viajar, freqüentar hotéis e restaurantes, fazer operação plástica, receber comendas, diplomas, medalhas, placas e premiações de seus pares de profissão e organização e afirmar nas reuniões sociais, de forma subserviente e colonizada (é o complexo de vira-lata em toda sua essência e forma) que o Brasil e o seu povo não prestam e que maravilhosos são os europeus e os EUA, mesmo eles a saber que a roubalheira e a picaretagem dos considerados “ótimos” derreteram o mercado imobiliário, o sistema bancário e as bolsas, o que acarretou falências, desemprego, pobreza depressões, violência e suicídios, ou seja, uma crise moral e econômica sem precedentes nos países considerados desenvolvidos e que os meios de comunicação privados e hegemônicos brasileiros, evidentemente, nunca mostraram com detalhes.


Depois disso tudo, esses seres “superiores”, “educadíssimos” e extremamente “inteligentes” (a modéstia é algo inalcançável para eles) vão, por meio de uma grosseria e perversidade coletiva, às redes sociais desejar a morte do presidente Lula, quando, alguns deles, não tomam simplesmente o rumo de casa, pois sentem um vazio na alma e no coração, para logo passar a se dedicar às drogas — legais e ilegais — e ao álcool, muitas vezes de forma escondida ou dissimulada. É isso o que acontece, porque eu sei, porque já vi e porque pessoas que eram assim me contaram. Voltemos ao morro.


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