Uma atenta vista de olhos nas manchetes que a mídia vem produzindo nos últimos dias, extensiva às linhas menos valorizadas das edições – e às entrelinhas, por que não? – é capaz de nos oferecer uma boa radiografia do momento que vivenciamos no Brasil. O noticiário em geral constitui uma colcha de bons e maus retalhos. A conceituação do que é bom ou mau é, evidentemente, subjetiva, e pode me valer, aqui, alguns comentários ferinos. Mas isso faz parte do contraditório da democracia.
Segundo penso, os bons retalhos, capazes de produzir uma peça que ostentemos com orgulho e prazer, correm por conta das notícias sobre os crescentes êxitos do país no campo econômico e social. Alguns “especialistas” (como a mídia os gosta de denominar) já chegam a afirmar que não será surpresa se, em um tempo não muito remoto, e em função de suas políticas sociais, o Brasil tiver um número de pobres menor que os Estados Unidos. É claro que muita água ainda há de correr e muitas ações terão que sair do papel para que isso aconteça. Mas essa hipótese, de algo inimaginável tempos atrás, não surge do nada.
Pessoalmente, torço para que não haja pobres em nenhum lugar do mundo e para que políticas de igualdade social proliferem em todo o planeta, indistintamente. Não sou nacionalista do tipo que valoriza as “cercas que embandeiram quintais”, de que falou Raul Seixas. E só me regozijo com os resultados do meu país porque neles vejo a perspectiva da redução dos desníveis entre os brasileiros. Se o Brasil tivesse como doutrina o desrespeito a outras nações, a política da dominação e da exploração dos mais fracos, jamais contaria com meus aplausos. Por isso, sempre vi com simpatia a atual política governamental de aproximação com os países africanos e com nações mais pobres que nós, no continente americano.
Também são bons, creio, os retalhos do comprometimento da Presidenta Dilma com os anseios éticos do país, dando respostas praticamente imediatas às denúncias sobre focos de corrupção em órgãos do Governo. Da forma como se estabelece o poder político no país, com um sistema fisiológico de alianças que acaba sendo, ironicamente, uma espécie de fiel da “governabilidade”, é extremamente complicada a atuação nesse campo minado, que pode explodir com os projetos sociais que buscam a erradicação da miséria entre nós. Há, pois, aqui, razões de otimismo, a despeito do permanente coro da mídia comprometida com o propósito de desarticular e enfraquecer o Governo.
Identificar esse coro orquestrado não nos impede, porém, de reconhecer que há também, no tecido do presente, os maus retalhos, os que carecem da mínima qualidade, os que gostaríamos de que não existissem, porque atuam na contramão dos interesses do país e do seu povo. Claro que estão nesse caso as ocorrências desastrosas e vergonhosas de ministros e ministérios que, mesmo com as medidas da Presidenta, funcionam como combustível – que muitos adoram alimentar - para a descrença nos políticos brasileiros como um todo e nas ações governamentais em particular.
Nessa colcha em que os brasileiros não querem se abrigar, formada por retalhos da pior espécie, não faltam também, hoje, os constantes atos de violência, bestialidade, brutalidade, que enfeiam a espécie humana e nos enchem de vergonha. Aqui no Rio, a existência de pessoas que morrem no cumprimento do dever ou no exercício da profissão , vítimas da sanha de bandidos a serviço do tráfico – casos da juíza Patrícia Acioli e, mais recentemente, do cinegrafista Gelson Domingos – mostram que a barbárie ainda bem ativa está entre nós, digam o que disserem os propagandistas do “oba oba” de uma pacificação que ainda deve ser vista com cuidado.
Diante dessa mistura paradoxal de bons e maus retalhos, exige-se um posicionamento de todos os cidadãos conscientes, que nos impõe a luta pela manutenção dos espaços conquistados e pelo aprofundamento das positivas políticas sociais, mas também exige que não nos façamos de cegos diante dos incontáveis problemas que os brasileiros ainda tem que superar, seja no campo da política, seja no plano pessoal.
Claro que há outros retalhos que caberiam nessa colcha, alguns talvez de difícil enquadramento quanto à sua qualificação, porque expressam marcantes conflitos. Será bom para os brasileiros que os royalties do petróleo se restrinjam aos estados produtores, ou que sejam distribuídos nacionalmente? As leis gerais do país devem ser substituídas, nos tempos da Copa do Mundo, por aquelas que a FIFA quer impor? São positivos os valores dos estudantes paulistas revoltados ou se deve tolerar, em nome da segurança, a truculência policial no campus universitário? Paro por aqui, mas o tema é convidativo: quem se habilita a ampliar essa colcha?
Sobre o autor deste artigo
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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