terça-feira, 1 de novembro de 2011

O ENEM, a cidadania e as redes sociais

E eis que se deu a esperada prova do ENEM, versão 2011. Como professor e ator dentro desse processo, não quero deixar de opinar. Parecia que, desta vez, do ponto de vista administrativo, sua aplicação tinha tido um número de problemas bem menor do que nas edições anteriores, mas o episódio do Ceará – de vazamento de questões para alunos de um determinado colégio - acabou manchando o brilho do certame.


O Ministério de Educação, nesse caso específico, tem razões para supor que o problema tenha sido gerado por ato delituoso no âmbito do próprio colégio envolvido – pré-teste copiado e divulgado indevidamente - e rejeita a tese da elaboração de uma nova prova nacional, argumentando, analogicamente, com procedimentos do SAT – teste de seleção americano semelhante ao ENEM – que, quando se defronta com fatos da espécie, apenas cancela e refaz a prova das pessoas atingidas, já que o sistema da TRI – Teoria de Resposta ao Item – garantiria o princípio da isonomia pela formulação de provas com o mesmo nível de abrangência e dificuldade. De qualquer forma, tem o Ministério que defrontar-se, agora, com desconfortáveis pedidos de anulação.

 

 

Casos como esse, e outros, só robustecem minha opinião de que o ENEM, sem perder as suas características e mantendo os seus objetivos, poderia e deveria ser regionalizado. Em um país de dimensões continentais como o nosso e para um universo que, neste ano, esteve em torno de cinco milhões de candidatos, será sempre possível que ocorram situações pontuais em que os prejudicados propugnem pela anulação integral do concurso. A regionalização constituiria a diversidade, mas mantida a unidade, porque a TRI, complexo modelo matemático de aplicação eficaz em muitas partes do mundo, permite a efetiva comparação entre indivíduos da mesma população que tenham sido submetidos a provas diferentes.

 

 

Em ocasião anterior, já tive oportunidade de externar minha posição favorável ao ENEM, pelo que ele traz de novo para o cenário da educação. Sou totalmente contrário à volta do vestibular tradicional. O ENEM traz em si sementes que, prosperando, tendem a alterar o comportamento das escolas, do ponto de vista metodológico e pedagógico. A partir de matrizes de competências e habilidades, o ENEM está ditando uma nova forma de propor questões, calcadas em princípios de contextualização e de interdisciplinaridade que tentam afastar do que é cobrado a questiúncula inútil, o problema de algibeira ou as chamadas “pegadinhas”. Ele está obrigando, assim, a um repensar geral daquilo que se faz em sala de aula, provocando uma revisão do tradicional enfoque essencialmente “conteudístico” , substituído por um tratamento muito mais voltado para a formação de um competente “leitor do mundo” do que para o estímulo aos recursos de memorização, a “decoreba” que a pedagogia moderna rejeita.

 

 

Podemos atestar esse viés mais amplo do ENEM na sua prova de Linguagens: o que até bem pouco tempo era, na tradição do vestibular, tão somente uma prova de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira transformou-se, no ENEM, em um conjunto coerente de questões que incorporam, além de aspectos linguísticos e literários propriamente ditos, o processo de produção e recepção das Artes em geral, o exame dos chamados gêneros digitais, seu impacto e função social, e a linguagem corporal, com suas práticas de integração social e formação da identidade.

 

 

Quem se debruçar com atenção na análise das questões propostas pelo ENEM, verificará, também, que elas se voltam para assuntos que permitem a caracterização da prova como uma “prova cidadã”, pelos objetivos de sua formulação.

 

 

Voltando à prova de 2011, vale mencionar, aqui, como elemento relevante do exame, a redação. O ENEM tem sempre proposto, em suas redações, temas de natureza social, que envolvem, além da análise crítica pelos candidatos – com argumentação que se quer consistente e coerente - um posicionamento que encaminhe soluções de intervenção . O tema, agora, foi “Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado”. Como sempre faz, a banca disponibilizou “textos motivadores” e solicitou que fosse apresentada, em um trabalho dissertativo-argumentativo com uso da norma padrão, “proposta de conscientização social que respeite os direitos humanos”.

 

 

Esse é um tema muito caro ao jovem, muito próximo a ele e sobre o qual , no geral, possui domínio que lhe permita escrever com propriedade a respeito. Além disso, a própria prova abriu um leque de opções para desenvolvimento do assunto, por meio dos textos auxiliares que serviram de “dicas” para diferentes caminhos de abordagem. Enquanto um deles mencionava o acesso à rede como um direito fundamental do ser humano (declarado pela ONU) e falava da mobilização mundial no sentido do acesso livre e gratuito, outro procurava explorar, com dados estatísticos, a crescente participação das pessoas em redes sociais, como “parte da própria socialização do indivíduo do século XXI”.

 

 

Não faltaram aos textos, contudo, elementos propícios ao juízo crítico sobre a Internet, em afirmações que convidavam os usuários a “saber ponderar o que se publica nela” ou advertiam quanto ao fato de que a rede – sendo social - não pode acobertar anonimato, devendo os que extrapolam os limites do razoável pagar caro pelas suas ações. Uma “tirinha” que também compôs o rol dos textos auxiliares levava a pensar - com humor cáustico - em como se estão estabelecendo na sociedade,cada vez mais, mecanismos de monitoramento das pessoas.

 

 

É claro que não se podem esquecer, aqui em nosso país, os milhões de ainda excluídos das redes sociais, aqueles aos quais ainda é negada a inserção plena na sociedade e o amplo acesso ao mundo que a internet possibilita. E é evidente, por isso mesmo, que muitos dos nossos jovens participantes da prova do ENEM devem ter apresentado, no tratamento do tema, uma visão mais restrita do que aqueles que têm nas redes sociais algo pertinente ao seu cotidiano. Pertinente e muitas vezes perigoso, pela tensão entre a conveniência de, em nome da segurança pessoal, observar-se uma certa privacidade, e a necessidade, marca do tempo em que vivemos, de uma exposição escancarada de hábitos e posturas. De qualquer forma, por carência ou até por excesso, todos devem ter tido o que dizer.

 

 

Não resisto, aqui, a uma observação final: como educador no Rio de Janeiro, onde o acesso é mais amplo, percebo - assunto, talvez, para outra coluna - que a internet, embora esteja efetivamente incorporada ao dia a dia dos jovens em geral como instrumento que facilita a aproximação em torno de interesses comuns (através do Orkut, MSN, Facebook, Twitter), ainda não atua conforme se espera na ampliação do universo cultural dos alunos ou como veículo auxiliar dos seus estudos, seja porque ainda é tênue a sua presença como recurso institucional disponível no próprio ambiente escolar, seja porque no âmbito doméstico predomina, por parte dos pais, a omissão quanto a estímulos nesse sentido. Há quem diga até que a internet está minimizando o hábito da leitura regular dos bons textos literários e contribuindo para que os jovens escrevam menos, quantitativa e qualitativamente. De qualquer forma, e como muitos já disseram repetidas vezes, o problema não está na internet, esse excepcional veículo de integração, mas no uso restrito e às vezes pouco positivo que dela se faz.


Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Direto da Redação

Um comentário:

Gato Preto disse...

Prezado Lampião (O Terror do Nordeste),

para um militante do movimento estudantil dos tempos da ditadura, o autor fez um texto frouxo e lamentável.

Se você tem 40 anos, sabe o que era vestibular de verdade; e se conhece a escola pública de hoje, sabe que a "molecada" não tem condições de acertar metade das questões. É este o mérito do ENEM: dar condições de ingressar na universidade pública para aqueles que não passariam do 1º Científico na década de 90.

Da parte da internet, ela é uma excelente ferramenta para quem vai "dar duro", mas também é uma boa ferramenta para quem não quer gastar duas ou três tardes para produzir um trabalho escolar decente.

Cordialmente,

Walter N. Braz Jr.

http://uniplebe.blogspot.com