Miro Teixeira já recebeu a sua parte
Na terça-feira 14, de posse de uma análise preparada por técnicos da CPI do Cachoeira a partir de interceptações telefônicas e documentos da Polícia Federal, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) estava pronto para um embate e tanto: requerer a convocação do jornalista Policarpo Jr., diretor da revista Veja em Brasília. Seria a segunda tentativa da CPI de ouvir Policarpo, mas o PT decidiu retirar o assunto de pauta, por enquanto, até conseguir convencer o PMDB a participar da empreitada. Antes, o senador Fernando Collor (PTB-AL) havia tentado sem sucesso convocar o jornalista.
O documento de mais de cem páginas elaborado por técnicos da CPI, publicado em seus principais detalhes na edição passada de CartaCapital, prova de diversas maneiras a ligação de Policarpo Jr. com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, a quem o diretor da semanal da Editora Abril chegou a solicitar um grampo ilegal contra o deputado Jovair Arantes (PTB-GO).
Na segunda-feira 13, um dia antes da data prevista para Dr. Rosinha se manifestar, uma tensa reunião ocorrida na casa do deputado Jilmar Tatto (SP), líder do PT na Câmara, tornou possível dimensionar a força do lobby da Abril sobre a bancada de quatro deputados do PMDB na comissão. O grupo atendia aos apelos do vice-presidente da República, Michel Temer, presidente do partido, e do deputado Henrique Eduardo Alves, líder da sigla na Câmara.
Constrangidos, incapazes de articular uma desculpa coerente, os peemedebistas da CPI continuam a negar apoio ao PT na empreitada. Na reunião, voltaram a se prender à falsa tese dos riscos da convocação à “liberdade de imprensa” no País. Eram eles os deputados Luiz Pitiman (DF) e Iris de Araújo (GO) e os senadores Sérgio de Souza (PR) e Ricardo Ferraço (ES).
Não há, obviamente, nenhuma relação entre um jornalista depor em uma CPI e um suposto atentado à liberdade de imprensa. No caso de Policarpo Jr., o argumento soa ainda mais esdrúxulo, uma vez que o jornalista já depôs na Comissão de Ética da Câmara, em 22 de fevereiro de 2005, no processo de cassação do ex-deputado André Luiz (PMDB-RJ).
Policarpo lá esteve, como voluntário, para defender ninguém menos que Cachoeira, a quem André Luiz pretensamente queria subornar para evitar a inclusão do nome do bicheiro no relatório final de outra CPI, a da Loterj (estatal fluminense de loterias), na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Na casa de Tatto, a defesa da liberdade de imprensa foi o bastião dos peemedebistas. Do lado do PT, além do anfitrião e de Dr. Rosinha, estavam os deputados Odair Cunha (MG), relator da comissão, e Emiliano José (BA) e o senador José Pimentel (CE). Por mais de uma hora, os petistas revezaram-se na argumentação baseada tanto no documento preparado pelos técnicos da comissão quanto na reportagem de CartaCapital. Pouco adiantou. O PMDB não tinha ido negociar, apenas reforçar a orientação de Temer e Alves.
Sem o PMDB, o PT jamais conseguirá convocar Policarpo Jr. ou qualquer outro figurão da mídia nacional, embora se trate de um partido da base governista e tenha o vice-presidente nos quadros do governo Dilma Rousseff. A posição de Temer sobre o assunto é mais do que conhecida, embora as razões ainda sejam obscuras. Há três meses, ele se reuniu separadamente em jantares no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice em Brasília, com Fábio Barbosa, presidente da Editora Abril e braço direito do dono da empresa, Roberto Civita, e com João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo. A ambos prometeu que o PMDB iria barrar a convocação de jornalistas.
No caso de Alves, há uma razão empresarial e outra política para o parlamentar potiguar se curvar aos interesses do baronato da mídia. A família Alves é dona do Grupo Cabugi, que detém os direitos de retransmissão da TV Globo no Rio Grande do Norte. Além disso, Alves pretende ser o próximo presidente da Câmara, o que dificilmente conseguirá, se virar alvo de uma campanha na mídia, Veja à frente.
Causa estranheza, contudo, o grau de submissão dos integrantes do PMDB na CPI do Cachoeira aos interesses pessoais dos caciques do partido. Embora tenham cautela de não se pronunciar em público a respeito, é certo que a maioria é a favor da convocação de Policarpo Jr. A tese do atentado à liberdade de imprensa, de tão risível, nem sequer é considerada seriamente pelo grupo, que só tem coragem de sustentá-la em reuniões fechadas, ainda assim com a ressalva de seguirem a orientação do partido.
A oposição – DEM, PSDB e PPS – trabalha em absoluta sintonia com os interesses da Editora Abril, e mesmo entre os governistas o assunto é tabu. A principal voz a se levantar contra a ida de Policarpo à CPI, aliás, vem da base.
Em tom alarmista, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) tem alertado a quem quiser ouvir do perigo de o Brasil se transformar em um Estado policial caso o diretor da revista seja obrigado a explicar por que recebia encomendas e fazia pedidos ao bicheiro. “A intimidação, a coação, poderá ir ao plano estadual, ao plano municipal”, desesperou-se o deputado.
Teixeira equivoca-se. Como se pode comprovar na investigação no Reino Unido das malfeitorias cometidas por jornalistas do grupo de comunicação do magnata Rupert Murdoch, o que realmente ameaça a liberdade de imprensa e a democracia é a união entre jornalismo e bandidagem.
Irritado, o líder do PT argumentou que a ida de Policarpo Jr. à CPI em nada ameaçava a mídia livre. “Trata-se de convocar um senhor que começa a envergonhar a categoria dos jornalistas”, disse Tatto. Frustrado por nem poder colocar em pauta a convocação do jornalista, Dr. Rosinha desabafou: “Criou-se uma casta de intocáveis na CPI. Podemos convocar deputados e governadores, mas não jornalistas envolvidos com o crime organizado”.
Sobre o assunto, a velha mídia tratou em notinhas esparsas. Andou mais preocupada com os humores do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, cujo nome apareceu na lista do mensalão tucano, em Minas Gerais, como beneficiário de 150 mil reais. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Mendes pediu à Procuradoria-Geral da República para abrir inquérito contra CartaCapital, autora da denúncia.
O ministro não nega ter recebido o dinheiro, mas o fato de que, na época, em 1998, fosse advogado-geral da União. Na lista, a referência a Mendes aparece ao lado da sigla AGU, provavelmente por ele trabalhar na Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência, órgão ligado à Advocacia-Geral. Não se sabe por que o ministro decidiu usar o Ministério Público para lhe advogar de graça, numa causa privada.
Fonte:CartaCapital
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