terça-feira, 1 de abril de 2014

E viva a democracia, sempre!



Por Noelia Brito
Há cinquenta anos se instalava no Brasil a Ditadura civil-militar que implantou um regime de terror em nosso País. Direitos e garantias individuais e coletivos foram cassados para dar lugar ao medo, à repressão e a corrupção em todos os níveis, inclusive à corrupção de consciências, o pior tipo de todas.
Muito se fala que no tempo da ditadura não havia corrupção e que por tal razão aqueles é que eram áureos tempos. O primeiro engodo desse raciocínio é crer que todos os problemas da sociedade estão relacionados com o desvio de verbas públicas e o segundo é fazer crer que nas ditaduras não existe corrupção.
Nas ditaduras, o que não existe é liberdade para se falar ou denunciar a corrupção, pois a corrupção, seja ela ativa ou passiva, só pode ser praticada por quem está no poder ou próximo dele, ou seja, no caso das ditaduras, pelos ditadores e por quem os patrocina.
Não foram poucos os que fizeram fortuna durante o regime militar que se instalou no Brasil a partir de 1º de abril de 1964 e ai daqueles que ousassem denunciar os amigos e patrocinadores do regime, pois seriam trucidados como terroristas e subversivos.
A ditadura civil-militar teve inúmeros casos de corrupção que permaneceram impunes até hoje. Mas pelo menos três se tornaram emblemáticos, simbólicos e causaram danos irreparáveis ao povo brasileiro: as obras da Transamazônica, a construção da Ponte Rio-Niterói, este, um dos maiores escândalos de superfaturamento de que se tem notícia na história do Brasil e o caso da Capemi, a Caixa de Pecúlio dos Militares, que ganhou concorrência suspeita para a exploração de madeira no Pará.
Para se ter uma ideia, a ditadura civil e militar, tão louvada por alguns, por sua honestidade, torrou nada menos que US$ 2 bilhões do povo brasileiro, em dinheiro da época, na Transamazônica, mais conhecida como a estrada de terra mais cara do mundo. Todo esse dinheiro foi gasto em 4 mil quilômetros de uma estrada sem pavimentação, até hoje inacabada. Isso é que é honestidade e competência.
Mas é claro que hoje é muito fácil falar que na ditadura não havia corrupção e que esse é um fenômeno dos dias atuais, pois com todos os defeitos que lhe são inerentes, estamos numa democracia e podemos falar e até criticar essa democracia e denunciar o que há de ruim e errado nela e com ela, o que na ditadura não nos seria permitido, pois a pena para tal crime de lesa-ditadores seria a tortura seguida de morte.
Não se pode transigir com a democracia. Não se pode abrir mão de algo tão duramente conquistado com luta, sangue e vidas de tantos que ficaram pelos porões da ditadura porque não calaram diante de seus desmandos, crueldades e roubos, inclusive da dignidade de nosso povo.
Durante seu depoimento à Comissão de Infra-Estrutura do Senado, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao responder questionamento do senador Agripino Maia, do DEM, partido oriundo da ARENA, que foi um dos braços civis da ditadura instalada a partir de 1964, no Brasil, sobre se mentira em seus depoimentos sob tortura, aos órgãos da repressão, a hoje presidenta Dilma Rousseff respondeu:
“Qualquer comparação entre a ditadura militar e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira. Eu tinha dezenove anos, eu fiquei três anos na cadeia e eu fui barbaramente torturada, senador. E qualquer pessoa que ousar dizer a verdade para interrogadores compromete a vida de seus iguais. Entrega pessoas para serem mortas. Eu me orgulho muito de ter mentido, senador, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia se fala a verdade. Diante da tortura, quem tem coragem, dignidade, fala mentira. E isso, senador, faz parte e integra a minha biografia, que eu tenho imenso orgulho. E eu não estou falando de heróis. Feliz do povo que não tem heróis desse tipo, senador, porque aguentar tortura é algo dificílimo porque todos nós somos muito frágeis, todos nós! Nós somos humanos, nós temos dor e a sedução, a tentação, de falar o que ocorreu e de dizer a verdade é muito grande, senador. A dor é insuportável. O senhor não imagina quanto é insuportável, então, eu me orgulho de ter mentido. Eu me orgulho imensamente de ter mentido porque eu salvei companheiros da mesma tortura e da morte. Não tenho nenhum compromisso com a ditadura em termos de dizer a verdade. Eu estava num campo, eles estavam no outro. O que estava em questão era a minha vida e a de meus companheiros e esse país que transitou por tudo isso que transitou, que construiu a democracia que permite que hoje eu esteja aqui, que permite que eu fale com os senhores não tem a menor similaridade, esse diálogo aqui é o diálogo democrático, a oposição pode me fazer perguntas, eu vou poder responder, nós estamos em igualdade de condições humanas, materiais. Nós não estamos num diálogo entre o meu pescoço e a forca, senador. Nós estamos aqui num diálogo democrático, civilizado e por isso eu acredito e respeito esse momento…Não há espaço pra verdade na ditadura, porque até as verdades mais banais podem conduzir à morte.”
A resposta de Dilma a Agripino Maia é irretocável e merece ser repercutida no dia em que se relembra com imenso pesar essa página infeliz da nossa história, como cantou Chico Buarque, sabendo que um dia tudo aquilo ia passar e apesar de vocês que insistem em querer ressuscitar os fantasmas que habitam os porões do passado, amanhã vai ser outro dia e esse dia há de vir antes do que vocês pensam, apesar de vocês…E viva a democracia, sempre!
Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife.


Para ilustrar o ótimo artigo da amiga Noélia Brito.

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