Filósofa diz que intolerância política é fomentada pelos meios de comunicação hegemônicos e pelo Judiciário: "Estão apodrecidos"
Reprodução/TV Brasil
São Paulo – A filósofa Marcia Tiburi vê a
intolerância política crescente no país como "uma estranha autorização
das pessoas que não refletem, não raciocinam, sem um pensamento voltado à
questão social, que se manifestam contra aqueles que se posicionam
contra o golpe, ou seja, daqueles que tem uma visão da sociedade mais
ampliada."
"Acho que estamos vivendo uma espécie de escândalo fascista. Há um
momento de avanço da espetacularização fascista no dia a dia. O que está
estarrecendo todo mundo é essa autorização pessoal que vemos nas ruas, o
medo por estar com uma roupa vermelha ou por ter uma posição crítica da
sociedade. O que chama a atenção dessas figuras que têm se jogado numa
forma de pressão fascista, preconceituosa, agressiva e, sobretudo,
autorizada para expressar a intolerância", afirmou Tiburi, em entrevista
à repórter Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual.
A filósofa usa o termo "fascistizado" para denominar o Congresso
Nacional, onde ela vê raras exceções, como os parlamentares de esquerda
mais críticos, mas que são minorias. Ela alerta que o cidadão comum, que
não tem poderes, também expressa o fascismo. "Tem uma coisa que é
interessante. O fascista não escuta, é uma personalidade autoritária.
Ele não está aberto ao outro, pois possui um pré-julgamento do outro.
Ele o trata como 'um petista' e vai xingá-lo. Esse ódio é fomentado e
manipulado pelos meios de comunicação, a pessoa apenas repete o discurso
de certas mídias, hegemônico, como a televisão e jornais
de grande circulação. O fascista apenas repete o discurso pronto, ele se
apodera de uma espécie de capital de conhecimento e consegue calar os
outros."
Para ela, seria importante avaliar o cotidiano dessas pessoas que não param para pensar. "Essa
é uma figura que é preciso ter uma atenção, estudar, porque há muitos
problemas subjetivos, políticos, psíquicos e até psicanalíticos
envolvidos. Tudo isso é feito do vazio do pensamento", explica a
filósofa. "O pensamento está em baixa, muitas pessoas se negam a
refletir, questionar, perguntar o que está acontecendo."
Ela acredita que a amplitude da conjuntura atual está criando um mal-estar profundo na sociedade. "Existe
um arranjo sistêmico. Um golpe do Judiciário, que está apodrecido, além
da mídia apodrecida, que faz existir o braço midiático no golpe. Há
também o golpe cotidiano, que o mero cidadão que pratica o golpe de si
mesmo, que se aliena através d um reality show, onde aprendeu um ritual de sacrifício, acha que pode praticar o pequeno golpe definindo que o presidente tem que sair."
Autora do livro Como conversar com um fascista, Marcia
acredita que aqueles que defendem a democracia devem apelar para a lei.
Ela afirma que, sem legalidade, não há direitos, e sugere a análise do
cidadão comum nesse momento. "Analisar a si mesmo levaria o cidadão a
cair em um processo de profunda vergonha e mal-estar. Esse indivíduo
acaba se lançando em um processo de julgar o outro, vide o caso da
corrupção no Brasil. Aliás, essa história de golpe, esse senso do
impeachment, se alicerça em uma propaganda contra a corrupção e é para
convencer o cidadão mediano de que ele é melhor do que aquele que o
governa."
"Muitos não sabem diferenciar o processo de impeachment da Operação
Lava Jato. Existe muita confusão conceitual típica de um país que não
teve educação política, onde muitos são manipulados pelos meios de
comunicação hegemônicos", acrescenta.
Por outro lado, a filósofa vê a mídia alternativa como ponto positivo.
Ela diz que ficou chocada com o fato de o jornalista Pio Redondo perder
três dentes após ser agredido por manifestantes que acampam em frente
ao prédio da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e abre uma
reflexão sobre esse tipo de violência.
"Desculpa falar assim, mas quando a gente quer que o cachorro entre
em uma briga devemos incitar muito esse cão para que fique irritado.
Talvez as pessoas estejam sendo maltratadas pelos próprios organizadores
do golpe. Eu acho que todos os fascistas e golpistas que estão se
manifestando de maneira agressiva, precisam de ajuda psiquiátrica e
pedagógica. Ali não há gente normal que sabe o que está acontecendo com a
política brasileira."
Marcia Tiburi diz que os fascistas são resultados de uma produção, já
que o fascismo não é natural das pessoas, mas fomentado, principalmente
pela tevê, num processo de vários anos. "Para implantar o fascismo, a
gente não pode criar um cenário simples e tranquilo, mas um cenário
furioso com o discurso do ódio, incitando as pessoas a odiarem os
diferentes. Hoje, o cidadão comum, quando encontra alguém que ele não
gosta, nós devemos perguntar de onde vem esse ódio, porque não é algo
das pessoas. Quem ensina as pessoas a odiar são as instituições."
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