Parece
algo surreal, mas é possível que ocorra. Na Operação Lava Jato, que ao
longo dos últimos 25 meses apoiou grande parte do seu trabalho em 49
delações premiadas, conquistadas, segundo denúncias, com a pressão das
prisões preventivas e de outras ameaças, o feitiço poderá virar contra o
feiticeiro.
Amedrontada, Meire Bonfim da Silva Poza, a ex-contadora de Alberto
Youssef que praticamente trabalhou como “infiltrada” para a Polícia
Federal, como descreveu a revista CartaCapital, pensa em pedir
segurança ao governo, para ela e a filha. Fala em ingressar em um
programa de proteção a testemunhas. Caso concretize esta sua vontade,
ela deverá narrar tudo o que sabe, para justificar o risco que diz
correr. Falar, inclusive, da sua colaboração à Força Tarefa que,
certamente, também será alvo das delações.
“Ela está meio assustada, pois há indícios de que o incêndio (do escritório dela) foi criminoso. Está pretendendo, inclusive, ir ao ministro da Justiça para, de certa forma, pedir que seja inserida em um programa de proteção de testemunha. Está bastante temerosa com relação à integridade pessoal e de sua filha”, explicou o advogado paranaense Haroldo Náter, que a representa na Justiça de Curitiba.
O incêndio, que destruiu todo o escritório na Avenida Santo Amaro, no
bairro do Itaim-Bibi, zona Sul da capital paulista, ocorreu no dia 30
de março. Mas, o que deve ter levado Meire a pensar em pedir proteção
foi a divulgação de uma série de mensagens que ela trocou com a Polícia
Federal, servindo de informante da mesma na Operação Lava Jato.
Se ela pedirá mesmo proteção, só o tempo
dirá. É tudo muito estranho, uma vez que Náter esteve com o ministro da
Justiça. Eugênio Aragão, no dia 14 de abril, levado pelos deputados
petistas Afonso Florence (BA) e Wadih Damous (RJ). Foi lá entregar os
documentos que a cliente acumulou, durante os meses de colaboração com a
Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Paraná
(SR/DPF/PR). No entanto, ao blog, ele negou este encontro e disse que
outro advogado é quem teria estado em Brasília. Da mesma forma que negou
possuir os documentos, alegando que eles estavam em um computador que
queimou no incêndio. Mas os entregou ao ministro, na audiência
que consta oficialmente da agenda. Com Aragão, Náter não falou em
proteção para a sua cliente.
Os papéis e o arquivo digital contêm
conversas que ela manteve por aplicativos telefônicos com delegados e
também procuradores do Ministério Público Federal de Curitiba. É o
material que a revista CartaCapital também recebeu e publicou parte dele na edição que circulou a partir de sexta-feira passada (22/04), na matéria “Os segredos de Meire“.
Uma segunda reportagem está na edição que começou a circular nesta sexta-feira (29/04) em São Paulo, mas ao escrever esta matéria, ainda não a tinha lido.
A primeira reportagem, assinada por Henrique Beirangê, apenas confirma o que alerto aqui no blog desde agosto quando pela primeira vez abordamos o assunto na matéria Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR: a maior ameaça à operação que se propôs a passar o Brasil a limpo não vem de fora, mas da própria força tarefa de Curitiba.
Através das mensagens que Meire trocou com
policiais e procuradores, notadamente com o então chefe da Operação Lava
Jato no DPF, delegado, Marcio Anselmo Adriano, confirma-se – com
riqueza de detalhes e novas revelações – que a Polícia Federal e o
próprio Ministério Público Federal – pela Constituição, fiscal da lei e
das atividades policiais – utilizaram métodos nada ortodoxos e até
ilegais. transcrevo um trecho da reportagem:
“CartaCapital obteve com exclusividade quase 200 páginas de transcrição de conversas e duas dezenas de e-mails que envolvem a contadora Meire Poza, ex-braço direito do doleiro Alberto Youssef. Os volumes revelam: Poza agiu como uma espécie de agente infiltrada durante um longo período e a força tarefa empregou métodos ilegais para valer-se da sua contribuição. Buscas e apreensões foram forjadas, parlamentares viraram alvo sem a autorização do Supremo Tribunal Federal, documentos acabaram vazados ilegalmente para a mídia. Tudo, conforme indicam as interceptações das mensagens (entre Meire e membros da força tarefa), com o conhecimento do Ministério Público Federal. Por muito menos, operações anteriormente restaram anuladas pela Justiça, entre elas a Castelo de Areia e a Satiagraha“, diz a revista.
Questionamentos da legalidade
– Nas mensagens, segundo a revista, há referência a políticos
investigados irregularmente, a começar pelos ex-deputados – hoje
condenados – André Vargas (PT-PR) e Luiz Argolo (SD-BA). No blog também
os apontamos como alvo das investigações ilegais, sem o conhecimento do
Supremo Tribunal Federal (STF), na matéria Lava Jato: surge nova denúncia de irregularidade.
Eram os usuários dos celulares de cujos números os operadores da Lava
Jato tentaram obter dados sobre as contas – como a relação das ligações
feitas e recebidas – com o chamado “Alvará Metropolitano”. Trata-se de
uma autorização do juiz estadual, José Orlando Cerqueira Bremer,
ex-titular da Vara de Pinhais, aos policiais da Delegacia de Repressão a
Entorpecentes (DRE) para investigação do tráfico de drogas na região.
Ao saber da tentativa de uso da sua autorização pelos operadores da Lava
Jato, o juiz se disse traído. O que os policiais federais não contavam
era a recusa da operadora em repassar as informações por serem celulares
corporativos da Câmara, logo com direito a foro especial.
Com base nos diálogos travados entre a contadora e os operadores da Lava Jato, CartaCapital
relacionou ainda como alvos da polícia federal do Paraná, sem
autorização do STF, a então deputada Aline Corrêa, do PRB, e os
senadores Cícero Lucena, do PSDB, e Gim Argello, do PTB. Argello acabou
preso, no último dia 12 de abril, com um mandado de prisão expedido pelo
ministro Teori Zavascki.
Pelo teor destas trocas de mensagens, não é difícil imaginar que
Meire se sinta ameaçada e possa realmente querer proteção para si e para
a filha. Todo este jogo é muito pesado. Ela já suspeita do incêndio que
destruiu seu escritório. Por isso, aliás, há policiais sugerindo que
ela faça a denúncia diretamente à Corregedoria, em Brasília, e grave
tudo o que falar, para ter certeza que colocarão no papel. O que não
parece mais restar dúvidas é que, como estamos afirmando há muito tempo,
nos tribunais superiores a legalidade de, pelo menos, parte da Operação
Lava Jato será questionada.
Como era previsível, tais documentos já foram levados pela defesa de
Meire ao ministro Aragão. O ministro pediu ao próprio Departamento de
Polícia Federal e à Procuradoria Geral da República que investiguem o
caso. Acredite quem quiser que isto acontecerá pois, pelo exemplo do
grampo achado na cela de Youssef no final de março de 2014, a maior
perspectiva é que nada aconteça. Mas, o que é previsível é que tudo isso
chegue aos tribunais superiores.
Corrupção imaterial
– Antes falávamos apenas do grampo ilegal na cela de Alberto Youssef
que a Superintendência da Polícia Federal do Paraná, o Ministério
Público Federal daquele estado e o próprio juiz Moro tentam fingir que
não existiu. Ou que não estava ativado. Até hoje, nem mesmo com a troca
de ministro da Justiça, o Departamento de Polícia Federal (DPF) e sua
Corregedoria Geral (Coger/DPF) foram capazes de apresentar o resultado
da nova sindicância feita que, como dissemos na reportagem Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas,
teria confirmado que o grampo estava ativo e captou conversas de
Youssef em sua cela. Esta sindicância, é bom lembrar, foi prometida ao
juiz Moro em dezembro passado, tal qual noticiamos em novembro – Grampo da Lava Jato: aproxima-se a hora da verdade – e, posteriormente, em Lava Jato: Moro reacendeu as suspeitas do grampo ilegal na PF. Não a entregaram e ele não falou mais nisso. Não há interesse em mexer nesta questão.
Mostrando que a Polícia Federal usa dois pesos e duas medidas, a
Corregedoria não apresenta o resultado da sindicância do grampo, mas
levou a cabo a investigação em torno dos chamados “dissidentes” da Lava
Jato. Indiciaram o delegado Paulo Renato Herrera, o ex-agente Rodrigo
Gnazzo, e os advogados Marden Maués, que defendeu a doleira Nelma
Kodama, e Augusto de Arruda Botelho, defensor do executivo Márcio Faria,
ligado à Odebrecht, por crime de corrupção.
A delegada Tânia Fogaça, da Coger/DPF, não conseguiu provar que houve
o tal dossiê que alegaram que os “dissidentes” tinham feito para vender
para as defesas dos réus para, com ele, tentarem derrubar a Lava Jato.
Mesmo com quebra de todos os sigilos dos investigados, também não provou
nenhum pagamento ou movimentação financeira estranha em suas contas.
Mas, ainda assim, indiciou Herrera por corrupção ativa alegando que seu
ganho seria a “derrubada da direção da superintendência da Polícia
Federal no Paraná”. Os demais envolvidos foram indiciados por
contribuírem com este “crime”.
Às mensagens de Meire e ao já conhecido caso do grampo da cela de Youssef juntam-se outras suspeitas que, na Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão por
nós publicada em 22 de março, relacionamos ao falarmos do recado que o
ministro mandou, logo após tomar posse, de que não admitiria vazamentos
de informações:
“Seu alerta também mostra aos agentes, no caso os operadores da Lava Jato, que agindo no estrito cumprimento legal jamais serão acusados de ilegalidades tais como colocar grampos sem autorização, forçar delações premiadas, tomar partido em investigações, optar por investigar A e esquecer B, faltar com a verdade, esconder fatos desabonadores, e tantas outras coisas que dificilmente o povo que aplaude quem combate a corrupção acreditaria que eles fossem capazes de fazer. E mais, jamais os apoiariam. O que o povo quer, é preciso acreditar, é o cumprimento de todas as leis, em todos os momentos da apuração da execrável corrupção. Ou haverá quem repudie o Estado Democrático de Direito? Não acredito.”
Bilhete omitido – O que CartaCapital
não comentou foi que através de Meire o delegado Marcio Anselmo recebeu
um bilhete com o nome “Dilma”, também aqui noticiado em Lava Jato não mandou ao STF bilhete que cita Dilma, no último dia 2 de abril. É mais uma evidencia de que a força tarefa escondeu informações do STF. Na postagem, explicamos:
“Um bilhete divulgado, no último dia 11 de março, pela revista Isto É, na reportagem O bilhete que liga o doleiro a Dilma, pode demonstrar mais uma estratégia dos Operadores da Lava Jato: esconder do Supremo fatos que deveriam levar para aquela corte. Embora o bilhete, aparentemente, não comprometa a presidente, o simples fato de se seu nome ser citado ali obrigaria a que o caso fosse mandado para o STF. Mas isto não aconteceu.
O papelucho, entregue ao delegado Marcio Anselmo Adriano, que chefia a equipe da Polícia Federal em Curitiba responsável pela investigação, em abril de 2014, jamais foi anexado a qualquer processo, como informou a própria revista. Mas ele teria sido usado como forma de pressão junto ao ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e ao líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), pela Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), segundo narrou Luis Nassif, na reportagem postada no JornalGGN: O xadrez da polícia Federal na era das corporações“.
“Acordo branco”
– Para quem lida com a Operação Lava Jato desde o início, essa
“participação” de Meire nas investigações não chega a ser uma novidade. O
curioso é ela, até hoje, ser apenas testemunha. Tanto em juízo, quando
prestou depoimento como testemunha, como ao falar na Comissão
Parlamentar Mista de Investigação (CPMI) da Petrobras, do Congresso
Nacional, ela admitiu ter participado da emissão de notas frias para
cobrir propinas pagas pelas empreiteiras e ter vendido pelo menos um bem
de Youssef, sem lhe repassar o dinheiro, jamais ter sido denunciada.
Seu advogado diz que o dinheiro pagou despesas das empresas do doleiro. A
defesa de Youssef contesta.
Nos processos iniciais da Operação Lava Jato, notadamente aqueles em
que apareciam doleiros como Youssef e os irmãos Leandro e Leonardo
Meireles, todos eles ligadíssimo a Meire, houve cobranças com relação à
participação dela como colaboradora da Polícia Federal ou, usando o
termo da CartaCapital, infiltrada. Há petições, inclusive da
defesa de Youssef, questionando “um possível ‘acordo branco’ entre ela e
a Polícia Federal”. Logo, a questão não é estranha ao juiz Sérgio Moro.
Tampouco seria ao MPF.
O próprio advogado da contadora, Náter, reconheceu, em conversa com o blog, a estranha situação da sua cliente:
“Sobre o ponto de vista legal não existe justificativa (para ela não responder a processos). Sobre o ponto de vista legal não existe, porque não foi formalizada uma colaboração pré-processual, uma colaboração premiada que se desse durante o inquérito policial. O MPF, a força tarefa aqui do Paraná, acha que só é possível ao Ministério Público realizar delação premiada. Mas, a Lei 12850/2013 fala que a própria Policia Federal pode realizar este termo de colaboração. Aqui no Paraná a força tarefa acha que só quem vai realizar o termo de colaboração é o Ministério Público Federal. Então, ela fez um acordo com os delegados da polícia, foi com a Polícia Federal, uma instituição, queiram ou não queiram. Ela provavelmente tratou com várias pessoas dentro da polícia, com vários delegados e agentes. O Ministério Público Federal estava sabendo disso“, explicou
Os interesses da Lava Jato
– Situação parecida é a da doleira Nelma Kodama. Embora já com a
condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ela
se beneficia de favores da polícia. Atualmente, junto com sua
companheira, cumpre pena na custódia da superintendência do DPF, em
Curitiba, ainda que o juiz Moro tenha dito que a custódia é apenas uma
passagem dos presos, não local para cumprimento da condenação. Mas,
Nelma foi peça importante na investigação contra os “dissidentes”.
Ela endossou a tese de que estaria sendo
feito um dossiê, com a participação do então seu advogado Maués. O
dossiê, como dissemos acima, nunca apareceu. Nelma, porém, continua na
carceragem da SR/DPF/PR. Provavelmente temem o que ela possa falar caso
seja devolvida para a penitenciária, onde esteve por alguns meses.
Foi da penitenciária que ela mandou um
bilhete para o desembargador Pedro Gebran Neto reclamando que quando se
recusou a colaborar com uma delegada federal, foi imediatamente
transferida para o presídio onde teve a cabeça raspada e perdeu 13
quilos.
No bilhete, que não foi levado em conta
pelo desembargador ao analisar o processo dela, ela não só revelou a
pressão para se tornar “colaboradora”, mas mostrou que desde o início da
Operação Lava Jato – ela foi a primeira a ser presa quando embarcava
para Milão, na Itália, dois dias antes de deflagrarem a primeira fase –
delegados e procuradores queriam pegar os políticos, mesmo sem nada
comunicarem ao Supremo.
“Quando cheguei à Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, fui ouvida pelo delegado Márcio Anselmo, os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martelo, os quais me perguntaram: A senhora tem algum político, ou negócio com trafigo de Drogas? Algum fato novo? Porque se a Sra. só tiver operaçõezinhas com chinezinhos não é do nosso interesse“(sic)
Também Náter, advogado de Meire, fala de
interesses dos operadores da Lava Jato ao citar um questionamento que
fez aos procuradores sobre a contadora:
“Nós estávamos com receio de que a Meire fosse denunciada. Surgiu uma conversa, lá por novembro de 2015, que ela ia ser denunciada. Aí eu tive uma audiência na Procuradoria da República, na época era o Orlando Martelo e o Sérgio Bruno e eles disseram que ela não era uma prioridade”.
Questionado sobre estes “interesses”, ele não titubeou ao reconhecer:
“Não são nada republicanos“.
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