quarta-feira, 24 de setembro de 2008

CRISE NO NINHO TUCANO

Os tucanos no seu labirinto

Luiz Weis

A crise no PSDB é maior do que o rancoroso conflito que se abateu sobre o partido no seu berço paulistano, com o confronto de ambições entre o ex-governador Geraldo Alckmin e o atual, José Serra. O problema da legenda é a erosão do seu patrimônio político - o que não deixa de ser um paradoxo, quando se considera que a agremiação é a única a exibir não um, mas dois candidatos feitos e viáveis ao Palácio do Planalto: além de Serra, líder nas pesquisas, o mineiro Aécio Neves.

O mal dos tucanos chama-se Lula. Mais precisamente, a decisão que ele encabeçou - primeiro na campanha presidencial de 2002, depois no governo - de deslocar o PT para o território que o PSDB reivindicava para si: o do centro-esquerda modernizador e reformista. Tendo a mudança dado no que deu, é desimportante arrolar o que petistas e tucanos, e as administrações de uns e outros, possam ter de diferente, se não de antagônico.

Não só porque em política o que parece é, mas porque, objetivamente também, do segundo governo Fernando Henrique para cá, a continuidade tem prevalecido de longe sobre a ruptura. Tampouco serve de algo o coro dos ressentidos, para quem Lula se limitou a colher o que o antecessor plantou - como se mesmo isso não exigisse competência - e que o resto foi a sorte sideral do petista. O fato é que o PSDB ficou praticamente afônico. Pior: quando ensaia recuperar a voz, não o ouvem.

No labirinto, os tucanos já pensaram até em encomendar uma pesquisa para saber o que o povo acha que eles deviam fazer para "reatar os fios entre o partido e a sociedade", como escreveu Fernando Henrique na Carta aos eleitores do PSDB, de setembro de 2006. O reatamento, de toda forma, teria de ser precedido por uma reunificação interna em torno da atualização da identidade tucana e dos seus meios de ação política - o que, visto hoje a partir de São Paulo, é uma ofuscante ironia.

Mas os partidos, salvo nas franjas do sistema, não são centros de debates, muito menos, na atualidade, oficinas de ideologias. Podem até debater e ideologizar, mas sempre na perspectiva da conquista ou da conservação do poder a cada novo ciclo eleitoral. Nas democracias de massa, são as eleições que moldam os partidos, porque estabelecem a hierarquia das suas lideranças, e as idéias têm de ser boas de voto para ser assumidas pelos candidatos - políticos profissionais cujo destino depende das urnas.

É claro que, em meio a toda a sua enrascada, tucanos se elegem (e continuarão a se eleger) governadores e prefeitos em Estados e cidades-chaves. Menos, porém, até onde a vista alcança, por sua filiação e trajetória no PSDB do que pelos atributos pessoais e administrativos, conforme a maioria do eleitorado os perceba. A marca tucana passou a ter para muitos eleitores uma carga negativa - sinônimo de inimigo do presidente.

Não foi por outra razão que no horário gratuito Alckmin ressalvou que "Lula tudo bem" no mesmo fôlego com que criticava Marta Suplicy e o PT - o que o presidente não deixou barato ao participar de um comício da ex-prefeita. Já não bastasse, portanto, a dificuldade de ser oposição a um governante a quem acusam de ter-se apropriado de suas bandeiras, como a estabilidade econômica e a redistribuição de renda, os tucanos ainda têm contra si a imensa popularidade deste governo.

Em abril do ano passado, quando as sondagens davam o presidente com 49% de aprovação, parlamentares do PSDB já se diziam "aniquilados". Segundo o noticiário, um deles suspirou: "Dá até desânimo de fazer oposição." E agora, que a Lulolatria bate um recorde depois de outro? Na semana passada, eram 64% os brasileiros que aprovavam a sua gestão e 8% os que a julgam ruim ou péssima, na mais recente pesquisa do Datafolha.

Anteontem, o Instituto Sensus revelou que a aprovação ao governo é a maior já registrada na série histórica dos seus levantamentos para a Confederação Nacional do Transporte (CNT), iniciados em 1998. São 68,8% os que o aplaudem - um contingente dez vezes superior ao dos seus detratores. Isso significa que, em menos de meio ano, a avaliação positiva da administração lulista deu um salto da ordem de dez pontos porcentuais.

Se sólidos dois terços da população consideram o governo ótimo ou bom, o céu parece ser o limite para o crescimento do prestígio pessoal de Lula, na vizinhança dos 80%. Ele está a caminho de repetir a marca máxima do seu primeiro ano no Planalto (83,6%). É um resultado não apenas sem precedentes desde que se faz esse tipo de pesquisa no País, mas excepcional em todo o mundo democrático. Apoio dessa grandeza só o presidente Bush alcançou, numa nação traumatizada pelo 11 de Setembro, ao declarar a sua guerra ao terror.

Parece haver algo no Brasil de hoje além daquilo que os americanos chamam feel-good factor - no caso, a satisfação com os ganhos objetivos na frente econômica (emprego, renda e capacidade de consumo em alta) e com os efeitos da inclusão social proporcionados pelo Bolsa-Família, engendrando um clima de expectativas otimistas que o proclamado advento da fabulosa era do pré-sal obviamente só exacerba.

Mesmo dando o devido desconto ao fato de Lula ser um presidente em permanente campanha, o que lhe proporciona uma visibilidade que outros chefes de governo só têm a invejar - já se disse que ele é o pauteiro da mídia nacional -, não resta dúvida de que o fascínio pela singularidade de sua figura transborda da ampla parcela da população que naturalmente o vê como um dos seus que não perdeu o senso de suas origens e lealdades.

A últimas barreiras à consagração de Lula começam a ceder. Pela primeira vez, ele conseguiu o apoio da maioria (57%) dos brasileiros do Sudeste, das regiões metropolitanas, com formação superior e renda familiar mensal de dez salários mínimos para cima. Em suma, junto aos setores mais cosmopolitas, abonados, escolarizados - e tucanos - da sociedade. E vá o PSDB dizer que eles estão enganados.

Luiz Weis é jornalista

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