26/06/2009
Celso Marcondes, CartaCapital
Na edição 549 de CartaCapital, que veio às bancas no dia 10 de junho, publicamos uma importante matéria assinada pelo jornalista Leandro Fortes discutindo o projeto de lei sobre crimes digitais que tramita no Congresso. O texto dava conta da grande batalha que vem sendo travada contra o texto substitutivo apresentado pelo senador Eduardo Azeredo, que chega a ser considerado pelos seus opositores como “um novo AI-5”, em função das restrições que colocaria para a liberdade de expressão.
O senador Aloizio Mercadante (PT/SP) é um dos principais estudiosos do tema no parlamento. Apresentou uma série de emendas ao texto de Azeredo e defende o uso de todas as ferramentas da mídia digital no debate político. Veja abaixo a entrevista exclusiva que concedeu para o site de CartaCapital.
CC: CartaCapital está acompanhando o debate a respeito do substitutivo do senador Azeredo, que tem dividido muito as opiniões. Qual a sua posição a respeito?
AM: A alma da internet é a liberdade de expressão, de circulação de informações, de pluralidade. A relação em rede, esse instrumento revolucionário que possibilita conhecimento e que se estabeleçam relações democráticas, essa é a força da internet. Os problemas que existem fora da internet, no mundo real, existem também na internet. A maioria dos crimes está migrando para a internet. Nós temos que manter a liberdade, mas têm que haver instrumentos para combater organizações criminosas, práticas criminosas que estão se instalando e se utilizando deste instrumento.
CC: O senhor pode dar algum exemplo?
AM: A pedofilia: não era crime armazenar informações e o que se verificou na investigação de redes de pedofilia? Elas estavam usando a internet para aliciarem menores e era muito difícil você provar a associação com estes grupos criminosos e pedófilos porque eles tinham as informações, mas você não. A lei dizia que era crime apenas transmitir e propagar, então a lei foi modificada. Armazenar informações de pedofilia é crime de pedofilia e com isso você está conseguindo desmantelar uma rede bastante ampla. Mas temos tido o caso, por exemplo, de aprisionamento das senhas eletrônicas para fraudes no comércio eletrônico, não só assalto a banco através da internet, que é uma coisa bastante sofisticada e tem ocorrido com certa recorrência. Clonagem de cartões de crédito que é uma prática hoje, que a tecnologia ajuda a combater, mas só a tecnologia não resolve. Nós temos, por exemplo, os vírus que destroem equipamentos e hoje nós já temos 57 milhões de usuários na internet no Brasil. Pessoas carentes, que poupam para poder comprar o equipamento, para os filhos crescerem, terem melhores condições de acesso ao mercado de trabalho e que, de repente, isso é destruído como se fosse uma brincadeira. A pessoa tem que se responsabilizar por esses atos. Tem de preservar a liberdade e punir as ações criminosas. Por exemplo, as pessoas que entraram em arquivos de universidade e simplesmente destruíram pesquisas que estavam sendo feitas, pelo próprio prazer de destruir, como se fosse uma brincadeira.
CC: Quais as principais modificações que o senhor acredita que devem ocorrer no projeto?
AM: O projeto pode ser modificado. Eu já aprovei dez emendas flexibilizando. O projeto originário do senador Eduardo Azeredo previa que os provedores tinham que guardar informações. Isso não tem a menor possibilidade, teria que ter um back-up monstruoso, é como se o correio passasse a ter o papel de sensor, isso não é papel do provedor. O provedor tem que simplesmente registrar os acessos, a hora que a pessoa entrou e a hora que ela saiu. Da mesma forma que as telefônicas fazem isso. Elas nunca gravam a conversa de ninguém, é crime gravar a conversa, mas tem lá documentado os horários. Quando você quebra o sigilo telefônico para qualquer investigação você tem a hora de entrada e a hora de saída, está lá o acesso. Essa informação, assim como vale para o telefone vale para o computador, inclusive porque o computador hoje, o skype, é uma forma de comunicação, como é o telefone. Então, esse é um instrumento que já existe, em outros veículos de comunicação. A internet coloca as informações à disposição sempre com autorização judicial. Isso foi uma coisa que nós conseguimos avançar. Agora, em relação ao problema do direito intelectual, de patente intelectual de música, de filme, a lei não tem como resolver isso, pelo menos essa lei não tem. Eu acho que esse é um tema que vai ter que se refletir, vai ter que se buscar novas respostas para tentar preservar o trabalho intelectual das pessoas, mas não há como estabelecer uma lei que criminalize hoje você baixar uma música ou baixar um filme. Nenhum país do mundo resolveu isso, nós não vamos resolver, muito menos de uma forma autoritária. A gente precisa construir outros caminhos.
CC: O senhor acha que dá para alterar esses artigos e a lei chegar à Câmara dos Deputados melhorada?
AM: Eu acho que dá para a Câmara discutir com mais profundidade, ouvir essas críticas, dialogar com os internautas, com as entidades, e buscar o entendimento. Eu acho que não podemos deixar de ter leis que punam crimes que estão sendo praticados na internet. Desde crime de racismo, clonagem de cartão de crédito, roubo, estelionato, pedofilia, para essas coisas todas têm que ter regras claras que combatam essas organizações, mas isso sem ferir a liberdade de expressão, sem ferir a essência, o anonimato é liberdade, isso tem que ser preservado.
CC: A internet - a eleição do Obama foi o maior exemplo disso - tem se mostrado uma poderosa ferramenta para a democratização e proliferação do debate político. Como o senhor vê isso, a internet tem essa utilização também no que se refere à relação com os eleitores?
AM: Eu tenho dado uma ênfase muito grande à inclusão digital, eu fiz um projeto que foi aprovado por unanimidade no Senado, que foi aprovado já na Comissão Especial da Câmara, que prevê colocar banda larga em todas as escolas públicas no Brasil. O governo já está colocando nas escolas urbanas no prazo de três anos e o projeto prevê em cinco anos que todas as escolas, inclusive as rurais, ou mais distantes, tenham um computador para cada aluno. Produzir material pedagógico, formar os professores e dar um endereço eletrônico a 49 milhões de alunos que estão em escolas públicas. Isso será uma revolução do ensino no Brasil. Outros países já fizeram. Portugal já está com 100%, para dar um exemplo, de inclusão digital nas escolas portuguesas. Já estão também com laptop popular para os alunos levarem para casa, para os alunos também poderem acessar através da sua residência e isso será uma grande transformação histórica no Brasil. Da mesma forma que a educação, depois isso poderá servir à saúde pública, à segurança pública, é um instrumento muito importante para a cidadania de uma forma ampla e eu tenho trabalhado também do ponto de vista da relação do mandato.
CC: Mas como a internet pode ser útil para um mandato parlamentar?
AM: Eu fiz um portal bastante moderno, novo, ágil, onde tem muita informação, todos os artigos que eu faço, as conferências que eu participo, todas as minhas apresentações estão todas lá disponíveis. Eu participo de um debate, imediatamente minha assessoria coloca no youtube e fica ali disponível. Ou um texto que eu escreva. Esse instrumento permite você dar muito mais qualidade à relação do mandato com o cidadão, com o eleitor, com o militante político. Eu coloquei também o twitter, é uma experiência nova que estou fazendo e eu acho muito rica e interativa. O orkut está lá no meu portal, o youtube, canal especial, RSS. Estou usando todas essas novas ferramentas buscando construir redes sociais, participar dessas redes, abrir espaços para as pessoas se organizarem ou debaterem e interagirem. Lembro que o Obama era uma liderança que não se elegeu deputado federal em Chicago em 2001, depois foi eleito senador, derrotou a Hilary Clinton e é um presidente com perfil totalmente novo. O seu grande instrumento da campanha, assim como nos anos 30 foi o rádio, foi saber usar a internet: 92 milhões de acessos em seu portal, 160 mil pessoas acompanhavam ele hora a hora através do twitter, conseguiu fazer arrecadações financeiras de contribuição cidadã de uma forma espetacular, mais de três milhões de pessoas participaram. Eu acho que isso mostrou o quanto essa tecnologia pode fazer avançar a democracia participativa. Na Grécia antiga o debate democrático era na praça pública, a praça pública do século XXI é digital, é a internet. É aí que nós temos que organizar o debate, democratizar a informação, permitir que o eleitor não tenha só relação com o voto, mas que possa cobrar, propor, interagir ao longo do mandato e eu tenho me empenhado muito para construir esse caminho.
CC: O ano que vem é de eleições, o senhor não acha que a legislação brasileira restringe muito o uso de internet?
AM: A Câmara já está com uma proposta de regulamentar a internet para as eleições utilizando com muita liberdade o uso da internet nas campanhas e isso me parece fundamental. Você não pode, como aconteceu, proibir um candidato de ter um espaço na internet e permitir aos críticos dele usarem a internet para criticá-lo. É totalmente descabido, ou seja, a internet é espaço para a liberdade e também pode ser usado do ponto de vista de uma campanha. Sempre têm algumas regras e restrições, mas me parece que é um caminho inevitável, inexorável, irreversível e vai acontecer e acho que a Câmara aponta exatamente nessa direção.
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