quarta-feira, 22 de julho de 2009

Dick Cheney foi o Imperador



22/07/2009

Eduardo Graça, de Nova York

A história quem conta é George Lucas. Em conversa com a colunista Maureen Dodd, do New York Times, o criador do épico Guerra nas Estrelas e da série de aventuras do Indiana Jones se disse lisonjeado pelo uso de um de seus mais caros personagens, o afônico Darth Vader, nos textos da jornalista sobre o então vice-presidente Dick Cheney, mas alertou que era preciso fazer uma reparação. “Cheney não é Vader. Anakin Skywalker era, no fim, um menino de um planeta árido e isolado que se transforma em Darth Vader pela influência de uma velha raposa política. O Vader é o Bush. Cheney é o Imperador”, disse.

Pois nos primeiros seis meses da era Obama a face mais visível da antiga administração foi justamente a de Dick Cheney. Em programas de tevê, o rejuvenescido “imperador do Wyoming”, 68 anos, bateu impiedosamente no governo Obama, criticando a economia, o projeto de reforma da Saúde e especialmente a segurança nacional. Mas esta semana o ex-vice foi acusado pelo novo diretor da CIA, Leon Panetta, de manter um programa secreto de extermínio de terroristas. De acordo com a nova administração, Cheney ordenou que a CIA omitisse do Congresso a existência de tal programa, o que seria ilegal. “E, curiosamente, no momento em que volta a ser alvo da imprensa por conta de revelações comprometedoras, ele desapareceu. Outorgou à filha, Lynn, a tarefa de responder pela ilegalidade que cometeu. Aonde está Cheney?”, pergunta, sarcástica, a atual estrela do telejornalismo liberal nos EUA, Rachel Maddow, da rede MSNBC.

Nos corredores do Capitólio diz-se que Cheney está em casa, escrevendo -suas memórias. Crê-se que embolsará pelo menos 2 milhões de dólares pelo livro. “O episódio mais recente prova que Cheney captura a ambivalência que nós, norte-americanos, temos em relação à ideia de democracia. Seus defensores valorizam o homem que carrega o fardo do trabalho sujo nas costas, que não tem medo de fazer o que é preciso para nos proteger. Já seus detratores confirmaram as mais fortes suspeitas de que ele passou por cima da Constituição, tratando a democracia como uma abstração, um teatro. Cheney é um personagem que catalisa como ninguém o medo do americano comum”, diz o sociólogo Stephen Duncombe, da Universidade de Nova York (NYU), estudioso da simbologia política nos EUA.

Jamais figura popular, o único cargo eletivo de Cheney foi o equivalente no Brasil a deputado federal, eleito cinco vezes por Wyoming. Hábil articulador, chegou a ser o líder da minoria na Câmara. Sempre atraí-do pelos bastidores, foi chefe do estafe do presidente George Ford (que assumiu o governo no turbilhão do Watergate e se notabilizou pelo perdão concedido a Richard Nixon), secretário de Defesa de Bush I e, durante os anos Clinton, CEO da Halliburton, a corporação texana, uma das maiores beneficiárias de contratos de reconstrução do Iraque ocupado quando o Imperador já dava expediente na Casa Branca. Um CV que ajudou-o a bater, ao fim do governo Bush, todos os recordes de reprovação popular na história contemporânea dos EUA.

Alvo preferencial de humoristas por ser considerado o cérebro por trás da desastrosa política externa do governo Bush II, ele se tornou a piada do ano quando, em 2006, atirou por acidente em um advogado septuagenário durante uma caçada em um rancho no Texas. O amigo de Cheney foi alvejado no rosto, no pescoço e no torso. A acusação de que ele ultrapassou os limites constitucionais de seu posto ofereceu munição extra para seus críticos. “Se entendi direito, ele ligou para a direção da CIA e disse: ‘Meus meninos, se vocês encontrarem alguma coisa suspeita, me informem, o.k.?’ E ele, sozinho, resolveria tudo com suas próprias mãos. É assim que eles achavam que a coisa deveria funcionar!”, ironizou David Letterman.

Com Dick Cheney recusando-se a falar com a imprensa, Letterman ofereceu dez possíveis desculpas para seu lapso em uma imaginária entrevista coletiva. Em uma possível resposta o ex-vice-presidente diria “Como assim? Vocês acreditam mesmo que eu poderia violar o direito individual e constitucional dos cidadãos americanos? Vocês acham que estamos aonde, na Rússia?” A mais capciosa ficou para o fim: “Se eu tivesse de revelar todas as coisas diabólicas que fiz, não teria nem tempo para atirar na cara de velhos amigos”.

Em artigo na Slate, Shane Harris, especialista em assuntos de inteligência e segurança do National Journal, semanal devorado pelos políticos de Washington, escreve que a investigação sobre os abusos de autoridade de Cheney poderá ser o primeiro grande fiasco na área da inteligência do governo Obama. “A CIA tem uma longa história de manter programas secretos e de omitir informação ao Congresso. Mas ficam algumas perguntas: mesmo com o Ato de Segurança Nacional, aprovado após os atentados de 11 de setembro, e com os poderes especiais dados pelo presidente Bush a Cheney, não há qualquer especificação sobre a omissão de um programa deste porte ao Poder Legislativo. Com que autoridade Cheney manteve o sigilo sobre este programa? E como é que o novo diretor da CIA só foi descobrir o programa quatro meses depois de assumir a agência?”, questiona.

O presidente Obama já declarou mais de uma vez que “quer olhar para o futuro”, irritando liberais, ansiosos por uma faxina geral em Washington, com CPIs e pedidos formais de desculpas pelos oito anos de ataques aos princípios democráticos do país, e despertando a suspeita de que evitaria conflitos com figurões da administração passada. Mas depois das revelações do programa secreto de assassinato de terroristas, o procurador-geral Eric Holder anunciou que pensa em nomear um jurista para tratar exclusivamente de possíveis casos de tortura e desmandos durante os anos Bush. A direita teme que virtuais punições não parem em funcionários de baixo escalão e atinjam símbolos do partido no momento em que tenta se reestruturar para as eleições legislativas de meio-termo no ano que vem.

“A ultraexposição de Cheney na tevê neste semestre, enquanto Bush manteve-se no ostracismo, parece-me uma tática de inoculação. Ele bateu duro em Obama para que seu próximo ato seja o de qualificar qualquer investigação que envolva seu nome como vingança pessoal. Qual o próximo passo? Ignorar Cheney ou puni-lo? Se optarem pela primeira opção, os democratas perderão legitimidade. Se investirem na segunda, a caça às bruxas pode galvanizar uma oposição que, neste momento, está em frangalhos”, pondera Duncombe.

O Imperador, disposto a virar dublê de mártir, mais uma vez teria emparedado os democratas, divididos entre abrir as gavetas do governo Bush e oferecer munição para uma direita acuada ou enfrentar o desânimo dos liberais, interessados na transparência do poder público cantada até há pouco tempo em prosa e verso por um certo senador negro de Illinois. CartaCapital.

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