Autor(es): José Luís Fiori
Valor Econômico - 15/07/2009
Morreu nos Estados Unidos, na cidade de Baltimore, no dia 19 de junho de 2009, o economista italiano Giovanni Arrighi, que foi professor, nos últimos anos de sua vida, da Universidade Johns Hopkins. Arrighi nasceu em Milão, em 1937, estudou na Universidade de Bocconi e, na década de 1960, participou da geração de cientistas sociais europeus e americanos que trabalharam na África e se dedicaram ao estudo do desenvolvimento econômico em países da periferia capitalista. De volta à Itália, na década de 70, e depois nos Estados Unidos, a partir dos anos 80, Giovanni Arrighi dedicou quase três décadas de sua vida intelectual ao estudo da "crise da hegemonia americana" dos anos 70, e das transformações econômicas e políticas mundiais das décadas seguintes, que passaram pela expansão vertiginosa da China e de grande parte da Ásia, e chegaram até à crise financeira de 2008.
Aos poucos, Arrighi deslocou sua preocupação teórica do tema do crescimento econômico dos países periféricos e atrasados para o estudo mais amplo do desenvolvimento histórico do capitalismo e do "sistema mundial moderno", que se formou, expandiu e consolidou a partir da Europa, desde o Século XVI.
Marx teve uma presença decisiva na formação do pensamento de Giovanni Arrighi, mas sua longa pesquisa sobre os ciclos e as crises econômicas e políticas da história capitalista partiu de outro lado, de três teses "heterodoxas" do historiador francês Fernand Braudel. Segundo Braudel, o capitalismo não é igual à economia de mercado, pelo contrário, é o "antimercado", e o segredo do seu crescimento contínuo são os "lucros extraordinários" dos "grandes predadores" que não se comportam como o empresário típico-ideal da teoria econômica convencional. Em segundo lugar, para Braudel, a força originária do capitalismo não veio da extração da mais-valia dos trabalhadores, mas da associação entre os "príncipes" e os "banqueiros" europeus, que se consolida bem antes do Século XVI. E finalmente, ainda segundo Braudel, todos os grandes ciclos de expansão do capitalismo chegam à uma fase "otonal", onde as finanças substituem a atividade produtiva na liderança da produção da riqueza.
Giovanni Arrighi parte destas três ideias básicas e formula sua própria teoria, no seu admirável livro "O Longo Século Vinte", publicado em 1994. Ali, ele desenvolve, de forma mais acabada, suas próprias teses sobre o papel da competição estatal e da competição capitalista no desenvolvimento da história moderna. Uma sucessão de ciclos de acumulação econômica, liderados por uma sucessão de potências hegemônicas que mantiveram a ordem política e o funcionamento da economia mundial graças à sua capacidade crescente de projetar o seu poder nacional sobre um espaço cada vez mais global: a Holanda, no Século XVII; a Grã-Bretanha, no Século XIX; e os Estados Unidos, no Século XX. Segundo Arrighi, entretanto, estas sucessivas "situações hegemônicas" não suspendem os processos de competição e centralização do capital e do poder responsáveis pela repetição periódica de grandes crises e longos períodos de transição e reorganização da base produtiva, assim como de mudança da liderança mundial do sistema.
Do ponto de vista estritamente econômico, cada um destes grandes ciclos de acumulação seguiu uma alternância regular de épocas de expansão material com épocas de grande expansão financeira. Nos períodos "produtivos", o capital monetário põe em movimento uma massa crescente de produtos; no segundo período, entretanto, o capital liberta-se do seu "compromisso" com a produção e acumula-se - predominantemente - sob a forma financeira. É durante esta segunda fase, para Arrighi, que se acelera a formação das estruturas e das estratégias dos Estados e dos capitais que deverão suceder o antigo hegemon e assumir o comando do processo da acumulação econômica dali para frente, dando curso ao movimento contínuo de internacionalização das estruturas e instituições capitalistas.
Para Giovanni Arrighi, o conceito de "hegemonia mundial" se refere à capacidade de um Estado liderar, mais do que dominar, o sistema político e econômico mundial formado pelos Estados soberanos e suas economias nacionais. E as "crises de hegemonia" que se sucederam através da história são rupturas e mudanças de rumo e liderança, anunciadas pelas "expansões financeiras", mas também pela intensificação da competição estatal; pela escalada dos conflitos sociais e coloniais ou civilizatórios; e pela emergência de novas configurações de poder capazes de desafiar e superar o antigo Estado hegemônico. São crises que não acontecem de repente, nem de uma só vez. Pelo contrário, aparecem separadas no tempo, primeiro na forma de uma "crise inicial", e depois de algumas décadas na forma de uma grande "crise terminal", quando então já existiria o novo "bloco de poder e capital" capaz de reorganizar o sistema e liderar o seu novo ciclo produtivo. Entre estas duas crises, é quando a expansão material dá lugar a "momentos maravilhosos" de acumulação da riqueza financeira, como aconteceu no final do Século XIX, e agora de novo, no fim do Século XX.
Giovanni Arrighi conclui sua longa pesquisa histórica com a certeza de que a "crise inicial" da hegemonia americana começou na década de 1970, e que a sua "crise terminal" está em pleno curso, neste início do Século XXI, quando já se anuncia um novo ciclo da acumulação capitalista liderado por um ou por vários países asiáticos.
A teoria e as previsões históricas de Giovanni Arrighi podem ser criticadas, de vários pontos de vista. Mas existe uma virtude na sua obra que transcende todas as críticas: Arrighi foi um dos raros economistas da sua geração que resistiu à tendência dominante do pensamento acadêmico do final do Século XX, às pequenas narrativas e à construção de modelos formais inócuos. Do ponto de vista teórico, Giovanni Arrighi foi um "heterodoxo" que soube retomar, com criatividade, a tradição da grande teoria social dos Séculos XIX e XX, de Marx, Weber, Schumpeter e Braudel, para estudar as "longas durações" econômicas e políticas do capitalismo. Sua ousadia intelectual merece reconhecimento e homenagem, num tempo de mesmice e de grande pobreza de ideias.
José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ e autor do livro "O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações" (Editora Boitempo, 2007). Escreve mensalmente às quartas-feiras.
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