10/07/2009
Quando se encerrou o ciclo militar, os humoristas brasileiros viam com alívio o seu final. Eles que enfrentaram a ditadura rindo-se dela, tinham um desafio pela frente. Como o humor político se comportaria frente a governos oriundos da oposição à ditadura? Como a produção humorística, forjada na resistência ao autoritarismo, situaria seu trabalho em uma nova situação política? Essa questão empolgava os profissionais que afiaram seus traços e textos como arma eficaz contra os regimes militares. Mais de quatro décadas depois, o que fazem os candidatos a seguidores do jornalista Aparício Torelly, aquele que se autoconcedeu o título de “Barão de Itararé”? Como convivem com o Estado de Direito e governantes democraticamente eleitos?
Uma simples visita a blogs hospedados em portais da imprensa corporativa pode responder à questão. E o resultado é tão melancólico que nem valeria o registro se ele não demonstrasse um significativo deslocamento de funções no campo jornalístico. Sem dúvida, esse é um setor que já foi mais sofisticado. Uma pequena parcela dele, nos anos de chumbo, guardava algum tipo de comprometimento com interesses democráticos, nacionais e populares. Jornais como Pasquim, Em Tempo, Movimento, Opinião e Versus, entre tantos outros, pagaram caro, mas não abriram mão de uma linha editorial voltada para a promoção da cidadania.
O que temos hoje é uma imprensa que ignora o princípio da publicidade, não permite à cidadania controlar a informação. Mais que desinformar, avoca para si uma função que não lhe pertence, pretendendo tomar decisões vinculantes para o conjunto da sociedade. Um parlamento midiático, formado por editores tucano-lacerdistas, respaldados por seguidos pronunciamentos de ministros do STF a lhes prometerem sustentação legal em sua aventura.
Sendo assim, que tipo de inteligência e sutileza se pode esperar dos funcionários de meios de comunicação oligopolizados? Um humor que desmistifique estruturas de dominação ou uma estrutura discursiva que, misturando o grotesco e o fantástico, reitere a devoção aos antigos donos do poder? É na breve incursão por narrativas definidoras de linhas editoriais que podemos constatar que o humorista perdeu seu cargo. Foi substituído por um redator que não teme o ridículo de evidenciar seu servilismo. Alguém incapaz de discernir a tênue linha que separa o humor feito como instrumento de crítica social de gestos burlescos que tentam agradam a direita nativa.
Se em 1964, o então presidente da Congresso, Áureo de Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente, sob protestos e tumultos no plenário, em 2009, os bobos de cortes passadas manipulam suas máscaras para melhor agradar ao seu público. Tomemos um exemplo bem recente.
Em seu blog, o jornalista Ricardo Noblat postou, na tarde desta quinta-feira (9), a seguinte nota. O título evoca bons tempos para muitos de seus leitores:
"Está vaga a presidência da República"
Neste momento, ninguém responde pela presidência da República.
Lula continua no exterior. José Alencar, 77 anos, está anestesiado. Passa por sua 14ª operação no Hospital Sírio Libanês devido a 13 tumores cancerígenos que carrega no corpo.
Na ausência de Lula e de Alencar, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP) é quem assume a presidência. Não assumiu.
No país onde não há crise no Senado, apenas uma mera divergência, segundo Lula; onde José Sarney nada tem a ver com a Fundação José Sarney; onde o ministro do Meio Ambiente considera normal que a mulher seja funcionária da Câmara dos Deputados e trabalhe ali apenas um dia por semana; e onde políticos dizem abertamente que estão pouco se lixando para a opinião pública; ora, é irrelevante que durante algumas horas a presidência da República fique vaga."
Claro que não estamos diante de um ato golpista. Todos conhecem o profissional e seu apreço pela legalidade, mas falar em vacuidade em um mundo conectado pelas mais variadas redes de comunicação é uma “boutade" desnecessária. Um dito espirituoso que ignora um fato histórico elementar: outrora os bobos da Corte gozavam de alguma autonomia. Não precisavam perder o equilíbrio nos disparates.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Quando se encerrou o ciclo militar, os humoristas brasileiros viam com alívio o seu final. Eles que enfrentaram a ditadura rindo-se dela, tinham um desafio pela frente. Como o humor político se comportaria frente a governos oriundos da oposição à ditadura? Como a produção humorística, forjada na resistência ao autoritarismo, situaria seu trabalho em uma nova situação política? Essa questão empolgava os profissionais que afiaram seus traços e textos como arma eficaz contra os regimes militares. Mais de quatro décadas depois, o que fazem os candidatos a seguidores do jornalista Aparício Torelly, aquele que se autoconcedeu o título de “Barão de Itararé”? Como convivem com o Estado de Direito e governantes democraticamente eleitos?
Uma simples visita a blogs hospedados em portais da imprensa corporativa pode responder à questão. E o resultado é tão melancólico que nem valeria o registro se ele não demonstrasse um significativo deslocamento de funções no campo jornalístico. Sem dúvida, esse é um setor que já foi mais sofisticado. Uma pequena parcela dele, nos anos de chumbo, guardava algum tipo de comprometimento com interesses democráticos, nacionais e populares. Jornais como Pasquim, Em Tempo, Movimento, Opinião e Versus, entre tantos outros, pagaram caro, mas não abriram mão de uma linha editorial voltada para a promoção da cidadania.
O que temos hoje é uma imprensa que ignora o princípio da publicidade, não permite à cidadania controlar a informação. Mais que desinformar, avoca para si uma função que não lhe pertence, pretendendo tomar decisões vinculantes para o conjunto da sociedade. Um parlamento midiático, formado por editores tucano-lacerdistas, respaldados por seguidos pronunciamentos de ministros do STF a lhes prometerem sustentação legal em sua aventura.
Sendo assim, que tipo de inteligência e sutileza se pode esperar dos funcionários de meios de comunicação oligopolizados? Um humor que desmistifique estruturas de dominação ou uma estrutura discursiva que, misturando o grotesco e o fantástico, reitere a devoção aos antigos donos do poder? É na breve incursão por narrativas definidoras de linhas editoriais que podemos constatar que o humorista perdeu seu cargo. Foi substituído por um redator que não teme o ridículo de evidenciar seu servilismo. Alguém incapaz de discernir a tênue linha que separa o humor feito como instrumento de crítica social de gestos burlescos que tentam agradam a direita nativa.
Se em 1964, o então presidente da Congresso, Áureo de Moura Andrade declarou vago o cargo de presidente, sob protestos e tumultos no plenário, em 2009, os bobos de cortes passadas manipulam suas máscaras para melhor agradar ao seu público. Tomemos um exemplo bem recente.
Em seu blog, o jornalista Ricardo Noblat postou, na tarde desta quinta-feira (9), a seguinte nota. O título evoca bons tempos para muitos de seus leitores:
"Está vaga a presidência da República"
Neste momento, ninguém responde pela presidência da República.
Lula continua no exterior. José Alencar, 77 anos, está anestesiado. Passa por sua 14ª operação no Hospital Sírio Libanês devido a 13 tumores cancerígenos que carrega no corpo.
Na ausência de Lula e de Alencar, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP) é quem assume a presidência. Não assumiu.
No país onde não há crise no Senado, apenas uma mera divergência, segundo Lula; onde José Sarney nada tem a ver com a Fundação José Sarney; onde o ministro do Meio Ambiente considera normal que a mulher seja funcionária da Câmara dos Deputados e trabalhe ali apenas um dia por semana; e onde políticos dizem abertamente que estão pouco se lixando para a opinião pública; ora, é irrelevante que durante algumas horas a presidência da República fique vaga."
Claro que não estamos diante de um ato golpista. Todos conhecem o profissional e seu apreço pela legalidade, mas falar em vacuidade em um mundo conectado pelas mais variadas redes de comunicação é uma “boutade" desnecessária. Um dito espirituoso que ignora um fato histórico elementar: outrora os bobos da Corte gozavam de alguma autonomia. Não precisavam perder o equilíbrio nos disparates.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Um comentário:
Gilvan, é uma pena que você não possa ouvir o som de minhas mãos batendo palmas para o texto do Gilson Caroni Filho.
Abraço
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