Marcelo Carneiro da Cunha
Quem melhor descreveu o cenário talvez tenha sido Fernando de Barros e Silva, uma voz que se mostrou bastante lúcida no habitat do comentário político da Folha de S.Paulo durante a última eleição presidencial. Para ele, a imprensa e as elites que ela traduz elogiam Dilma, para, na verdade ou em boa parte, criticar Lula.
A imprensa tradicional, estimados sulvinteumenses, é um animal que se movimenta com aparentes contradições, alimentado por interesses políticos, que se diluem em aspectos econômicos e comerciais. Se uma coisa é verdadeira, é que ninguém mantém um veículo da grande imprensa apenas como maneira de ganhar o seu rico dinheirinho, da mesma forma que o bispo não mantém a sua Universal apenas para construir templos com muitos vidros azuis e salvar almas. Da mesma maneira, novela da Globo não existe para realizar comentário social e temporal, mas para vender xampu e automóvel. Quem analisa as formas, deixando de lado as intenções, não dá conta do que acontece.
Lula foi um, em bom português utilizado em Miami e na Barra da Tijuca, “game changer”. Lula tem o jeito, o poder e a capacidade de comunicação aliada a um enorme carisma e aura de herói popular, com altas doses de sensibilidade política, que permitiu que ele pautasse a imprensa, na maior parte do seu governo, sem ser jamais devorado por ela. Lula nunca se deixou ser engolido, e isso também quis dizer que ele ficou trancado na garganta desses segmentos.
Dilma é diferente, age de maneira diferente, pensa de maneira diferente, por natureza ou necessidade estratégica. Sem as características que permitiam a Lula se manter na dianteira dos temas e dos discursos, e por personalidade e visão de processo, ela se retira do palco e se movimenta num outro círculo, mostrando sua presença e direção por meio de atos, gestos, poucas palavras.
A imprensa então faz a sua parte e adjetiva: Dilma é sóbria, busca a eficiência, critica e demanda. Dilma é o que faltava para colocar ordem em uma casa desarrumada por um presidente falastrão.
Não é o que você tem lido, nas linhas, ou entrelinhas, estimados sulvinteumenses? Dilma se preocupa com os direitos humanos, enquanto Lula os pisoteava em Cuba e no Irã. Dilma coloca limites nas ambições do PMDB, enquanto Lula cedia continuamente. Dilma se aproxima dos Estados Unidos, se afastando assim da orientação equivocada, Sul-Sul, do Itamaraty de Lula. Não tem sido assim, caros leitores? Tem sido, e vai ser, e você já pode ver setores das classes médias reagindo ao bombardeio e se mostrando mais favoráveis a Dilma e seu estilo do que se sentiam em relação a Lula e sua forma, digamos, popular, de ser.
No Brasil, democracia é rimada com farofa, não é mesmo? Popular, com excessivo. Uma praia para todos, não agrada tanto a quem prefere a areia branquinha toda para si. Na era Lula, a praia mudou, e mudou de maneira estrutural. As elites nunca se sentiram bem com essa parte da história, embora adorem os novos mercados que surgiram. Agora, ela contra-ataca.
Dilma não foi criticada no apagão do Nordeste, alguém deve ter percebido. Portanto, o jogo é apresentado assim: nós criamos a sua imagem como mulher forte, honesta, eficiente, que se afasta da retórica e da forma excessivamente colorida do governo Lula. Nós lhe damos a classe média, a classe alta, e você se afasta um teco das demais, que tal? Parece um bom negócio?
De resto, a imprensa ainda faz o bom e velho jogo de atirar a turma do Lula contra a turma da Dilma, provocar uma cizaniazinha, porque afinal, adversário dividido é sempre muito mais agradável na hora do cafezinho, e vamos em frente. Sendo honestos, ela faz o mesmo com o PSDB e suas divisões, mesmo que por razões internas e paulistas, não é mesmo?
Eu acho, estimados leitores, que a Dilma e o Lula são inteligentes demais, próximos demais, em uma relação testada e aprovada nas condições mais duras da vida real. Eu acho que eles não caem nessa. Acho que eles vão surfar na onda e chegar na praia, onde quiserem, e não onde querem que eles cheguem. Eu acho que isso demanda de Dilma um pouco mais de exposição e ousadia aí em frente, para não se colocar sob o guarda-chuva da imagem produzida para ela, por ela, pela grande imprensa. E acho que ela vai ter como consultor o maior comunicador que esse país já viu, e não é nenhum desses marqueteiros eleitorais, não. Mas é importante a gente ficar de olho nesse jogo de grandes e enormes. O Brasil, caríssimos leitores, virou um grande, enorme negócio de 2 trilhões de dólares ao ano, e não falta, obviamente, quem queira o comando dessa vasta operação. Os próximos tempos serão interessantes, e assistir a eles através da tela de imagens e palavras da imprensa, vai se dividir entre o divertido e o assustador, mas, de qualquer maneira e apenas mais lúcidos, lá vamos nós. Fonte:Sul21
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