terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Renato Rabelo: A verdadeira natureza do gasto público



A grande imprensa conservadora e os gestores do capital financeiro receberam com alvíssaras a notícia do corte de R$ 50 bilhões nos chamados “gastos de custeio” do orçamento. Contingenciamento de verbas ministeriais e de emendas parlamentares, suspensão de nomeações no executivo e de concursos foram o mote deste anúncio.

Por Renato Rabelo*, em seu blog

A “grande notícia do dia” foi o objetivo de alcançar a meta de crescimento dos “gastos” governamentais abaixo da previsão de aumento do PIB para este ano, algo inédito desde o início do segundo mandato do presidente Lula. Logo, segundo os conservadores de plantão, mais uma “nefasta herança” do antecessor a ser superada e comemorada.

Trata-se do objetivo dos setores neoliberais representados na mídia e no pensamento econômico dominante de isolar Dilma Rousseff de qualquer relação de continuidade com o governo anterior, numa evidente tentativa de isolá-la e consequentemente enfraquecê-la durante o curso da luta política. Desconstruir o governo Lula na ponta do processo significa a própria desconstrução do governo que está aí. Declarações de gente da administração do estado, de transformar em “mantra” governamental a “eficiência dos gastos”, além de fazer coro com a alternativa derrotada nas eleições de 2010, não ajudam em nada neste sentido.

Mas o momento exige serenidade e observação. Não vamos cair numa armadilha palmilhada pela própria oposição sem discurso. A essência da contenção fiscal anunciada é meramente política, pois do ponto de vista da economia é muito difícil acreditarmos que os graves problemas da nação estão em vias de solução com a transformação em “mantra” da política de “eficiência de gastos”. Sob outra ótica, temos de estar atentos para a forma como politicamente podem ser tratados aqueles que se opõem a esse ajuste. O terrorismo e o apelo para não voltar a um passado inflacionário deve ser enfrentado com argumentos sólidos. A verdade é que ninguém deseja crescimento com inflação. Mas, a vontade humana não pauta o movimento de rotação da Terra. Porém, o planejamento em todos os níveis pode sim determinar meios e maneiras progressistas ao enfrentamento de contradições anexas ao processo de desenvolvimento. Entre tais contradições está, também, a inflação.

Por exemplo, o objetivo é de baixar a relação dívida x PIB que atualmente é de 40%, como forma de atingir o “objetivo estratégico” de ter “crescimento sem pressões inflacionárias”. Duas realidades externas podem servir de parâmetro. Índia e China, dois dos países que mais crescem no mundo, tem dívidas públicas em relação do PIB da ordem, respectivamente de 58% e 50%. São países que também enfrentam ciclos de alta inflacionária e nem por isso se colocam diante da necessidade – para enfrentar a inflação – de rebaixar suas taxas de investimentos (também com relação ao PIB médio entre 2003 e 2009) de 34% (Índia) e 44% (China). Essa mesma relação no Brasil não passa, há anos, da casa dos 20%. Trabalhando apenas com essas variáveis, podemos polemizar, apontando que o problema da inflação e da busca por desenvolvimento sustentável no longo prazo não está no trato com o gasto público em si. O problema está na variável investimento, pois no horizonte o que a realidade e a história demonstram que aumento da taxa de investimento significa maior crescimento do PIB e, consequentemente, capacidade de dispor de uma dívida pública nos limites do suportável.

Já sobre a discussão específica sobre os gastos públicos e sua eficiência, é importante frisar que o apelo para esta discussão como uma fronteira entre “bem” e “mal” carrega grande dose de perigo. O debate amplo de ideias neste quesito deve ser precedido de um embate em torno do conjunto do orçamento da União e não sobre a parte voltada, do orçamento, para investimentos e gastos de custeio. Discutir o conjunto do orçamento levará a percepção da verdade sobre a natureza do gasto público de nosso país: em média nos últimos oito anos 30% deste mesmo orçamento está voltado para as obrigações do Estado para com os juros da dívida pública.

Os aumentos dos juros levam ao crescimento geométrico da dívida pública. Quem ganha com isso? A questão a ser levantada aos defensores da transformação da “eficiência dos gastos” em “mantra” está na necessária explicação dos motivos da não entrada destes gastos com juros no pacote de arrocho fiscal. É por isso que argumento que a opção pelo ajuste tem natureza intrinsecamente política e não técnica, pois são interesses políticos que sustentam a própria naturalização e irreversibilidade deste repasse de recursos públicos do Estado para o sistema financeiro.

A discussão é longa e o debate deve ser aprofundado. Sair da superfície, analisando o destino de todo o conjunto do orçamento nacional é um interessante ponto de partida para uma necessária politização do debate. Politização capaz, também, de colocar no centro da discussão o próprio papel cumprido pela atual política monetária no processo de utilização do orçamento da União para fins mais nobres do que limpo e repasse de grande fatia deste dito orçamento para uma minoria ínfima da população detentora dos títulos da dívida pública.

*Renato Rabelo é presidente nacional do PCdoB