Antes de mais nada, uma advertência ao caro leitor: o objetivo deste artigo não é defender a classe política. Longe disso. Sou, como a grande maioria dos brasileiros, um crítico ácido das más práticas do Executivo e do Legislativo. Não sem motivos. Grande parte dos nossos representantes faz jus, com todo mérito, à execração pública.
Este artigo é, somente, um convite à reflexão sobre a autoridade moral dos brasileiros que condenam a corrupção na política. O texto sugere uma autocrítica sobre a prática, brasileiríssima, de evocarmos certos princípios da moralidade pública para colocarmos o dedo na ferida dos nossos homens públicos sem, antes, curarmos nossas próprias chagas no campo da ética e da decência. Isto tem um nome, em bom português: falso moralismo.
Este artigo é, somente, um convite à reflexão sobre a autoridade moral dos brasileiros que condenam a corrupção na política. O texto sugere uma autocrítica sobre a prática, brasileiríssima, de evocarmos certos princípios da moralidade pública para colocarmos o dedo na ferida dos nossos homens públicos sem, antes, curarmos nossas próprias chagas no campo da ética e da decência. Isto tem um nome, em bom português: falso moralismo.
O que nos inspirou a escrevê-lo foi um episódio ocorrido em Curitiba, na semana passada, relatado pelo meu irmão de idiossincrasias Antonio Eduardo Loureiro Duarte – um daqueles sujeitos de mente aberta que não se conformam com o conservadorismo, a estupidez e a mediocridade com os quais topamos, todo dia.
Em um e-mail recheado de fotos, comprovando sua denúncia, Eduardo relatou que um caminhoneiro estacionou uma carreta com placa de Cascavel (PR) – propriedade de uma transportadora que presta serviços à AmBev – em local totalmente proibido em um trecho da rua João Negrão. O veículo ocupou, de uma só vez, todas as vagas da rua dedicadas a idosos, cadeirantes e motos. A transgressão foi denunciada por meio de sucessivas reclamações ao telefone 156 (da Prefeitura de Curitiba), sem o menor sinal de sucesso. Desnecessário dizer que, por conta disso, os idosos e cadeirantes que realmente queriam ocupar as vagas não puderam fazê-lo.
Nada contra a classe dos caminhoneiros. Essa gente merece nosso respeito porque o seu ganha-pão é árduo. Consiste em encarar péssimas estradas e os assaltos – dos ladrões e dos pedágios. Por isso, o sujeito que cometeu esta molecagem pode ser até um cidadão boa praça, do tipo que gosta de servir churrasco e cervejinha gelada para a família e os amigos, no domingo.
Prefiro acreditar, porém, que o seu completo descaso com os idosos e cadeirantes enquadra-o na categoria dos falsos moralistas. O típico cidadão que adora criticar os políticos, mas, na vida privada, muitas vezes age de forma igual (ou pior) que eles.
Não rouba, como muitos políticos. Mas, como considera que todos eles são iguais (ou seja, corruptos e carreiristas), não dá a menor importância ao ato de votar e, por isso, costuma escolher corruptos como seus representantes. Não usa a máquina pública em benefício próprio, mas também não hesita em furar a fila no banco ou roubar a vaga de um cadeirante na rua porque entende que, no vale tudo da vida, justifica-se que o interesse privado sobreponha-se ao público. O que importa, afinal, é levar vantagem.
Antes de concluir, façamos justiça ao jornalista que inspira o título deste artigo. Trata-se de Cláudio Abramo, um dos meus ícones da profissão. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo de 14 de novembro de 1985, Abramo fez uma vigorosa crítica ao modo como certos atores sociais trataram o então senador Fernando Henrique Cardoso após suas declarações à imprensa sobre a maconha. Por causa disso, FHC foi classificado de “maconheiro” pelos seus adversários.
O Fernando Henrique Cardoso de hoje presta, ele próprio, relevantes serviços ao falso moralismo quando aponta nos governos do PT equívocos que ele mesmo cometeu durante os oito anos em que foi presidente da República. Mas não consta que tenha sido, algum dia, maconheiro.
Abramo atacou esta prática porque as críticas a FHC partiram não de cidadãos isentos e de bem, mas de uma sórdida tentativa dos setores mais conservadores da sociedade de destruir a imagem do então senador em benefício da candidatura do histriônico Jânio Quadros. Tudo porque ambos concorriam à Prefeitura de São Paulo e estes setores queriam fazer do homem da vassoura (seu mais legítimo representante) prefeito da capital paulista. Conseguiram.
Jânio assumiu o mandato em 1º de janeiro de 1986 e permaneceu no leme do município até 1º de janeiro de 1989. Deu no que deu. Entre outras bizarrices, proibiu jogos de sunga e o uso de biquínis fio-dental no Parque do Ibirapuera, obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos supostamente homossexuais e – a mais notória ação – determinou o fechamento de oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, porque considerava-o um “desrespeito” à fé cristã.
Por conta do maquiavélico cinismo que marcou o episódio envolvendo FHC e Jânio, Claudio Abramo intitulou seu artigo de “Somos todos maconheiros”, afirmando que todos deveríamos ser classificados desta forma por permitir que se cometessem injustiças como esta sem, no entanto, condenarmos a inexistência de autoridade moral dos mentirosos.
Abramo não está mais entre nós. Mas certamente renovaria os termos do seu artigo se constatasse que, de fato, não somos mais apenas “maconheiros”. Muitas vezes, somos mais que isto. Somos, também, “falsos moralistas”.
*Aurélio Munhoz é jornalista
Fonte:CartaCapital
Um comentário:
E as atitudes tomadas pelo tungano Zé-bolinha-baixaria contra a Dilma, durante a última eleição, não foi a mesma que tomaram contra o "maconheiro" FHC???!
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