Na festa de Carta-Capital do ano passado, realizada entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial para celebrar o aniversário da revista e entregar os troféus das Empresas Mais Admiradas no Brasil, na minha fala de boas-vindas aos convidados me atrevi a confrontar os governos Lula e FHC. E me coube constatar a verdade factual: o mensalão, como propina mensal a parlamentares variados, não foi provado. Um murmúrio estrondoso de desaprovação elevou-se da plateia e algumas pessoas deixaram precipitadamente o recinto.
Leitores, telespectadores e ouvintes da mídia nativa acreditam cegamente no mensalão na versão apresentada por editorialistas, colunistas e perdigueiros da informação. Não percebem que o crime cometido no episódio por larga porção do PT é tão grave quanto o seria o mensalão conforme a pretensa denúncia de Roberto Jef-ferson. Não é que este enredo chamusque apenas o partido, ustiona-o no grau mais elevado e deixa uma cicatriz irreversível.
Quem se entrega às fantasias do jornalismo pátrio não se dá conta de outro logro, sem falar de má-fé de muitos, inclusive alguns que se dizem de esquerda: o mensalão é um biombo desdobrado para encobrir a ação, continuada e infelizmente eficaz, do grande corruptor, o banqueiro Daniel Dantas.
Pergunto aos meus céticos botões por que a revista Época decidiu dissertar a respeito do relatório da Polícia Federal sobre o valerioduto e suas consequências. Gargalham sinistramente ao registrar o esforço insano da semanal da Globo para colocar na ribalta o chamado mensalão pretendido por seis anos a fio e para relegar a um brumoso bastidor a figura do banqueiro orelhudo do Opportunity.
Com quanta desfaçatez a mídia nativa manipule o noticiário é do conhecimento até do mundo mineral. A verdade factual é outra (e CartaCapital em vão a apresenta desde 2005) e soletra a seguinte situação: o dinheiro do Opportunity irriga a horta petista por intermédio do valerioduto sem que isto implique pagamentos mensais a parlamentares.
Dantas sempre soube quais as hortas a serem regadas, daí ter começado pela tucana à sombra de FHC, para ser premiado na hora das privatizações. Ao se concluir, o enredo encena um jantar com o presidente e príncipe dos sociólogos em 2002, destinado a traçar os caminhos do futuro. O banqueiro acabava de regressar de Cayman, onde guarda e põe a fermentar as contas secretas de inúmeros graúdos. No dia seguinte, FHC trocou as diretorias dos fundos de pensão, que até então eram entrave poderoso aos negócios dantescos.
O tucanato foi bom parceiro também no plano regional. O ensaio do caso nacional levantado pelas acusações de Jefferson deu-se, como se sabe, em Minas Gerais, quando do governo Azeredo. A bandalheira foi provinciana, contudo opulenta. De todo modo, há jantares e jantares. Significativo aquele de cardápio árabe servido na residência brasiliense do então senador do DEM Heráclito Fortes, em plena crise do mensalão. Confraternizaram no quibe e no charuto de uva Daniel Dantas, grande amigo do anfitrião, e o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, acompanhado pelos organizadores da tertúlia, os deputados José Eduardo Cardozo e Sigmaringa Seixas.
Mas quem se incomoda com isso? Quem se aventura a ilações aparentemente obrigatórias? E quem abre os olhos diante de uma estranha operação que levou Marcos Valério e, em oportunidades distintas, outras figuras do PT e do PTB, inclusive Delúbio Soares, a Lisboa quando Dantas quis vender a Telemig à Portugal Telecom? E quem se indigna se Gilmar Mendes solta no espaço de 24 horas dois habeas corpus para pôr em liberdade o banqueiro preso por obra da Satiagraha, e logo secundado pelo ministro Nelson Jobim, exige do presidente Lula, “chamado às falas”, o afastamento imediato do delegado Paulo Lacerda- da direção da Abin? Réu por ter colaborado com o delegado Protógenes para suprir a falta de apoio da própria PF entregue ao seu sucessor, Luiz Fernando Corrêa. E quem se surpreendeu ao saber que o atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foi à Itália como advogado de Dantas ainda no seu tempo de parlamentar para contribuir à tentativa, fracassada, de provar que quem iniciou a guerra dos grampos foi a Telecom Italia?
Intermináveis perguntas se escancaram em busca de esclarecimentos a respeito de outras tantas situações suspeitas, para usar um adjetivo brando. Mas, se há jantares e jantares, há ministros e ministros. O da Justiça à época da Satiagraha, Tarso Genro, telefonou no dia da primeira prisão de Dantas, logo de manhã para me dizer eufórico: “Viu o que a gente fez, prendemos o Dantas”. Aquela ligação até hoje me deixa boquiaberto. Talvez Genro estivesse a navegar na névoa, como um barco escocês ao largo de Aberdeen, em uma madrugada invernal, e sem apito. Sobra a evidência clamorosa: Dantas conhece a fundo os podres da República, e isso o torna, por ora pelo menos, invulnerável.
Foto: Glaucio Dettmar
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário