sexta-feira, 6 de maio de 2011

Obama perdeu a capacidade de contar uma história convincente


A primeira imagem que muitos norte-americanos tiveram de Barack Obama foi a de um grande contador de histórias. Seu discurso de 2004 no Comitê Nacional Democrata foi de uma oratória memorável, que associou sua narrativa pessoal complexa, multirracial, de costa a costa, internacional, a uma identidade nacional mais ampla - que ele descreveu afirmando: "Em nenhum outro país da Terra minha história é possível."


Por Melissa Harris-Perry, no The Nation


Quatro anos depois, a campanha de 2008 "Obama for America" fez história retórica repetidamente com o discurso "Yes We Can" (Sim, nós podemos) em New Hampshire, o discurso racial "More Perfect Union" (União mais perfeita) na Filadélfia, a memorável aceitação da nomeação no Comitê Nacional Democrata e, é claro, o extraordinário discurso de novembro no Grant Park, em Chicago.

O candidato Obama teve a habilidade de contar uma história dos Estados Unidos que capturou os esforços, a grandeza, as realizações e o triunfo nacionais sem ignorar as lutas, decepções, desavenças e perdas. Considerem, por exemplo, a noite em que ele foi eleito presidente dos Estados Unidos. Barack Obama contou uma história sobre uma mulher afro-americana, Ann Nixon Cooper. Cooper estava com 106 anos, morava na Geórgia e apoiava sua candidatura com veemência. Ela nasceu em 1902, uma época que o presidente eleito Obama descreveu como "apenas uma geração após a escravidão; uma época em que não havia carros na rua ou aviões no céu, quando alguém como ela não podia votar por dois motivos - porque era mulher e por causa da cor de sua pele". Ao longo da vida, Cooper foi ativista pró-direitos civis, líder comunitária, mãe e esposa.

Ao marcar o momento de sua vitória histórica, Barack Obama escolheu Cooper como a lente pela qual mostrar a história dos Estados Unidos. Ele ligou a história pessoal da mulher ao arco da história da nação e ao futuro incorporado em suas próprias filhas afro-americanas. Nunca antes um presidente havia nos convidado a enxergar nossa história nacional pela lente de uma mulher negra sem direitos, mas, ao fazê-lo, Obama nos ofereceu um modo de compreender nossa história nacional como uma história enraizada na inclusão crescente e na ação governamental em nome da igualdade.

Qualquer que seja o juízo sobre os resultados da política externa e doméstica dos últimos dois anos, está claro que o governo Obama perdeu a capacidade de contar uma história convincente.

Muitos progressistas ficaram esperando o grande contador de histórias surgir durante o verão do debate sobre a reforma do sistema de saúde. O Tea Party efetivamente reescreveu a história norte-americana ao equiparar os esforços de um governo eleito com entusiasmo para aprovar uma reforma com mandato popular à luta fundadora contra uma monarquia opressora. Mas houve poucas histórias eficazes, penetrantes, sobre norte-americanos que precisavam, queriam e apoiavam a reforma. Os democratas se mostraram incapazes de ligar a reforma da saúde às grandes tradições norte-americanas de responsabilidade cívica ou atenção aos vulneráveis.

Fracassos similares de narrativa têm sido notórios durante a atual batalha do orçamento. Mais uma vez, os elementos extremistas do Partido Republicano conseguiram contar as histórias mais compreensíveis e convincentes. Os republicanos martelaram a ideia de que o orçamento nacional deve espelhar os orçamentos familiares. "Quando as coisas ficam difíceis", diz o partido, "as pessoas têm de apertar seus orçamentos. O governo norte-americano deveria fazer o mesmo." Esta é uma história persuasiva. As pessoas a ouvem e pensam: "Sim, sim, eu cortei a conta de minha TV a cabo, cancelei minhas férias e comecei a reduzir o consumo; o governo deveria fazer o mesmo." Isto é uma falsa equivalência.

Orçamentos familiares não são a mesma coisa que orçamentos nacionais. Na verdade, esta narrativa ofusca a razão pela qual os norte-americanos estão apertando os cintos - porque as políticas fiscais fracassadas e míopes dos governos republicanos deixaram nossa economia à beira do desastre. Ao contar a história dessa maneira, os republicanos fogem do ponto principal, de que os numerosos cortes de impostos redistribuíram a riqueza para o 1% do topo da pirâmide, mas não conseguiram fomentar o crescimento do emprego. Eles ignoram que o desinvestimento em subsídios educacionais tornou a faculdade mais cara para os norte-americanos. Eles ignoram que sua desregulamentação das práticas de empréstimo privaram milhões do sonho americano. O governo (sob direção republicana) criou uma confusão para as famílias norte-americanas e tem uma obrigação ética de enfrentá-la. Pedir que os cidadãos pobres, inválidos e idosos sacrifiquem necessidades básicas para garantir as escolhas extravagantes de seus vizinhos mais ricos é profundamente antiamericano. Em minha casa, quando alguém faz bagunça, nós arrumamos. Quando alguém fica doente, cuidamos. Quando alguém precisa de dinheiro, emprestamos. Todas essas realidades básicas são ofuscadas pela boa história sobre os orçamentos familiares e a responsabilidade fiscal.

E não posso deixar de mencionar a mais nociva narrativa dos trovadores da direita: o "nascimentismo".

O Partido Democrata não tem conseguido combater essas ficções bem elaboradas. A narrativa fraca dos democratas terá consequências de longo prazo. É um erro pensar que falsos enredos são facilmente esquecidos ou podem rapidamente ser derrubados pela simples recitação de fatos compensatórios. A atual leitura da Guerra Civil é um exemplo perfeito. A reconstrução foi um esforço efêmero e os confederados ganharam permissão para (re)escrever a história da Guerra Civil de seu próprio ponto de vista. Assim, os estados sulistas ainda hasteiam a bandeira dos traidores e as crianças ainda aprendem na escola que se tratou da "Guerra da Agressão do Norte".

E então, o que devemos fazer? É hora de retomar a narrativa. Hora de contar nossas histórias.

Uma organização que mantém um compromisso justamente com esse tipo de narração efetiva, progressista, é A Agenda da Oportunidade. Recentemente, o grupo comemorou seu quinto aniversário. Seu trabalho se concentra em contextualizar nossas questões nacionais urgentes na linguagem e na narrativa dos valores e indentidade norte-americanos compartilhados. O Instituto de Comunicação da Agenda da Oportunidade trabalha com líderes sem fins lucrativos para lhes oferecer treinamento abrangente em uma variedade de habilidades de comunicação, incluindo contextualização e desenvolvimento de narrativa, uso de pesquisa de opinião pública e mídia e escrita persuasiva. Os líderes comunitários têm uma clara compreensão de nossos desafios e importantes ideias sobre como resolver esses problemas, mas às vezes carecem da habilidade de transmitir essas informações em histórias memoráveis e convincentes. A Agenda da Oportunidade trabalha para construir nossa capacidade de questionar as falsas narrativas da direita e oferecer nossas próprias histórias significativas, substanciais e envolventes.

Este é um dos esforços cruciais para retomar o espaço público e contar nossas histórias. Precisamos de muitos outros.

Fonte: Opera Mundi

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