Semana passada o mundo reverenciou um casamento como se fosse o maior acontecimento do século. Aliás, a mídia mundial adotou esta exata denominação: “príncipe William e Kate Middleton protagonizaram o casamento do século”.
Vendo aquele boneco embrulhado no uniforme militar, descendente de tantos reis e rainhas, fiquei imaginando quanto sangue derramaram em terras alheias os soldados ingleses em nome daquela família e da longa trajetória do Império Britânico, suas centenas de colônias e ex-colônias espalhadas por, praticamente, todo o planeta. Às custas de quanta infelicidade, história afora, aquela côrte e seus convidados emplumados festejavam um acontecimento tão insignificante no suntuoso Palácio de Buckingham?
Na falta de algum sentido para a cobertura maciça de toda aquela parafernália, a mídia esmiuçou detalhes que iam desde a famosa precisão britânica (milímetros e milissegundos obsessivamente ensaiados e cronometrados), passando pela confecção do vestido da noiva (que custou o equivalente a 80 mil reais) e os costureiros que lavaram as mãos de hora em hora enquanto bordavam-lhe as rendas. Descobriram ainda que o príncipe tomou a noiva com o braço esquerdo para que a mão direita ficasse livre, caso fosse necessário desembrenhar a espada… Quer dizer: nem durante o próprio casamento se esquecem de suas armas de guerra!
Convenhamos: em pleno século 21, reis, príncipes, condes, barões, duques e todas suas versões femininas… vivem numa fantasia tão real quanto um desenho da Disney. Tantos títulos, tanta vaidade para uma gente absolutamente inútil. Como conseguem dormir nos colchões de sua pomposidade enquanto um terço da humanidade vive em estado de absoluta miséria?
Ainda tem o machismo inglês. É até compreensível, embora repulsivo, que o brasileiro comum seja machista – por conta da educação distorcida que recebeu ou pelo ambiente onde foi criado. Mas um cara que estudou história da arte nas melhores escolas do mundo – nascido, é verdade, no seio de uma realeza hipócrita, mas farta de cultura – reduzir a noiva a um objeto de sua propriedade diante das câmeras do mundo inteiro? Por que só ela recebe anel de casamento? O anel é uma coleira de dedo com a qual o príncipe tomou a princesa para si até que a morte os separe. Ela passa a lhe pertencer, mas Ele não tem dona, certo? Como o pai dele, os príncipes podem trair as esposas ostensivamente. Podem reduzí-las a bonecas decorativas nas festas e cerimoniais sociais e a um ventre gerador de herdeiros na cama. E o pior de tudo é que a moça sequer falou um “a” para mostrar que é um ser pensante!
A nobreza inglesa não gostava e não aprovava a mãe de William, princesa Diana. Porque ela chutou o balde da falsidade real e foi ser útil na vida de alguma forma. Trabalhou por diversas causas humanitárias. Fez-se fotografar com bebês africanos subnutridos no colo para denunciar a fome e o abandono de ex-colônias saqueadas. Fez campanha contra a discriminação dos aidéticos e assumiu publicamente o rompimento com o marido adúltero. Qual a diferença entre o tratamento dado às esposas pelos príncipes da côrte inglesa e pelos tiranos árabes? A hipocrisia. O machismo do príncipe é fantasiado de conto de fadas. Já os árabes são poligâmicos assumidos.
E os “plebeus” – meros figurantes amontoados em volta do castelo e vibrando a cada movimento dos “reais de sangue azul”? Incorporam sua inferioridade e não contestam a exploração, o escravagismo e toda a barbárie colonizante cometida em nome da coroa inglesa durante séculos. Toni Blair e Margaret Thatcher ajudaram sua ex-colônia, os EUA, em várias ações militares de opressão e genocídio. Desde o Vietnã até o Iraque, passando por inúmeros atos de guerra em todos os continentes. Em 1982, os navios ingleses navegaram por uma semana até chegarem aqui, na América do Sul, para restabelecer sua soberania sobre as Ilhas Malvinas (que ainda chamam de Falklands). Deixaram um saldo de duas centenas de argentinos mortos, subiram sua bandeira ao mastro e seguiram viagem de volta ao reino. O exército inglês talvez seja o mais sanguinário de toda a história. Mesmo agora – enquanto William e Kate desfrutavam sua lua de mel envoltos em lençóis de seda – seus soldados estão matando gente na Líbia.
Em 1965, os Beatles foram condecorados com a MBE – medalha do Members of the Most Excellent Order of the British Empire – por essa mesma rainha, avó do príncipe William. 4 anos depois, John Lennon devolveu (veja aqui) a medalha ao reino. Foi sua maneira de protestar pelo envolvimento da Inglaterra na guerra do Vietnã e pelos conflitos em Biafra, a colônia que lutava por sua independência.
Depois de toda essa baboseira do casamento real, fiquei mais certo ainda: da Inglaterra, prefiro sua literatura e sua música. Nobres de verdade, por exemplo, foram William Shakespeare, George Orwell, os Beatles, Pink Floyd, Queen, Police… e tantos outros ingleses que contribuíram para o mundo ser um lugar melhor de se viver.
Fonte:O que será que me dá?
2 comentários:
Excelente e completo artigo. Parabéns ao escritor.
Pois é, Roni escreve muito bem.Abraços.
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