segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A luta contra a corrupção desanima

Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico - 01/08/2011

Escolhi um título que pode somar vários e até distintos significados. Na verdade, a corrupção nos desanima porque, embora a opinião pública a tolere cada vez menos, e tenhamos visto a demissão de vários acusados de mal-feitos, no Brasil e no mundo, restam três grandes problemas.


O primeiro é a suspeita de que o desvio de dinheiro público esteja crescendo, em vez de diminuir. Falo em suspeita e não em certeza, porque a corrupção, quando bem conduzida, não deixa traços. O tempo todo, lemos denúncias de atos corruptos, mas geralmente se trata de casos pequenos ou que foram descobertos devido a erros primários. É possível que os grandes corruptos jamais deixem impressões digitais. Para dar um exemplo: os sistemas de controle do governo federal checam se o funcionário pagou 8 reais por uma tapioca, mas dificilmente descobrem se ele foi subornado.


Em nossos dias, aumentaram a transparência dos gastos públicos e a indignação com os atos de corrupção. Isso é bom. Na ditadura, vivia-se a euforia com obras faraônicas e o sigilo das contas estatais. Mesmo assim, muitos pensam que a corrupção teria aumentado de lá para cá. Para além da questão factual, difícil de responder, fica a sensação de que algo está errado no regime democrático - se este efetivamente, aqui como na França, Estados Unidos e Itália, não consegue pôr fim à corrupção em larga escala.


Também é grave um segundo ponto: a percepção de que castigo, mesmo, não ocorre. Corruptos não devolvem o dinheiro, não são presos nem sofrem penas maiores. Assistimos agora a uma sucessão de denúncias sobre o governo federal. Dois ministros já caíram, sob a suspeita de práticas não-éticas. Ignoramos se houve mesmo corrupção. Não dispomos de provas para condená-los. Mas a opinião pública sentiu-se informada o bastante para se indignar com suas ações e lhes negar a legitimidade ética, que um homem público deve ter como um de seus maiores capitais. Daí, a demissão deles. Contudo, na série ininterrupta de denúncias que vem desde o governo Collor, passando pelos episódios da reeleição e da privatização das teles (governo FHC) e chegando ao mensalão (governo Lula), o fato é que pouquíssimos, se é que alguns, foram realmente condenados e/ou devolveram o dinheiro desviado. Tudo isso faz pesar, sobre o ambiente político, grande descrédito.


Mas o mais grave é o terceiro ponto. Nos parágrafos anteriores, supus uma clara divisão clara entre a minoria de corruptos ("eles" ou, nos debates políticos, "vocês") e a maioria de gente decente ("nós", "nós", "nós"). Ora, cada vez me convenço mais, lendo as manifestações contra a corrupção, de que a grande maioria delas emana de pessoas absolutamente indiferentes à corrupção. "Nós" não estamos nem aí para a corrupção. "Nós" queremos é instrumentalizá-la para fins políticos. Na maior parte dos casos, o que se lê são acusações severas a corruptos, que imediatamente são ligados a um partido. A bola da vez é o PT, mas poderia ser qualquer agremiação. Como ele tem o governo federal e conta com a oposição de vários grandes jornais, é alvejado. Mas lembrem que Alceni Guerra (PFL), ministro de Collor, e Ibsen Pinheiro (PMDB), que presidiu a votação de seu impeachment, tiveram as carreiras políticas truncadas por acusações falsas de corrupção.


O uso da corrupção como álibi para atacar o outro mostra, não só uma cabal despreocupação com as provas dos malfeitos, mas também um completo repúdio a investigar toda denúncia que afete os políticos do "nosso" lado. Se alguém diz que é preciso apurar todas as denúncias de corrupção, custe o que custar, sofre prontamente um ataque de "nós". Vi a revolta de um facebooker porque um jornalista reputado, discutindo o superfaturamento de obras públicas, pediu em seu blog que também fossem investigados casos do governo paulista. Ora, para o indignado seletivo, a corrupção só valia contra a política petista. O que ele condenava não era a corrupção, era o PT. Se a corrupção fosse de outro partido, não cabia investigá-la.


O que é particularmente grave nessa atitude, que está longe de ser rara? É o descaso pela honestidade. Se a corrupção serve apenas para atacar o outro, é porque falta real empenho em combatê-la, em separar o público do privado. O Executivo federal luta no Congresso para evitar CPIs sobre denúncias de corrupção no governo - mas o mesmo acontece com o governo paulista, que aprovou na assembleia CPIs ridículas, para impedir que se apurem acusações a ele. Pelo menos, desde 2003, os procuradores-gerais da República não hesitam em acusar líderes governistas, como no caso do mensalão. Dizia-se, no governo FHC, que o procurador-geral só engavetava acusações. Infelizmente, a corrupção não é monopólio de nenhum partido. Nem a ética.



Diante disso, nosso quase esquecido Rui Barbosa o que diria? Talvez que, "de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos homens, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto." Porque, aqui, não há meio termo. Ou condenamos a corrupção, ou somos seus cúmplices. Condená-la é condenar todo ato de corrupção, é exigir sua apuração, seja qual for o partido ou o governo que a pratique ou tolere. Quem é seletivo é conivente. E, dado que citei o brasileiro que talvez tenha escrito mais difícil em nossa história, a ponto de hoje ser pouco lido porque não se entende o que ele disse, posso terminar indo para o outro lado, o da telenovela, e dizer que na novela "Insensato coração" é muito bom o nome do blog do jornalista Kleber Damasceno, "Impunidade zero". É disso que precisamos.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

2 comentários:

J. Carlos/Aju disse...

Terror, Mais um prefeito do DEMo envolvido em corrupção, mas veja que a imprensa local segue o mesmo padrão do PIG omite o partido quando se trata do DEMO/PSDB/PPS.
Gilson dos Anjos é condenado por improbidade
Prefeito e ex-prefeito da Barra dos Coqueiros são condenados em ação de improbidade administrativa
MPF/SE
O prefeito da Barra dos Coqueiros, Gilson dos Anjos e o ex-prefeito do mesmo município, Airton Martins, foram condenados por improbidade administrativa pela contratação, sem concurso público, de agentes de endemia para o combate à dengue. A ação que resultou na condenação foi movida pelo Ministério Público Federal em Sergipe em 2009.
Gilson dos Anjos foi condenado a perda do mandato e suspensão dos direitos políticos por cinco anos, além da proibição de realizar contratos com o poder público e receber benefícios e incentivos fiscais. Já o ex-prefeito Airton Martins teve os direitos políticos suspensos por três anos e a mesma pena de proibição de realizar contratos com o poder público e receber benefícios e incentivos fiscais. As penas serão executadas após o trânsito em julgado da ação.
De acordo com o procurador da República Silvio Amorim Junior, que assinou a ação, os agentes foram contratados para efetuar serviços de combate à dengue. O procurador responsável pela ação ressalta que, apesar de a doença requerer ações permanentes por parte dos órgãos públicos, os gestores de Barra dos Coqueiros contrataram temporariamente os profissionais, ao invés de realizar concurso público, sem haver caráter excepcional que justificasse a contratação.
A legislação, tanto federal quanto municipal, estabelece que esse tipo de contratação pode ser feita por um prazo máximo de dois anos, mas alguns dos contratos foram permanentemente renovados pelo município, e alguns agentes de endemias permaneceram vinculados à Prefeitura por quase seis anos.
O juiz federal Fábio Cordeiro de Lima ressalta, na sentença, que os réus têm penas diferentes porque Gilson dos Santos manteve a contratação irregular dos agentes por toda sua gestão e descumpriu um termo de ajustamento de conduta sobre o tema enquanto a gestão de Airton Martins teve agentes de endemia contratados indevidamente em sua gestão por dois anos.
Os réus já recorreram da decisão ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5).

Anônimo disse...

Ex-ministro "faxinado" volta como senador e avisa que vai ligar corrupção com eleição da "Mãe do PAC"

Houve um tempo em que tudo era só sorrisos. Muito antes da campanha eleitoral, Lula, Dilma e Nascimento viviam de braços dados pelo Brasil, inaugurando obras inacabadas. Nunca se gastou tanto para eleger uma presidenta na história deste país. Nessa época ela era a Mãe do PAC. Hoje, virou a Tia da Faxina. E está varrendo para fora do governo aqueles aliados mais fiéis, que a ajudaram a virar presidente: os amigos do peito do Lula. Foi no Amazonas de Nascimento que Dilma teve a maior votação do país. Por culpa de Dilma, Nascimento, que lhe deu a maior vitória no país, virou vilão. Fala, Nascimento. Conta tudo! Não esconda nada!