Acredito que muitos dos chamados “ditados populares” não foram feitos pelo povo, mas para o povo, sendo construções verbais que o poder impõe aos dominados, muitas delas com fins amortecedores, pregando a passividade, a docilidade. Chico Buarque, na música “Bom Conselho”, promoveu a desconstrução de diversos ditos dessa natureza, em humorada - mas séria - pregação de posturas exatamente opostas.
O que podemos dizer de frases como “quem espera sempre alcança”, ou “os últimos serão os primeiros”, ou mesmo “devagar se vai ao longe”, senão que acabam sendo mensagens de apologia à inércia, à inação? Como entender ditos como “em boca calada não entra mosca” ou “a palavra é de prata, o silêncio é de ouro” , entre outros da espécie, a não ser como um convite à omissão, ao conformismo? Será que, realmente, ”mais vale um pássaro na mão do que dois voando”? Afinal, mais vale a prisão do que a liberdade?
Um desses ditados, que ilustra, a meu ver, de forma indiscutível, o discurso do poder e do autoritarismo que, certamente, não emana do povo é o “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Lembrei-me dele ao acompanhar o recente noticiário sobre o Irã e o desenvolvimento de sua tecnologia nuclear. As notícias abrangem desde os testes de mísseis de longo alcance que aquele país estaria promovendo até a possibilidade da produção da bomba atômica iraniana. Os mísseis poderiam alcançar Israel e a bomba atômica seria um perigo planetário. Diante disso, o pensamento “pacifista” do Ocidente, indignado diante de tal possibilidade e capitaneado pelos Estados Unidos, já fala em ações de retaliação, que iriam do bloqueio econômico ao Irã até ... o bombardeio do inimigo com armas mais poderosas !
Dentre os países do planeta, apenas os Estados Unidos, até agora, explodiram a bomba atômica, nos terríveis episódios de Hiroshima e Nagasaki. E Israel ignora o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, assinado por 189 países (inclusive o Irã), pelo qual as nações se comprometem a não desenvolver ou comprar armas atômicas e a se submeterem a inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, na hipótese de possuírem um programa nuclear com fins pacíficos. Além disso , o Estado israelense se nega a comentar a existência de seu reator nuclear (em Dimona, sul do país) e não confirma nem desmente a posse de armas atômicas.
Afinal de contas, trata-se de ser contra a proliferação das armas nucleares ou de ser contra a possibilidade de alguns países possuírem tais armas? Se as bombas atômicas forem dos EUA, da Rússia, da França, da Inglaterra, da China, Índia ou Paquistão, sua explosão será menos mortífera, menos desumana, menos desgraçada? Serão legitimadas em nome de que, a que propósito?
Uma atitude séria a respeito desse assunto teria que passar pela extinção imediata e absoluta de todas as armas nucleares do planeta. Qualquer outra será hipócrita e estará escondendo maus propósitos. Ninguém pode exigir de outrem uma postura que não pretende ter, um “faça o que eu digo, mas não o que eu faço””. Alguns países que combatem as armas iranianas possuem, hoje, os mais poderosos armamentos de destruição , mas pretendem convencer o mundo, de forma maniqueísta, que as suas bombas são do bem, para o bem, e as demais – existentes ou hipotéticas - são do mal. Mas como acreditar nisso, diante do que hoje vislumbramos no mundo, quando, por força das armas de que dispõem, essas potências interferem acintosamente no destino de outros povos e vão deixando um rastro infindável do sangue de civis inocentes? Afinal, onde estão os arsenais de guerra do Iraque, as armas que justificaram a invasão daquele país e já produziram, até agora, cerca de 150 mil mortes?
A Humanidade não pode dar um cheque em branco a qualquer país, em termos de armas nucleares. Não pode fazê-lo, é certo, em relação ao Irã. Nem pode fazê-lo, por coerência, em relação a qualquer das potências que já possuem a bomba. A não ser que, de forma fundamentalista, considere que a destruição de certos povos por outros será uma ação do bem. Se o Irã não pode ter a bomba, convenhamos, Israel também não deveria tê-la. Para muitos cidadãos do planeta , esse parece ser um caso claro de não se saber exatamente onde está o mal ou o bem. Quem duvidar, que ouça os palestinos...
Sobre o autor deste artigoRodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.
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