Sabemos que os esquemas financeiros da política brasileira são condenáveis
por várias razões, a começar pela principal: permitem ao poder econômico alugar
o poder político para que possa atender a seus interesses. Os empresários que
contribuem com campanhas financeiras passam a ter deputados, senadores e até
governos inteiros a seu serviço, o que é lamentável. O cidadão comum vota uma
vez a cada quatro anos. Sua força é de 1 em 100 milhões. Já o voto de quem
sustenta os políticos é de 100 milhões contra 1.
Por isso sou favorável a uma mudança nas regras de campanha, que proíba ou
pelo menos controle essa interferência da economia sobre a política. Ela é,
essencialmente, um instrumento da desigualdade. Contraria o princípio
democrático de que 1 homem equivale a 1 voto.
Pela mesma razão, eu acho que todos os fatos relativos ao mensalão petista
precisam ser esclarecidos e examinados com serenidade. Casos comprovados de
desvios de recursos públicos devem ser punidos. Outras irregularidades também
não devem passar em branco.
Não vale à pena, contudo, fingir que vivemos entre cidadãos de laboratório.
Desde a vassoura da UDN janista os brasileiros têm uma longa experiência com
campanhas moralizantes para entender um pouco mais sobre elas. Sem ir ao fundo
dos problemas o único saldo é um pouco mais de pirotecnia.
No tempo em que Fernando Henrique Cardoso era sociólogo, ele ensinava que a
opinião pública não existe. O que existe, explicava, é a “opinião publicada.”
Esta é aquela que você lê.
O julgamento do mensalão começa em ambiente de opinião publicada. O
pressuposto é que os réus são culpados e toda deliberação no sentido contrário
só pode ser vista como falta de escrúpulo e cumplicidade com a corrupção.
Num país que já julgou até um presidente da República, é estranho falar que
estamos diante do “maior julgamento da história.” É mais uma opinião publicada.
Lembro dos protestos caras-pintadas pelo impeachment de Collor. Alguém se
lembra daquela da turma do “Cansei”?
Também acho estranho quando leio que o mensalão foi “revelado” em junho de
2005. Naquela data, o deputado Roberto Jefferson deu a entrevista à Folha onde
denunciou a existência do “mensalão” e disse que o governo pagava os deputados
para ter votos no Congresso. Falou até que eles estavam fazendo corpo mole
porque queriam ganhar
mais.
Anos mais tarde, o próprio deputado diria – falando “a Justiça, onde faltar
com a verdade pode ter mais complicações – que o mensalão foi uma “criação
mental”. Não é puro acaso que um número respeitável de observadores considera
que a existência do mensalão não está provada.
A realidade é que o julgamento do mensalão começa com um conjunto de fatos
estranhos e constrangedores. Alguns:
1. Roberto Jefferson continua sendo apresentado com a principal testemunha do
caso. Mas isso é o que se viu na opinião publicada. Na opinião não publicada,
basta consultar seus depoimentos à Justiça, longe dos jornais e da TV, para se
ouvir outra coisa. Negou que tivesse votado em projetos do governo por dinheiro.
Jurou que o esquema de Delúbio Soares era financiamento da campanha eleitoral
de 2004. Lembrou que o PTB, seu partido, tem origens no trabalhismo e defende os
trabalhadores, mesmo com moderação. Está tudo lá, na opinião não publicada. Ele
também diz que o mensalão não era federal. Era municipal. Sabe por que? Porque
as eleições de 2004 eram municipais e o dinheiro de Delúbio e Marcos Valério
destinava-se a essa campanha.
2. Embora a opinião publicada do procurador geral da República continue
afirmando que José Dirceu é o “chefe da quadrilha” ainda é justo esperar por
fatos além de interpretações. Deixando de lado a psicologia de botequim e as
análises impressionistas sobre a personalidade de Dirceu é preciso encontrar a
descrição desse comportamento nos autos. Vamos falar sério: nas centenas de
páginas do inquérito da Polícia Federal – afinal, foi ela quem investigou o
mensalão – não há menção a Dirceu como chefe de nada. Nenhuma testemunha o acusa
de ter montado qualquer esquema clandestino para desviar qualquer coisa. Nada.
Repito essa versão não publicada: nada. São milhares de páginas. Nada entre
Dirceu e o esquema financeiro de Delúbio.
3. O inquérito da Polícia Federal ouviu 337 testemunhas. Deputados e não
deputados. Todas repetiram o que Jefferson disse na segunda vez. Nenhuma falou
em compra de votos para garantir votos para o governo. Ou seja: não há diferença
entre testemunhas. Há concordância e unanimidade, contra a opinião
publicada.
4. A opinião publicada também não se comoveu com uma diferença de tratamento
entre petistas e tucanos que foram agrupados pelo mesmo Marcos Valério. Como
Márcio Thomaz Bastos deve lembrar no julgamento, hoje, os tucanos tiveram
direito a julgamento em separado. Aqueles com direito a serem julgados pelo STF
e aqueles que irão para a Justiça comum. De ministros a secretárias, os acusados
do mensalão petista ficarão todos no mesmo julgamento. A pouca atenção da
opinião publicada ao mensalão mineiro dá a falsa impressão de que se tratava de
um caso menor, com pouco significado. Na verdade, por conta da campanha tucana
de 1998 as agências de Marcos Valério recebiam verbas do mesmo Banco do Brasil
que mais tarde também abriria seus cofres para o PT. Também receberam aqueles
empréstimos que muitos analistas consideram duvidosos, embora a Polícia Federal
tenha concluído que eram para valer. De acordo com o Tribunal de Contas da
União, entre 2000 e 2005, quando coletava para tucanos e petistas, o esquema de
Marcos Valério recebeu R$ 106 milhões. Até por uma questão de antiguidade, pois
entrou em atividade com quatro anos de antecedência, o mensalão tucano poderia
ter preferência na hora de julgamento. Mas não. Não tem data para começar. Não
vai afetar o resultado eleitoral.
É engraçada essa opinião publicada, concorda?
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