O julgamento do denominado “mensalão”, mais cedo ou mais tarde, teria mesmo que ocorrer. E, se comprovadas ações fraudulentas, terá que haver condenações e punições. Isso é ponto pacífico para quem preza a ética e a dignidade. Mas há muitas outras considerações a fazer em torno do assunto. Um deles: a provocada “coincidência” de um julgamento que ocorre às vésperas de um processo eleitoral, com a clara intenção de levar a população a rejeitar um determinado partido político, como se os demais – inclusive a oposição demotucana – não estivessem metidos em maracutaias iguais ou maiores, envolvendo recursos públicos. Os que zelam pelo código eleitoral, tão ciosos na fiscalização de atitudes e atos que configurem vantagem para estes ou aqueles candidatos no momento das eleições, não só acham normal essa “estratégia”, mas aproveitam o ensejo para aparecer diante da sociedade como heróis da ética, talvez para minimizar outros momentos bem recentes em que o poder judiciário não andou muito bem cotado...
Já deu para perceber a parafernália que a Globo armou em torno do assunto , como braço midiático nada disfarçado do tucanato. Note-se que não estou falando em oposição – que, para muitos, é da essência da atividade jornalística – mas de atos que integram um projeto político de desarticulação de um grupo para ascensão de outro, o que é bem diferente. Quantas vezes você já ouviu essa mídia referir-se com a mesma ênfase ao mensalão mineiro, que tem como protagonista um ex- presidente do PSDB e como ator o mesmo Valério? Quantas chamadas ou dossiês elaborados pela mídia majoritária você percebeu quando da documentada denúncia , que passou batida, do jornalista Amauri Ribeiro Jr, no livro “Privataria Tucana” ? E por que esses mesmos órgãos não foram tão defensores do “jornalismo investigativo” no propalado episódio da compra de votos para a instituição da reeleição que beneficiou FHC? A ética, como a honestidade e a dignidade, não admite relativismos. Uma “ética direcionada”, oportunista, acaba sendo a negação de si mesma.
Para que não paire dúvidas sobre a minha posição: acho que tudo deve ser apurado neste episódio do mensalão. É preciso verificar se se tratou de uma modalidade do condenável processo conhecido como caixa 2, ou se foi mesmo usurpação do dinheiro público. E, em qualquer hipótese, deve-se punir a quem de direito, se for o caso. Mas, a partir daí, e sem tréguas, impõe-se que os cidadãos brasileiros exijam outras apurações e punições , que passam pelo mensalão do PSDB de Minas, pela Privataria Tucana, pela Operação Cachoeira e todos os episódios que possam caracterizar os chamados malfeitos.
Com relação à clara tentativa de influenciar o processo das eleições municipais e desestabilizar o Governo – ocupando espertamente, em tempos de eleição, espaços nos jornais e na tevê que francamente pretendem beneficiar os que se opõem ao PT -, pessoalmente não acredito nas consequências que se imaginam com essa “estratégia”. Há uma maioria de brasileiros – a que escolheu pelo voto os componentes do atual governo e seu programa de objetivos – que, mesmo admitindo sejam punidos os mensaleiros (se comprovados os crimes) - torce para o sucesso da caminhada de Dilma e saúda cada vitória do Governo como algo que, no final do percurso, redundará no bem comum. Queiram ou náo os arautos do caos, os cronistas da tragédia anunciada, eles são absoluta minoria em nosso país. Provam-no os índices de aceitação do Governo e a divulgação de recente pesquisa mundial segundo a qual os brasileiros são o povo mais otimista do planeta. É que, apesar das conhecidas hienas e urubus do jornalismo, que vivem insinuando a iminência de catástrofes e desgraças no nosso campo econômico e social, o povo brasileiro, no geral, está vivendo melhor, comendo melhor, frequentando mais a escola, tendo mais emprego, mais acesso à informação. Ainda falta muita coisa, muita coisa mesmo, mas se a mais insignificante das amebas pudesse refletir sobre o nosso país, hoje, concluiria no sentido de que estamos avançando.
Devemos todos acompanhar com atenção esse processo judicial, sabendo retirar dele o joio e o trigo. Ele pode contribuir, se tiver seguimento, para o aperfeiçoamento de nossas instituições. Pode provocar, finalmente, uma séria e indispensável reforma política. Pode nos levar, quem sabe, a perceber que um sistema econômico calcado no lucro fácil e em valores perversos é que acaba levando à corrupção, essa doença social que não é de um partido, mas predomina em muitos segmentos institucionais brasileiros, dentro e fora da política. Mas também pode ser que apenas funcione como casuístico instrumento oportunista , que , uma vez atingidos seus propósitos de ocasião, continue omisso diante de todos os outros episódios similares, frustrando as expectativas da verdadeira cidadania.
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação
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