sábado, 13 de setembro de 2008

ESSE LULA É UM SORTUDO, DIRIAM OS TUCANOS INVEJOSOS

Sábado, 13 de setembro de 2008,
A refundação da Petrobras
Paulo Nassar De São Paulo (SP)


A reserva de petróleo em área marítima ultra-profunda recentemente descoberta, traz à tona elementos simbólicos da sociedade brasileira ligados ao petróleo. Esses simbolismos começaram a se enraizar a partir de 1931, quando Monteiro Lobato fundou a Companhia Petróleos do Brasil, com grande apoio de investidores da época. Não bastasse a constituição deste marco fundador, em 1936, a empresa de Lobato encontrou pioneiramente em Riacho Doce, Alagoas, a 250 metros de profundidade, gás de petróleo. Ainda no mesmo ano, Lobato lançou o livro "O escândalo do petróleo", no qual denunciava os interesses contrários à exploração brasileira. Lobato usou intensivamente suas credenciais intelectuais na guerra pelo petróleo brasileiro. Dos anos 1930 até a sua morte, em 1948, escreveu centenas de textos para a imprensa, fez palestras, viajou ao exterior à procura de tecnologia para a exploração e produção de petróleo. A sua militância levou-o também, em 1941, à prisão, acusado de desqualificar as autoridades do Conselho Nacional do Petróleo.

O mitólogo Joseph Campbell não teria dificuldade em colocar Monteiro Lobato em sua "Jornada do Herói", um conjunto de idéias que mostra como alguém, um mortal como nós, se transforma em modelo para uma comunidade, um grupo, uma sociedade. A trajetória de Lobato é desenhada por grandes desafios, que ele enfrentou e superou, e, também, por despojamento, que o transformou, alavancado por sua morte, em 1948, em um ser cheio de transcendência (no caso, alguém socialmente percebido que lutou por algo além de seus interesses imediatos).

A mitologia não é um campo de explicações racionais. É, neste ambiente meta-racional, do Paraíso, do Olimpo, das nossas psiques, que os protagonistas de nosso cotidiano se distanciam do chão, dão asas à imaginação e assumem dons, missões, visões, identidades e valores diferenciados e muito especiais. Lobato, homem de carne e osso, trilhou esse caminho e, hoje, das camadas quase inalcançáveis do pré-sal, ele reaparece poderoso e cheio de opiniões. Em qualquer mesa em que se discuta sobre o presente e o futuro do óleo brasileiro, olhe bem, Lobato estará lá. Outro personagem dessa linhagem mitológica, heróica e dramática é Getúlio Vargas. Um personagem histórico ditatorial da campanha nacionalista em defesa do petróleo brasileiro -, que criou, em 3 de outubro de 1953, a Petrobras; uma empresa impregnada de mitologia e pontuada por feitos heróicos. O último deles, esta imensa descoberta na camada do pré-sal. A extração de óleo de lugares quase inalcançáveis coloca o país como se partisse para uma aventura épica, comparável àquela que levou o homem à Lua ou, mais modestamente, ao cume do Everest.

O volume, a tecnologia e os investimentos para explorar as novas reservas despertam a imaginação e ultrapassam, em muito, o cálculo matemático, tecnológico, administrativo, tributário e político a ser gerado por sua extração. De olho em todo este patrimônio, inclusive de imagens que ficarão para as gerações futuras, Lula e os seus estrategistas procuram formas de se ligar ao tesouro simbólico como Lobato e Vargas às imagens e rituais de origem do petróleo brasileiro. Daí, vê-se Lula com a palma da mão empapada de petróleo, no ritual do primeiro jorro, a repetir o gesto de Vargas, o que revela a influência do simbólico na intenção da criação de uma empresa para administrar o petróleo do pré-sal, que explica e interpreta, além do significado econômico e político, a história do petróleo brasileiro. Em um túnel do tempo, no qual se transformaria em uma espécie de mito de origem, tal qual Lobato, Vargas e até Juscelino Kubitschek, o herói da recriação do Brasil, Lula, que criou fatos como o "Fome Zero", está criando a "Petrosal".

É bom lembrar que quase seis décadas depois da fundação da Petrobras, o ambiente histórico, social, econômico, tecnológico e ambiental mudou. E, no mundo todo, os símbolos tradicionais de desenvolvimento são vistos com reservas e questionamento. Hoje, o petróleo não é visto apenas como redentor, mas também como poluidor. Para as empresas velhas e novas este é um desafio tão grande como explorar petróleo em águas ultra-profundas.


Paulo Nassar é professor da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE). Autor de inúmeros livros, entre eles O que é Comunicação Empresarial, A Comunicação da Pequena Empresa, e Tudo é Comunicação.
Fonte: Terra Magazine.

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