Por Redação, com ABr - de Brasília
A tortura fazia parte das prisõesA Anistia Internacional considerou em seu relatório sobre violações de direitos humanos que o Brasil é um dos poucos países da América Latina que ainda não “fechou as feridas" abertas pelos abusos do passado. “Ao negligenciar as pessoas que sofreram torturas e outros abusos, o Estado brasileiro não apenas desrespeitou os direitos humanos dessas vítimas, como permitiu que esses abusos fincassem raízes”, diz o relatório divulgado há duas semanas que analisa a situação dos direitos humanos em todo mundo.
O relato ressalta a condenação do ex-presidente peruano Alberto Fujimori e as ações para combate a impunidade dos períodos ditatoriais adotadas na Argentina, na Bolívia, no Chile, na Colômbia e no Uruguai como avanços. O documento considera que a pena de prisão contra o ex-ditador foi um “ato crucial na luta contra a impunidade no Peru”.
Em abril deste ano, Fujimori, com 70 anos, foi condenado a 25 anos de prisão pela Justiça de seu país, por crimes cometidos durante o período em que governou o Peru, de 1990 a 2000. A era Fujimori foi marcada por forte repressão sobre a guerrilha de inspiração marxista.
A Justiça peruana entendeu que o líder, de ascendência japonesa, cometeu violações dos direitos humanos ao ordenar dois massacres e o rapto de um jornalista e de um empresário, e o responsabilizou por 25 mortes. Constam da acusação contra Fujimori o financiamento da secreta peruana para espiar e intimidar adversários e o fato de ordenar ao esquadrão da morte La Colina o silenciamento de estudantes que apoiavam o Sendero Luminoso.
Na Argentina, os desdobramentos do fim das leis do perdão também foram objeto de reconhecimento. Em 2005, após uma intensa pressão social, a Suprema Corte de Justiça da Argentina declarou a inconstitucionalidade da Lei do Ponto Final editada em 1987, e da Lei da Obediência Devida, editada no ano seguintes. As duas leis, do período em que Raúl Alfonsín era presidente, tinham por objetivo paralisar os processos contra os autores das detenções ilegais, torturas e assassinatos que ocorreram na ditadura militar no país.
O relatório mostra o primeiro julgamento ocorrido desse tipo na Argentina. Duas pessoas foram condenadas e sentenciadas a penas de prisão por “apropriação” da filha de um casal que fora vítima de desaparecimento forçado em 1977. O ex-capitão do exército que roubou a criança e a entregou ao casal condenado foi condenado a 10 anos de prisão, em abril deste ano.
No Paraguai, as desculpas públicas pedidas pelo presidente Fernando Lugo às vítimas do governo militar do general Alfredo Stroessner foram reconhecidas pela Anistia Internacional. Em dezembro de 2008, a Comissão de Verdade e Justiça publicou seu relatório com recomendações relativas à violação de direitos humanos cometida durante o regime militar (1954-1989) e a transição para a democracia. A Comissão identificou mais de 20 mil vítimas e recomendou que o Ministério Público investigasse todos os casos.
A Anistia Internacional ainda destaca que no Uruguai dezenas de ex-militares foram chamados a depor contra o general Gregorio Álvarez, chefe do governo militar entre 1981 e 1985, e contra Juan Larcebeau, oficial reformado da Marinha, acusado dos desaparecimentos forçados de mais de 30 pessoas.
Em El Salvador, destaca o documento, duas organizações de direitos humanos propuseram uma ação em um tribunal espanhol, no mês de novembro, contra o ex-presidente salvadorenho Alfredo Cristiani (1989-1994) e 14 militares, em conexão com o assassinato de seis padres jesuítas, de sua governanta e da filha dela, em 1989.
De acordo com o relatório, houve progresso, em outros casos, na medida em que se conseguiu fazer que os responsáveis por violações de direitos humanos mais recentes tivessem de prestar contas. É o caso da Colômbia, onde dezenas de integrantes das forças armadas, muitos dos quais eram oficiais de alta patente, foram destituídos por causa de seu envolvimento na execução extrajudicial de civis.
Outro caso de punição por fatos recentes destacado pela Anistia Internacional é o da Bolívia. A comunidade internacional agiu para assegurar que se investigassem as mortes de 19 camponeses. “Em outubro, o governo boliviano protocolou um pedido de extradição no governo dos EUA, referente ao ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada e a dois ex-ministros acusados de envolvimento em genocídio, devido ao papel que desempenharam nos assassinatos de 67 pessoas durante manifestações ocorridas em El Alto em 2003”, destaca o documento.
"Revanchismo"
Diante do relatório da Anistia Internacional, o ministro da Defesa, Nelson Jobim classificou como “revanchismo” a ideia de punir militares que tenham cometido atos de tortura durante o período de ditadura militar. Embora tenha organizado um grupo de trabalho que já está em campo para localizar mortos da Guerrilha do Araguaia, Jobim destaca que a busca tem a importância de contemplar o direito à memória e não de servir ao revanchismo.
– Uma coisa é o direito à memória, outra é revanchismo e, para o revanchismo, não contem comigo – disse o ministro.
A ideia de derrubar o perdão aos militares que cometeram atos de tortura está presente em uma ação apresentada em outubro do ano passado pela Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação questiona a prescrição e a responsabilização de crimes de tortura praticados durante o regime militar. Ela contesta a validade do Artigo 1º da Lei da Anistia (6.683/79) que considera como conexos e igualmente perdoados os crimes "de qualquer natureza" relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
Políticos e organizações defensoras de direitos humanos defendem que a Lei de Anistia não deve servir para absolver os militares que torturaram. Na avaliação de Jobim, se o STF for favorável à ação estará cometendo um equívoco.
– Se o Supremo decidir que a Lei de Anistia não é bilateral, o que eu não acredito, terá que enfrentar um outro assunto: a prescrição. Há um equívoco. Dizem que os tratados internacionais consideram alguns crimes imprescritíveis. Mas, no Brasil, não é assim. Os tratados internacionais aqui não valem mais que a Constituição. Eles estão sujeitos à Constituição brasileira, que dá imprescritibilidade para um crime só: o de racismo. Trata-se de uma questão legal – explicou o ministro.
Jobim ressaltou a necessidade de tomar atitudes diferentes das que foram tomadas por outros países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai sobre o período.
– Quero que o futuro se aproxime do presente. Às vezes, gastamos uma energia brutal refazendo o passado. Existem países sul-americanos que estão ainda refazendo o passado, não estão construindo o futuro. Eu prefiro gastar minha energia construindo o futuro. Não posso comparar o Brasil com a Argentina ou com o Uruguai. Houve um acordo político em 1979. Houve um projeto de lei que foi aprovado pelo Congresso Nacional. A questão hoje não é discutir se é a favor ou contra torturadores. A questão hoje é saber se podemos ou devemos rever um acordo político que foi feito por uma classe política que já hoje está praticamente desaparecida. É legítimo fazer isso? Vamos perder um tempo imenso fazendo isso – destacou Jobim, que já foi presidente do STF e quando foi ministro da Justiça, no governo de Fernando Henrique Cardoso, criou a primeira comissão para investigar mortos e desaparecidos políticos.
A criação da operação para localizar mortos da Guerrilha do Araguaia, chamada de Operação Tocantins, atende a uma determinação judicial para que o Estado brasileiro dê respostas sobre o assunto. A sentença da Justiça Federal determinou a quebra do sigilo das informações militares sobre todas as operações de combate à Guerrilha do Araguaia e que a União informe onde estão sepultados os mortos no episódio.
Há uma semana, o ministro chegou a se reunir com integrantes da Comissão de Mortos de Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial de Direitos Humanos par apresentar o planejamento das ações do grupo de trabalho, criado no final de abril. O planejamento inclui quatro fases.
– Temos uma obrigação legal de prestarmos informações em uma ação judicial que determinou que nós localizássemos os cadáveres. A primeira fase (da operação) já foi montada, que é a nomeação desse grupo de trabalho, e agora vem a segunda, que é o reconhecimento do local. Na segunda quinzena de julho começa a terceira fase. Dependendo do resultado ainda tem a quarta fase, que envolvem laboratórios para a análise do que foi encontrado”, explicou o ministro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário