20 DE JUNHO DE 2009
José de Abreu: A arte nacional pertence ao povo
A arte nacional pertence ao povo. A conclusão é do ator José de Abreu, com a bagagem de quem possui mais de 40 anos dedicados à dramaturgia brasileira. Nascido em Santa Rita do Passa Quatro (SP), foi na capital paulista que o estudante de Direito da PUC-SP estreou nos palcos com Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, em 1967.
Militante do movimento estudantil, lutou contra a ditadura militar e teve sua carreira interrompida após ser preso no Congresso de Ibiúna. Exilado em 68, retornou ao país em 1974, passando a morar, inicialmente, em Pelotas (RS).
Nesta entrevista, concedida a José Dirceu, o ator de cinema, teatro e televisão explica o seu ofício e como se prepara na construção de seus personagens. Também aponta as dificuldades que cerceiam a produção artística hoje no país e garante, com a experiência de suas viagens, que um expressivo número de cidades brasileiras já contam com pelo menos um teatro.
Sobre as mudanças propostas à Lei Rouanet, Abreu critica a atual forma de captação de recursos e afirma que "na prática, 80% ou mais dos projetos, embora aprovados e com autorização, não conseguem captar um tostão. Quem consegue captar é gente famosa ou amigos dos empresários".
O guerrilheiro das artes neste país também fala - e gosta - de política. Apóia a candidatura da ministra Dilma Rousseff, critica a polarização da mídia e nos conta sobre a experiência de vivenciar personagens históricos como seu recente papel de Juscelino Kubistcheck no filme "Bela Noite para Voar".
Você que tem como um de seus últimos filmes o "Bela Noite para Voar", em que faz o papel do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que análise faz sobre o cinema brasileiro hoje?
O cinema brasileiro é o único no mundo que vive da produção e não da exibição. A captação de recursos pela Lei do Audiovisual (de isenção fiscal), funciona no mesmo sistema da Lei Rouanet, ou seja, você tem que pagar tudo e todos os que trabalham no filme - equipe técnica, aluguel do equipamento, negativo, fitas de vídeo, diretor, produtor, roteirista, atores, enfim, tudo.
Depois você capta recursos junto às distribuidoras que normalmente são norte-americanas e seguem outro mecanismo fiscal. Para que possam mandar para fora o lucro que tem com o blockbuster americano, elas são obrigadas a aplicar uma parte no país de destino dos filmes - por exemplo, o Brasil - também em incentivo fiscal. É desta forma que o filme é lançado e distribuído.
Se o filme atingir até 1 milhão de espectadores, empatou. Ninguém ganha nada, entra em cartaz e vai embora. Ninguém recebeu o dinheiro da bilheteria. Se o filme tiver de 2 mi a 3 milhões de espectadores começa a haver um retorno de bilheteria para o dono do filme. Agora, veja, isso não interessa à distribuidora americana. Óbvio que se o filme fizer um baita sucesso, der 6 milhões de espectadores... Mas a grana mesmo, ela já ganhou no momento em que aplicou o dinheiro no Brasil.
Então, é uma coisa insólita. Você fez um filme que demora em média dois anos - se for muito rápido, geralmente uma produção independente leva de dois a quatro anos - teu filme fica uma semana em cartaz e acabou! Há filmes que nem chegam a ser lançados, só em festivais porque o cara não consegue uma distribuidora. Imagine, não é lançado! E você não vê a pessoa reclamar disso, porque ele é pago na produção e não na bilheteria.
Qual o papel da televisão nisso? Qual o papel que o Canal Brasil, por exemplo, pode desempenhar?
O Canal Brasil ficou muito sólido de uns cinco anos pra cá, mudou a direção. O Paulo Mendonça está fazendo um trabalho muito intenso, mas não tem dinheiro para comprar. Eles pagam pouco para exibir o filme. O que faz um filme brasileiro normal, onde o diretor e o produtor tem certa presença? Vai para o cinema, deste vai para o DVD, depois para o canal fechado, para o canal aberto (da Globo ou Canal Brasil) e acabou. Normalmente, prefere-se a Globo porque ela passa mais e dá uma baita visibilidade. O Canal Brasil ainda é muito incipiente e embora tenha melhorado muito, ainda tem pouco público.
Hoje, eu estou numa batalha para produzir um longa. Penso sempre: será que não tem outra maneira de distribuir cinema no Brasil que não seja essa maneira convencional? Já que o filme é pago com o dinheiro do povo, não tem uma maneira de fazer esse filme chegar até os verdadeiros donos? Esse filme não é do produtor, é do governo brasileiro.
É por isso que o Juca [Ferreira, ministro da Cultura) está dizendo que quer pelo menos pedaços dos direitos na nova regulamentação da Lei Rouanet. Ou seja, o ministro da Cultura quer que o governo federal fique com algum direito sobre a obra patrocinada. Tem muita lógica.
Ando pensando no exemplo da Carla Camurati que faz no cinema, o que faço muito com o teatro: sair viajando. Com o cinema é muito mais fácil porque você pode montar uma equipe de 50 pessoas e sair pelo Brasil distribuindo os filmes.
Você está dizendo que faz uma verdadeira guerrilha.
É uma guerrilha.
Guerra mesmo é a industrialização do cinema.
Mas aí, você corre o risco de ter seu filme cinco dias em cartaz e acabou. Ele nunca mais entra. Depois que foi, queimou.
E o DVD?
É muito importante.
Você não pode vender um milhão de cópias do filme?
Existe o problema da pirataria. No momento em que você coloca o DVD na rua, no dia seguinte eles estão vendendo a R$10. Você pode, talvez, segurar um filme sem pirataria, se tiver muito controle, no máximo até o dia da estréia, porque aí o cara entra com uma camerazinha e no dia seguinte, a fita pirata está à venda.
Não sei como ainda, mas o futuro será através da Internet para você atingir todos os rincões do país. Recentemente, saiu uma pesquisa sobre o que é a aceitação das lan house. O brasileiro gosta de comunicação e internet é a comunicação.
Mas não encontramos ainda uma forma de pagar (aos autores e donos) pelos direitos na internet.
Ainda não, mas para a música já. Ontem a Macintosh estava comemorando 1 bi de downloads de programas, músicas e jogos do mundo Mac. Tudo pago. Evidente que eles dão muitas coisas. Os joguinhos para telefone, por exemplo. 80% são pagos e 20% gratuito. Mas...
Você falou sobre alterações na Lei Rouanet. Qual a sua opinião sobre as propostas e as mudanças em estudos? Quais os pontos positivos e os inconvenientes? Como o mundo da cultura está recebendo isso?
É muito difícil. Veja só a história da regionalização da cultura. Quando fugi da ditadura, fui parar em Pelotas. Eu produzi teatro no Rio Grande do Sul durante dez anos e vou te dizer: você pode fazer o melhor produto cultural no RS, e vem o pior do Rio e de São Paulo, e você perde a concorrência.
Você pode montar uma peça com 20 atores, passar um ano ensaiando, belos músicos e cenógrafos, um texto de peso, um Brecht, uma baita produção e estrear num teatro em Porto Alegre, com um grupo gaúcho. Vem uma pessoa qualquer da Globo com um monólogo vagabundo, e aí não tenha dúvidas, vai lotar o teatro com o monólogo vagabundo.
O que acontece na Lei Rouanet? O que se diz é que Rio e São Paulo pegam de 80% a 90% do incentivo fiscal. Agora, o desconhecido do Rio e de São Paulo continua não pegando, assim como o desconhecido do Piauí. Mas o conhecido do Piauí pega porque um bom cineasta, um bom escritor, um bom pintor do Piauí vão conseguir patrocínio nas empresas do Piauí. Mas o desconhecido de São Paulo e o do Piauí não vão. Essa é a questão do regionalismo.
Outra história é a seguinte: a Lei Rouanet deu para o diretor de marketing da empresa o direito de escolher o que ele vai patrocinar. O governo quer ter uma parte nessa escolha através do Fundo Nacional de Cultura. Esse Fundo é o restolho, o que sobrou do patrocínio, mais o dinheiro que o governo federal bota nele. Por exemplo, eu consigo um patrocínio de R$ 500 mil para fazer um filme e gasto R$ 400 mil - R$ 100 mil vão para o Fundo Nacional de Cultura. Eu captei pra mim, não precisei, então devolvo e é esse dinheiro que vai para o Fundo.
O que o ministro Juca está propondo é um critério artístico para patrocinar. Por exemplo, um critério óbvio é que o Cirque de Soleil não precisa de R$12 milhões do Bradesco. Isso é óbvio. E custa caro! Mas aí, (a analisar por aí) você vai chegar nas estatais de São Paulo que captam 80% da Lei Rouanet - vide Orquestra Sinfônica e várias entidades que entram na Lei Rouanet, embora o Estado tenha uma lei própria e possa bancar a Orquestra. Mas, captam pela lei federal.
Devíamos ter duas maneiras de fazer a captação. Do jeito que está é impossível. A Funarte gasta tudo o que ganha enxugando gelo. Se o prefeito da minha terra, ou o de Santa Rita do Passa Quatro resolver fazer uma biblioteca ou o cara da banda resolver comprar instrumentos, ele faz uma Lei Rounet. E pensa que uma vez aprovado (enquadrado) na Lei, o governo já vai dar dinheiro para ele.
A maioria dos caras não sabem que é depois da aprovação (enquadramento) na Lei Rouanet que ele tem que captar o dinheiro. Na prática, 80% ou mais dos projetos, embora aprovados e com autorização, não conseguem captar um tostão. Quem consegue captar é gente famosa ou amigos dos empresários.
A Funarte gasta quase toda a verba analisando projetos. Contrata técnicos que fazem a análise de cada projeto, um por um e de todas as especializações. Eles analisam projetos que sabem que não vão captar, mas é uma democracia. Se estiver dentro da Lei, direitinho na planinha...
Se a análise técnica for aprovada, volta para o Ministério que publica no Diário Oficial – e o Ministério é obrigado a aprovar todos os que cumpram as exigências da lei. Aí o cara vai captar e descobre que vai começar o seu trabalho.
Frente a isso, e porque o Ministério sabe quem capta, fizemos um banco de produtores para ver se conseguirmos passar isso à frente. No ano passado houve um tráfico tão grande de projetos que o Ministério não tinha capacidade para liberar.
Como fazer? Você vai proibir que as pessoas façam projetos? Claro que não. Agora, o Juca [Ferreira] além da análise técnica, quer fazer a avaliação artística, no sentido do artístico-cultural - ou seja, decidir, “esse projeto interessa ao povo brasileiro? Esse projeto merece ter dinheiro do povo?”
O mesmo critério que deveriam ter as empresas que tomam as decisões (de patrocinar o projeto).
Não. Na verdade, as empresas que tomam a decisão querem o contrário do que quer o governo. O governo quer que o não famoso e o regional tenham condições de captar; e ao conseguir, que faça o ingresso a R$ 10,00 e não a R$ 50. Já o empresário, pelo contrário, seu interesse é a visibilidade que ele terá com a marca. Esse é o seu retorno.
Normalmente, se o projeto é bom, se ele está bem estruturado em termos da produção em relação à divulgação, se o elenco é bom, se o livro é bem escrito, se o músico for competente, se o artista tem tradição e não vai dar mancada, o empresário patrocina. O ponto de vista do empresário é muito diferente do ponto de vista do governo. O empresário quer botar a sua marca no jornal e na cabeça das pessoas que vão ver a peça, compram o livro ou ouvem a música. Já o governo quer que esse dinheiro volte para o povo de alguma maneira.
Qual balanço você faz desses seis anos de governo Lula na área da cultura?
O Gilberto Gil conseguiu dar uma dimensão muito maior para o Ministério da Cultura, pela sua presença pessoal. Sem falar que era um ministro artista. Ele cantava nas manifestações políticas. Agora, uma das falhas do PT (e isso desde o começo do partido) é que a questão cultural não é uma coisa...
Lembro-me que teve um ano em que o PT ganhou muitas prefeituras. O [Paulo] Betti, o [Sérgio] Mamberti e o Wagner Tiso fizeram um documento a todos os prefeitos do país, para organizar secretarias de cultura e tal...
E não tiveram retorno. Agora, o acerto foi ter botado o Gil (no ministério) e agora o Juca, que está fazendo um trabalho muito bom de discussão da Lei Rouanet. Há muito tempo não se discute a Lei. Não tem mais reunião de classe.
No começo do governo houve a tentativa de mudar os critérios e inventaram aquela história do “stalinismo” (acusação), mas antes que deixassem o debate evoluir, o governo recuou. E só depois descobriram que estava bem dividido. Essa discussão foi logo no começo da gestão Lula, pegava pontos como critérios da publicidade para distribuir patrocínio. Esse debate que o Juca está fazendo foi cortado lá no começo, com a pressão da mídia.
Sim.
[
Você exercita o ofício de ator em diversos campos da arte: cinema, teatro, televisão. Quais as diferenças e o que pode ser melhorado em cada um desses meios para o trabalho do ator, e para estimular o público a ir ao teatro e a ver filmes brasileiros, por exemplo?
O teatro é a presença ao vivo. Eu decoro uma cena de televisão em cinco minutos, mas uma cena de teatro, eu demoro um mês. Não sei o porquê. Medo de errar? No teatro, tem peça que eu lembro até hoje; já na televisão, você acabou de fazer a cena, vai trocar de roupa e se o cara disser “tem um problema”, você tem que responder “me dá o texto de novo porque apagou”. Gravou, apaga. É memória volátil. No teatro, você demora muito para decorar e nunca mais esquece.
Mas você tem que incorporar o personagem na televisão, no teatro e no cinema.
Isso é a mesma coisa. A diferença é que no teatro a última pessoa no fundo tem que ver o que você está fazendo. Então, é tudo mais exagerado, o volume de voz, o gestual. Na televisão e no cinema, se você está no plano aberto, pode exagerar um pouco, mas conforme a câmera vai fechando na tua cara, menos você representa.
No primeiro filme que fiz, eu mexi a sobrancelha. A câmara estava aqui e o diretor cortou e disse: “se você fizer esse barulho terá que botar áudio, porque tua sobrancelha estará com 4 metros”. Então, você não pode fazer nada. Essa relação se aprende com o tempo, mas quanto maior a lente, menos você faz. Se o cara falou “bota uma 50”, você já começa a ficar preocupado; se for 75, 100 e 120, não faz nada; 40, 32, 20, você pode fazer caras e bocas.
No teatro não tem nada disso, é você e o público. No cinema, a câmera faz coisas para você. Um close maior aumenta a força do seu personagem. Não é preciso fazer na cara e na voz, como requer o teatro. Agora, o método de interpretação é o mesmo: arar a terra de forma que isso vá germinando. Você faz uma vida que não existe. Existe uma ciência que estuda isso inventada pelo Constantin Stanislavski, que tem um método racional para você melhorar como ator.
Por exemplo, fui fazer o Juscelino Kubitscheck, um papel de época. Estudei toda a época do JK, sua vida; a da mãe e do pai, fotos daquele tempo. Fui para Diamantina (MG), conversei com a dona Sarah Kubitscheck, com suas filhas, netas e genros. Esta é a terra que você vai plantando para ver ser nasce alguma coisa dali. Mas existe o método objetivo, não tem essa de “inspiração”. Isso é piada. Na hora da estréia não tem um ator de teatro que não sente vontade de sair correndo e ir embora. É desesperador e quanto mais difícil a peça, mais desesperado você fica. Isso não existe nem na TV, nem no cinema.
O que no Brasil tem melhorado para o ator? O que tem sido feito para estimular o público a ir ao cinema e ao teatro?
No teatro brasileiro, com raríssimas exceções, só faz sucesso comédia. Virou uma loucura. O preço é caro, mas se fosse comparar com o preço de quando eu comecei a minha carreira, hoje custaria R$300. Na realidade, o preço caiu.
Não há como comparar com o cinema, em que você pode pegar um filme e colocar em 300 salas. Teatro tem que fazer uma sessão por dia, no máximo duas, mas não há público para isso. Veja, o público caiu tanto que quando comecei a minha carreira, eu fazia peças na 3ª, 4ª, duas sessões na 5ª sábado e domingo. Hoje, você só faz 6ª, sábado e domingo em São Paulo. No Rio é de 5ª a domingo. Hoje, em São Paulo, três dias da semana. Antes nós fazíamos oito sessões, era o exigido nos contratos que assinávamos nas décadas de 60 a 80.
Teatro virou uma arte muito específica. Dentro dessa especificidade, só faz sucesso um Shakespeare, um Brecht, ou uma superprodução com atores muito bons - como está fazendo sucesso o Wagner Moura - ou essas 300 peças de comédia. Hoje em dia, você pega o pessoal que faz o Zorra Total, eles estão com peças lotadas em todas as cidades no interior de São Paulo.
O cinema é uma incógnita maior do que o teatro. O que faz (filme) "O Menino da Porteira" colocar um milhão com 300 cinemas, e "Se Eu Fosse Você 2" colocar 6 milhões? "Se Eu Fosse Você 1" não teve nem um milhão e pouco de espectadores... O que faz? Pode ser o Tony Ramos na novela das oito? O Tony é engraçado? Agora, exatamente saber o que é, qual química é essa, ninguém sabe.
"Dois Filhos de Francisco"...
O que fez "Dois Filhos de Francisco" ter 5 milhões? Ninguém sabe! O Daniel Filho chegou para o Breno [Silveira] e disse: “você está frito, nunca mais fará um sucesso desses, sua carreira só pode cair”. Foi o primeiro filme do Breno e já teve esse sucesso!
Milhões de brasileiros tem uma história parecida com esta. O filme trouxe de volta (a história) uma geração que há 20 ou 30 anos saiu do interior e passou a vida toda...
Foi o primeiro filme que quebrou o preconceito contra o caipira.
Trouxe a vida dessa gente.
Quando lançaram aqui no Rio, inclusive, para tirar o preconceito, eles pediram aos críticos que não vissem o filme como se fosse um filme de cantor brega.
Mas não é de cantor brega.
Esse filme ultrapassou tudo isso. Já "O Menino da Porteira" não aconteceu. Jogaram tudo muito em cima do Daniel. Hoje, está com 1 milhão de espectadores e esperava-se 4 a 5 milhões.
O brasileiro gosta de arte?
O brasileiro gosta muito de arte.
Qual a sua avaliação do público brasileiro? Ele está preparado para a inovação? É conservador?
Não é conservador de jeito nenhum. Eu viajo muito pelo Brasil e muitas vezes, você liga para o prefeito e ele diz “o povo da minha cidade não gosta de teatro!” “Quantas peças o Sr. teve aí, prefeito?” “Que eu saiba nenhuma...” “Então, como o Sr. sabe que o povo não gosta? Deixa eu ir aí, é barato...”
Como eu não tenho patrocínio, vou por conta do hotel, alimentação e um tanque de diesel - toda prefeitura tem uma bomba de diesel por conta do caminhão de lixo. Aí, você vai, o prefeito leva a família e quando vê, todo mundo bate palma. As pessoas querem ver, gostam mesmo. Agora, você tem que ir atrás.
Tem crescido o número de municípios com política cultural?
Muito, demais. Uma revolução. Toda cidade tem teatro. Acho que chegou a um ponto que os prefeitos não tinham o que fazer - fizeram as praças, o coreto, o clube - e veio a pergunta: “O que eu faço?” “Faz um teatro, bota o nome da sua mãe e pronto!” Brincadeiras à parte, teatro é um negócio que fica, mesmo que não tenha muito ator. Em 1994, um ano que eu rodei muito, não tinha teatro. Hoje em dia... Na sua região (Passa Quatro-MG), por exemplo, toda cidade tem teatro.
Mas a minha região é muito desenvolvida!
Santa Rita do Passa Quatro (a minha terra) tem teatro também. O prefeito conseguiu reformar o cinema velho e a prefeitura conseguiu aprovar. Em Poços de Caldas tem, inclusive, o Luis Nassiff é de lá.
Agora, é importante dizer que como a TV Globo, não existe em nenhum país do mundo. Talvez a Índia com o cinema... Ao mesmo tempo em que a Globo faz com que fiquemos extremamente conhecidos, há um lado inverso: ela dá muito para o povo brasileiro em termos de novela, minissérie, humorismo. É muita oferta de graça, sem sair de casa. Você vê na televisão os mesmos bons atores que você vê no cinema.
Nos Estados Unidos só agora a televisão está botando bons atores. Antes, eles só faziam cinema. Na Índia, a comunicação de massa é o cinema. Quando tem, por exemplo, um ator conhecido de um filme badalado, são filas de duas a três horas. Todo mundo quer ir à estréia. A Globo dá o arroz com feijão, a alimentação cultural que você precisa de ficção, de ver ator, cenógrafo, diretor. Esses elementos da arte teatral e cinematográfica, ela dá isso de graça ao povo brasileiro.
Como é representar personalidades históricas, como o presidente Juscelino em "Bela Noite para Voar", ou mesmo, em "Fala Zé!" que você tem levado e que no fundo é um pouco de cada um de nós da geração de 68.
Sobre o Juscelino, tem um negócio interessante. Meu pai, que era goiano, em 05 de outubro de 1955, enquanto ouvia a apuração da eleição (a votação foi no dia 03) passou mal. Cinco dias depois, ele morreu. Minha mãe contava que ele era juscelinista. Eu era muito novo, tinha 9 anos. Mas ela falava que como ele era goiano, e Juscelino tinha falado de Brasília (prometido construir a capital num comício nesse Estado), todos os goianos estavam torcendo para que ele fosse eleito.
Essa história do Juscelino caiu nas minhas mãos novamente quando eu fiz Anos Dourados. Eu fazia um militar juscelinista. Era um major da Aeronáutica, algo raro na época. Tanto que o sogro dele fazia um brigadeiro lacerdista, o Zélio Góis. E a dona Sarah Kubistchek, quando uma produtora de Minas quis fazer a vida do Juscelino no teatro, mandou me chamar. Acredito que por conta desse personagem. Aí, eu fui estudar a vida do Juscelino.
E digo a você: se eu tenho alguma cultura, 80% dela vem desse estudo que faço para compor meus personagens. Agora mesmo, para a novela das oito, eu fui para a Índia, fiquei lá (na novela que vai até 11 de setembro, Zé de Abreu faz Pandit, um sacerdote indiano). E estou estudando sânscrito, mantra, canto.
Então, comecei a estudar sobre o JK. Falei com a dona Sarah, li os livros do Juscelino, fiquei amigo do [Carlos Heitor] Cony. Esse livro Bela Noite para Voar é do Pedro Rogério Moreira. Tem muito material para estudar. Conversei com muita gente.
O Cony sabe muita coisa sobre o Juscelino.Também o Cel. Afonso Heliodoro que era amigo pessoal do Juscelino, o Carlos Murilo Felício dos Santos, líder dele na Câmara. Fazer o Juscelino foi muito legal. Pena que a peça que montamos em Brasília e em Belo Horizonte, chegou no Rio no final de 1989. Era a disputa presidencial de Collor e Lula. Então, não dava, ninguém ia ao teatro. Nós íamos nas manifestações. Lembra-se da manifestação na Cinelândia?
E o "Fala Zé"?
Foi uma coisa de idade. Aos 60 anos dá vontade de falar do passado. A gente começou a produzir a peça antes do estouro da boiada, escrita por um gaúcho fundador do PT do Rio Grande do Sul. Na realidade, a peça falaria sobre um monte de Zés. Eu ia começar com o Zé Bonifácio e chegaria até o Zé Dirceu.
Eu iria costurar essa história, mas no fim, ela ficou uma biografia minha, na qual passo por você, pelo Zé Mentor, e pelo tempo que nós passamos juntos.
Já percorri mais de 200 cidades com esta peça. Nela, nós falamos muito sobre a ditadura. A gente mostra, ridiculariza e brinca com esse período, inclusive, com a tortura, as cenas na cadeia, a barra pesada. Primeiro fazemos rir, mas de repente, puxamos a cordinha. Tem momentos em que o público está rindo e de repente, você fala uma coisa extremamente grave, como Matta Machado, por exemplo. Você se lembra? Ele roncava muito, nós ficamos presos uns cinco dias juntos - eu, você o Matta Machado, o Arantes, Zé Roberto.
Na peça eu digo que ele roncava muito e no meio do papo conto: Matta Machado veio de uma família de políticos mineiros, o pai dele era deputado federal e foi morto na tortura. Se o cara era filho de deputado federal e foi morto na tortura, imaginem o que eles não faziam com quem não era filho de deputado federal! Então, são essas coisas.
Tem muito público?
Tem muito público. Mas, eu tenho que chegar na cidade antes do jornal do almoço. Esse jornal é fundamental para o pessoal saber da peça. Se você vai em cidade muito insólita, que ninguém vai, eles só acreditam quando veem o artista e você anda pela cidade.
Você está muito conhecido.
Sim, às vezes, as pessoas não sabem bem o meu nome. Lembram mais o nome do personagem.
Inclusive, eu montei uma tenda para você ler a mão do pessoal.
Vou comprar uma salinha em Copacabana.Estamos tendo um problema sério com a mídia
Zé, quais suas expectativas profissionais e como você está vendo o Brasil politicamente?
Profissionalmente, estou contratado até 2014. Minha posição na Globo é muito sólida. Eu posso fazer cinema e teatro, só não posso fazer televisão (em outras emissoras).
Agora, o negócio é ter tempo. Até outubro gravo a novela. Ela estreou em janeiro – o Boni nunca deixava novela estrear em janeiro, tinha que ser sempre em abril, pelo menos a das oito, que é quando o país volta...
Politicamente vamos ver. Acredito que estamos tendo um problema sério com a mídia. Hoje, a Internet e os blogs independentes, apesar de terem menos força, estão conseguindo (se impor). Eu freqüento muito blogs, até abri mão do meu. Escrevo muito para o Nassif. Na verdade, eu gosto de falar sobre política.
Agora, eu vou produzir meu longa e começa a filmar no ano que vem, em abri, no Rio Grande do Sul. É uma história sobre a imigração judaica.
E politicamente, a gente avança?
Avança! Vou fazer campanha para a Dilma. A próxima eleição vai ser uma guerra. A vida é dura. Nunca o Brasil esteve tão dividido. Em blog a gente briga muito. Eu criei um personagem (um codinome) e às vezes, entro nos blogs. O meu personagem entra e começa com aquela história do paulista que reclama do trânsito: “esse Lula fica aí e agora qualquer pobre pode ter carro! Por isso que o trânsito não anda! Outro dia, eu estava no avião e o cara perguntou quanto ia demorar para baixar porque estava com vontade de fazer xixi! Nem sabe que tem banheiro no avião, e como é que anda de avião? Isso é culpa de quem? De quem? Do Lula! É óbvio.”
Vocês não tem idéia de como tem gente que vai na minha, ou melhor, na do personagem. Está tudo muito dividido. Os blogs são uma coisa impressionante. E garanto que estou muito mais radical do que você quanto à mídia. Nós nunca tivemos uma imprensa tão raivosa e a campanha no ano que vem vai dividir muito o Brasil.
Antes um cara para escrever uma carta no jornal era uma coisa... Hoje, para escrever e publicar na internet é muito mais rápido. E ainda dá para ser anônimo. Às vezes, você coloca uma defesa e vai levar cacetada. Acho que nem pode falar teu nome no blog do Reinaldo Azevedo.
A imprensa está partidarizada, o jornal editorializado. Criaram o jornalismo de escândalo e não tem mais do que tratar. O assunto deles era a crise... Agora, a crise está acabando e o país vai crescer 3%.
Totalmente. O que foi essa história da ficha da Dilma Rousseff? (na Folha de S.Paulo, uma ficha forjada). Pára com isso! Por que não assumem como os jornais americanos o lado em que estão e ponto final?
José de Abreu: A arte nacional pertence ao povo
A arte nacional pertence ao povo. A conclusão é do ator José de Abreu, com a bagagem de quem possui mais de 40 anos dedicados à dramaturgia brasileira. Nascido em Santa Rita do Passa Quatro (SP), foi na capital paulista que o estudante de Direito da PUC-SP estreou nos palcos com Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, em 1967.
Militante do movimento estudantil, lutou contra a ditadura militar e teve sua carreira interrompida após ser preso no Congresso de Ibiúna. Exilado em 68, retornou ao país em 1974, passando a morar, inicialmente, em Pelotas (RS).
Nesta entrevista, concedida a José Dirceu, o ator de cinema, teatro e televisão explica o seu ofício e como se prepara na construção de seus personagens. Também aponta as dificuldades que cerceiam a produção artística hoje no país e garante, com a experiência de suas viagens, que um expressivo número de cidades brasileiras já contam com pelo menos um teatro.
Sobre as mudanças propostas à Lei Rouanet, Abreu critica a atual forma de captação de recursos e afirma que "na prática, 80% ou mais dos projetos, embora aprovados e com autorização, não conseguem captar um tostão. Quem consegue captar é gente famosa ou amigos dos empresários".
O guerrilheiro das artes neste país também fala - e gosta - de política. Apóia a candidatura da ministra Dilma Rousseff, critica a polarização da mídia e nos conta sobre a experiência de vivenciar personagens históricos como seu recente papel de Juscelino Kubistcheck no filme "Bela Noite para Voar".
Você que tem como um de seus últimos filmes o "Bela Noite para Voar", em que faz o papel do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que análise faz sobre o cinema brasileiro hoje?
O cinema brasileiro é o único no mundo que vive da produção e não da exibição. A captação de recursos pela Lei do Audiovisual (de isenção fiscal), funciona no mesmo sistema da Lei Rouanet, ou seja, você tem que pagar tudo e todos os que trabalham no filme - equipe técnica, aluguel do equipamento, negativo, fitas de vídeo, diretor, produtor, roteirista, atores, enfim, tudo.
Depois você capta recursos junto às distribuidoras que normalmente são norte-americanas e seguem outro mecanismo fiscal. Para que possam mandar para fora o lucro que tem com o blockbuster americano, elas são obrigadas a aplicar uma parte no país de destino dos filmes - por exemplo, o Brasil - também em incentivo fiscal. É desta forma que o filme é lançado e distribuído.
Se o filme atingir até 1 milhão de espectadores, empatou. Ninguém ganha nada, entra em cartaz e vai embora. Ninguém recebeu o dinheiro da bilheteria. Se o filme tiver de 2 mi a 3 milhões de espectadores começa a haver um retorno de bilheteria para o dono do filme. Agora, veja, isso não interessa à distribuidora americana. Óbvio que se o filme fizer um baita sucesso, der 6 milhões de espectadores... Mas a grana mesmo, ela já ganhou no momento em que aplicou o dinheiro no Brasil.
Então, é uma coisa insólita. Você fez um filme que demora em média dois anos - se for muito rápido, geralmente uma produção independente leva de dois a quatro anos - teu filme fica uma semana em cartaz e acabou! Há filmes que nem chegam a ser lançados, só em festivais porque o cara não consegue uma distribuidora. Imagine, não é lançado! E você não vê a pessoa reclamar disso, porque ele é pago na produção e não na bilheteria.
Qual o papel da televisão nisso? Qual o papel que o Canal Brasil, por exemplo, pode desempenhar?
O Canal Brasil ficou muito sólido de uns cinco anos pra cá, mudou a direção. O Paulo Mendonça está fazendo um trabalho muito intenso, mas não tem dinheiro para comprar. Eles pagam pouco para exibir o filme. O que faz um filme brasileiro normal, onde o diretor e o produtor tem certa presença? Vai para o cinema, deste vai para o DVD, depois para o canal fechado, para o canal aberto (da Globo ou Canal Brasil) e acabou. Normalmente, prefere-se a Globo porque ela passa mais e dá uma baita visibilidade. O Canal Brasil ainda é muito incipiente e embora tenha melhorado muito, ainda tem pouco público.
Hoje, eu estou numa batalha para produzir um longa. Penso sempre: será que não tem outra maneira de distribuir cinema no Brasil que não seja essa maneira convencional? Já que o filme é pago com o dinheiro do povo, não tem uma maneira de fazer esse filme chegar até os verdadeiros donos? Esse filme não é do produtor, é do governo brasileiro.
É por isso que o Juca [Ferreira, ministro da Cultura) está dizendo que quer pelo menos pedaços dos direitos na nova regulamentação da Lei Rouanet. Ou seja, o ministro da Cultura quer que o governo federal fique com algum direito sobre a obra patrocinada. Tem muita lógica.
Ando pensando no exemplo da Carla Camurati que faz no cinema, o que faço muito com o teatro: sair viajando. Com o cinema é muito mais fácil porque você pode montar uma equipe de 50 pessoas e sair pelo Brasil distribuindo os filmes.
Você está dizendo que faz uma verdadeira guerrilha.
É uma guerrilha.
Guerra mesmo é a industrialização do cinema.
Mas aí, você corre o risco de ter seu filme cinco dias em cartaz e acabou. Ele nunca mais entra. Depois que foi, queimou.
E o DVD?
É muito importante.
Você não pode vender um milhão de cópias do filme?
Existe o problema da pirataria. No momento em que você coloca o DVD na rua, no dia seguinte eles estão vendendo a R$10. Você pode, talvez, segurar um filme sem pirataria, se tiver muito controle, no máximo até o dia da estréia, porque aí o cara entra com uma camerazinha e no dia seguinte, a fita pirata está à venda.
Não sei como ainda, mas o futuro será através da Internet para você atingir todos os rincões do país. Recentemente, saiu uma pesquisa sobre o que é a aceitação das lan house. O brasileiro gosta de comunicação e internet é a comunicação.
Mas não encontramos ainda uma forma de pagar (aos autores e donos) pelos direitos na internet.
Ainda não, mas para a música já. Ontem a Macintosh estava comemorando 1 bi de downloads de programas, músicas e jogos do mundo Mac. Tudo pago. Evidente que eles dão muitas coisas. Os joguinhos para telefone, por exemplo. 80% são pagos e 20% gratuito. Mas...
Você falou sobre alterações na Lei Rouanet. Qual a sua opinião sobre as propostas e as mudanças em estudos? Quais os pontos positivos e os inconvenientes? Como o mundo da cultura está recebendo isso?
É muito difícil. Veja só a história da regionalização da cultura. Quando fugi da ditadura, fui parar em Pelotas. Eu produzi teatro no Rio Grande do Sul durante dez anos e vou te dizer: você pode fazer o melhor produto cultural no RS, e vem o pior do Rio e de São Paulo, e você perde a concorrência.
Você pode montar uma peça com 20 atores, passar um ano ensaiando, belos músicos e cenógrafos, um texto de peso, um Brecht, uma baita produção e estrear num teatro em Porto Alegre, com um grupo gaúcho. Vem uma pessoa qualquer da Globo com um monólogo vagabundo, e aí não tenha dúvidas, vai lotar o teatro com o monólogo vagabundo.
O que acontece na Lei Rouanet? O que se diz é que Rio e São Paulo pegam de 80% a 90% do incentivo fiscal. Agora, o desconhecido do Rio e de São Paulo continua não pegando, assim como o desconhecido do Piauí. Mas o conhecido do Piauí pega porque um bom cineasta, um bom escritor, um bom pintor do Piauí vão conseguir patrocínio nas empresas do Piauí. Mas o desconhecido de São Paulo e o do Piauí não vão. Essa é a questão do regionalismo.
Outra história é a seguinte: a Lei Rouanet deu para o diretor de marketing da empresa o direito de escolher o que ele vai patrocinar. O governo quer ter uma parte nessa escolha através do Fundo Nacional de Cultura. Esse Fundo é o restolho, o que sobrou do patrocínio, mais o dinheiro que o governo federal bota nele. Por exemplo, eu consigo um patrocínio de R$ 500 mil para fazer um filme e gasto R$ 400 mil - R$ 100 mil vão para o Fundo Nacional de Cultura. Eu captei pra mim, não precisei, então devolvo e é esse dinheiro que vai para o Fundo.
O que o ministro Juca está propondo é um critério artístico para patrocinar. Por exemplo, um critério óbvio é que o Cirque de Soleil não precisa de R$12 milhões do Bradesco. Isso é óbvio. E custa caro! Mas aí, (a analisar por aí) você vai chegar nas estatais de São Paulo que captam 80% da Lei Rouanet - vide Orquestra Sinfônica e várias entidades que entram na Lei Rouanet, embora o Estado tenha uma lei própria e possa bancar a Orquestra. Mas, captam pela lei federal.
Devíamos ter duas maneiras de fazer a captação. Do jeito que está é impossível. A Funarte gasta tudo o que ganha enxugando gelo. Se o prefeito da minha terra, ou o de Santa Rita do Passa Quatro resolver fazer uma biblioteca ou o cara da banda resolver comprar instrumentos, ele faz uma Lei Rounet. E pensa que uma vez aprovado (enquadrado) na Lei, o governo já vai dar dinheiro para ele.
A maioria dos caras não sabem que é depois da aprovação (enquadramento) na Lei Rouanet que ele tem que captar o dinheiro. Na prática, 80% ou mais dos projetos, embora aprovados e com autorização, não conseguem captar um tostão. Quem consegue captar é gente famosa ou amigos dos empresários.
A Funarte gasta quase toda a verba analisando projetos. Contrata técnicos que fazem a análise de cada projeto, um por um e de todas as especializações. Eles analisam projetos que sabem que não vão captar, mas é uma democracia. Se estiver dentro da Lei, direitinho na planinha...
Se a análise técnica for aprovada, volta para o Ministério que publica no Diário Oficial – e o Ministério é obrigado a aprovar todos os que cumpram as exigências da lei. Aí o cara vai captar e descobre que vai começar o seu trabalho.
Frente a isso, e porque o Ministério sabe quem capta, fizemos um banco de produtores para ver se conseguirmos passar isso à frente. No ano passado houve um tráfico tão grande de projetos que o Ministério não tinha capacidade para liberar.
Como fazer? Você vai proibir que as pessoas façam projetos? Claro que não. Agora, o Juca [Ferreira] além da análise técnica, quer fazer a avaliação artística, no sentido do artístico-cultural - ou seja, decidir, “esse projeto interessa ao povo brasileiro? Esse projeto merece ter dinheiro do povo?”
O mesmo critério que deveriam ter as empresas que tomam as decisões (de patrocinar o projeto).
Não. Na verdade, as empresas que tomam a decisão querem o contrário do que quer o governo. O governo quer que o não famoso e o regional tenham condições de captar; e ao conseguir, que faça o ingresso a R$ 10,00 e não a R$ 50. Já o empresário, pelo contrário, seu interesse é a visibilidade que ele terá com a marca. Esse é o seu retorno.
Normalmente, se o projeto é bom, se ele está bem estruturado em termos da produção em relação à divulgação, se o elenco é bom, se o livro é bem escrito, se o músico for competente, se o artista tem tradição e não vai dar mancada, o empresário patrocina. O ponto de vista do empresário é muito diferente do ponto de vista do governo. O empresário quer botar a sua marca no jornal e na cabeça das pessoas que vão ver a peça, compram o livro ou ouvem a música. Já o governo quer que esse dinheiro volte para o povo de alguma maneira.
Qual balanço você faz desses seis anos de governo Lula na área da cultura?
O Gilberto Gil conseguiu dar uma dimensão muito maior para o Ministério da Cultura, pela sua presença pessoal. Sem falar que era um ministro artista. Ele cantava nas manifestações políticas. Agora, uma das falhas do PT (e isso desde o começo do partido) é que a questão cultural não é uma coisa...
Lembro-me que teve um ano em que o PT ganhou muitas prefeituras. O [Paulo] Betti, o [Sérgio] Mamberti e o Wagner Tiso fizeram um documento a todos os prefeitos do país, para organizar secretarias de cultura e tal...
E não tiveram retorno. Agora, o acerto foi ter botado o Gil (no ministério) e agora o Juca, que está fazendo um trabalho muito bom de discussão da Lei Rouanet. Há muito tempo não se discute a Lei. Não tem mais reunião de classe.
No começo do governo houve a tentativa de mudar os critérios e inventaram aquela história do “stalinismo” (acusação), mas antes que deixassem o debate evoluir, o governo recuou. E só depois descobriram que estava bem dividido. Essa discussão foi logo no começo da gestão Lula, pegava pontos como critérios da publicidade para distribuir patrocínio. Esse debate que o Juca está fazendo foi cortado lá no começo, com a pressão da mídia.
Sim.
[
Você exercita o ofício de ator em diversos campos da arte: cinema, teatro, televisão. Quais as diferenças e o que pode ser melhorado em cada um desses meios para o trabalho do ator, e para estimular o público a ir ao teatro e a ver filmes brasileiros, por exemplo?
O teatro é a presença ao vivo. Eu decoro uma cena de televisão em cinco minutos, mas uma cena de teatro, eu demoro um mês. Não sei o porquê. Medo de errar? No teatro, tem peça que eu lembro até hoje; já na televisão, você acabou de fazer a cena, vai trocar de roupa e se o cara disser “tem um problema”, você tem que responder “me dá o texto de novo porque apagou”. Gravou, apaga. É memória volátil. No teatro, você demora muito para decorar e nunca mais esquece.
Mas você tem que incorporar o personagem na televisão, no teatro e no cinema.
Isso é a mesma coisa. A diferença é que no teatro a última pessoa no fundo tem que ver o que você está fazendo. Então, é tudo mais exagerado, o volume de voz, o gestual. Na televisão e no cinema, se você está no plano aberto, pode exagerar um pouco, mas conforme a câmera vai fechando na tua cara, menos você representa.
No primeiro filme que fiz, eu mexi a sobrancelha. A câmara estava aqui e o diretor cortou e disse: “se você fizer esse barulho terá que botar áudio, porque tua sobrancelha estará com 4 metros”. Então, você não pode fazer nada. Essa relação se aprende com o tempo, mas quanto maior a lente, menos você faz. Se o cara falou “bota uma 50”, você já começa a ficar preocupado; se for 75, 100 e 120, não faz nada; 40, 32, 20, você pode fazer caras e bocas.
No teatro não tem nada disso, é você e o público. No cinema, a câmera faz coisas para você. Um close maior aumenta a força do seu personagem. Não é preciso fazer na cara e na voz, como requer o teatro. Agora, o método de interpretação é o mesmo: arar a terra de forma que isso vá germinando. Você faz uma vida que não existe. Existe uma ciência que estuda isso inventada pelo Constantin Stanislavski, que tem um método racional para você melhorar como ator.
Por exemplo, fui fazer o Juscelino Kubitscheck, um papel de época. Estudei toda a época do JK, sua vida; a da mãe e do pai, fotos daquele tempo. Fui para Diamantina (MG), conversei com a dona Sarah Kubitscheck, com suas filhas, netas e genros. Esta é a terra que você vai plantando para ver ser nasce alguma coisa dali. Mas existe o método objetivo, não tem essa de “inspiração”. Isso é piada. Na hora da estréia não tem um ator de teatro que não sente vontade de sair correndo e ir embora. É desesperador e quanto mais difícil a peça, mais desesperado você fica. Isso não existe nem na TV, nem no cinema.
O que no Brasil tem melhorado para o ator? O que tem sido feito para estimular o público a ir ao cinema e ao teatro?
No teatro brasileiro, com raríssimas exceções, só faz sucesso comédia. Virou uma loucura. O preço é caro, mas se fosse comparar com o preço de quando eu comecei a minha carreira, hoje custaria R$300. Na realidade, o preço caiu.
Não há como comparar com o cinema, em que você pode pegar um filme e colocar em 300 salas. Teatro tem que fazer uma sessão por dia, no máximo duas, mas não há público para isso. Veja, o público caiu tanto que quando comecei a minha carreira, eu fazia peças na 3ª, 4ª, duas sessões na 5ª sábado e domingo. Hoje, você só faz 6ª, sábado e domingo em São Paulo. No Rio é de 5ª a domingo. Hoje, em São Paulo, três dias da semana. Antes nós fazíamos oito sessões, era o exigido nos contratos que assinávamos nas décadas de 60 a 80.
Teatro virou uma arte muito específica. Dentro dessa especificidade, só faz sucesso um Shakespeare, um Brecht, ou uma superprodução com atores muito bons - como está fazendo sucesso o Wagner Moura - ou essas 300 peças de comédia. Hoje em dia, você pega o pessoal que faz o Zorra Total, eles estão com peças lotadas em todas as cidades no interior de São Paulo.
O cinema é uma incógnita maior do que o teatro. O que faz (filme) "O Menino da Porteira" colocar um milhão com 300 cinemas, e "Se Eu Fosse Você 2" colocar 6 milhões? "Se Eu Fosse Você 1" não teve nem um milhão e pouco de espectadores... O que faz? Pode ser o Tony Ramos na novela das oito? O Tony é engraçado? Agora, exatamente saber o que é, qual química é essa, ninguém sabe.
"Dois Filhos de Francisco"...
O que fez "Dois Filhos de Francisco" ter 5 milhões? Ninguém sabe! O Daniel Filho chegou para o Breno [Silveira] e disse: “você está frito, nunca mais fará um sucesso desses, sua carreira só pode cair”. Foi o primeiro filme do Breno e já teve esse sucesso!
Milhões de brasileiros tem uma história parecida com esta. O filme trouxe de volta (a história) uma geração que há 20 ou 30 anos saiu do interior e passou a vida toda...
Foi o primeiro filme que quebrou o preconceito contra o caipira.
Trouxe a vida dessa gente.
Quando lançaram aqui no Rio, inclusive, para tirar o preconceito, eles pediram aos críticos que não vissem o filme como se fosse um filme de cantor brega.
Mas não é de cantor brega.
Esse filme ultrapassou tudo isso. Já "O Menino da Porteira" não aconteceu. Jogaram tudo muito em cima do Daniel. Hoje, está com 1 milhão de espectadores e esperava-se 4 a 5 milhões.
O brasileiro gosta de arte?
O brasileiro gosta muito de arte.
Qual a sua avaliação do público brasileiro? Ele está preparado para a inovação? É conservador?
Não é conservador de jeito nenhum. Eu viajo muito pelo Brasil e muitas vezes, você liga para o prefeito e ele diz “o povo da minha cidade não gosta de teatro!” “Quantas peças o Sr. teve aí, prefeito?” “Que eu saiba nenhuma...” “Então, como o Sr. sabe que o povo não gosta? Deixa eu ir aí, é barato...”
Como eu não tenho patrocínio, vou por conta do hotel, alimentação e um tanque de diesel - toda prefeitura tem uma bomba de diesel por conta do caminhão de lixo. Aí, você vai, o prefeito leva a família e quando vê, todo mundo bate palma. As pessoas querem ver, gostam mesmo. Agora, você tem que ir atrás.
Tem crescido o número de municípios com política cultural?
Muito, demais. Uma revolução. Toda cidade tem teatro. Acho que chegou a um ponto que os prefeitos não tinham o que fazer - fizeram as praças, o coreto, o clube - e veio a pergunta: “O que eu faço?” “Faz um teatro, bota o nome da sua mãe e pronto!” Brincadeiras à parte, teatro é um negócio que fica, mesmo que não tenha muito ator. Em 1994, um ano que eu rodei muito, não tinha teatro. Hoje em dia... Na sua região (Passa Quatro-MG), por exemplo, toda cidade tem teatro.
Mas a minha região é muito desenvolvida!
Santa Rita do Passa Quatro (a minha terra) tem teatro também. O prefeito conseguiu reformar o cinema velho e a prefeitura conseguiu aprovar. Em Poços de Caldas tem, inclusive, o Luis Nassiff é de lá.
Agora, é importante dizer que como a TV Globo, não existe em nenhum país do mundo. Talvez a Índia com o cinema... Ao mesmo tempo em que a Globo faz com que fiquemos extremamente conhecidos, há um lado inverso: ela dá muito para o povo brasileiro em termos de novela, minissérie, humorismo. É muita oferta de graça, sem sair de casa. Você vê na televisão os mesmos bons atores que você vê no cinema.
Nos Estados Unidos só agora a televisão está botando bons atores. Antes, eles só faziam cinema. Na Índia, a comunicação de massa é o cinema. Quando tem, por exemplo, um ator conhecido de um filme badalado, são filas de duas a três horas. Todo mundo quer ir à estréia. A Globo dá o arroz com feijão, a alimentação cultural que você precisa de ficção, de ver ator, cenógrafo, diretor. Esses elementos da arte teatral e cinematográfica, ela dá isso de graça ao povo brasileiro.
Como é representar personalidades históricas, como o presidente Juscelino em "Bela Noite para Voar", ou mesmo, em "Fala Zé!" que você tem levado e que no fundo é um pouco de cada um de nós da geração de 68.
Sobre o Juscelino, tem um negócio interessante. Meu pai, que era goiano, em 05 de outubro de 1955, enquanto ouvia a apuração da eleição (a votação foi no dia 03) passou mal. Cinco dias depois, ele morreu. Minha mãe contava que ele era juscelinista. Eu era muito novo, tinha 9 anos. Mas ela falava que como ele era goiano, e Juscelino tinha falado de Brasília (prometido construir a capital num comício nesse Estado), todos os goianos estavam torcendo para que ele fosse eleito.
Essa história do Juscelino caiu nas minhas mãos novamente quando eu fiz Anos Dourados. Eu fazia um militar juscelinista. Era um major da Aeronáutica, algo raro na época. Tanto que o sogro dele fazia um brigadeiro lacerdista, o Zélio Góis. E a dona Sarah Kubistchek, quando uma produtora de Minas quis fazer a vida do Juscelino no teatro, mandou me chamar. Acredito que por conta desse personagem. Aí, eu fui estudar a vida do Juscelino.
E digo a você: se eu tenho alguma cultura, 80% dela vem desse estudo que faço para compor meus personagens. Agora mesmo, para a novela das oito, eu fui para a Índia, fiquei lá (na novela que vai até 11 de setembro, Zé de Abreu faz Pandit, um sacerdote indiano). E estou estudando sânscrito, mantra, canto.
Então, comecei a estudar sobre o JK. Falei com a dona Sarah, li os livros do Juscelino, fiquei amigo do [Carlos Heitor] Cony. Esse livro Bela Noite para Voar é do Pedro Rogério Moreira. Tem muito material para estudar. Conversei com muita gente.
O Cony sabe muita coisa sobre o Juscelino.Também o Cel. Afonso Heliodoro que era amigo pessoal do Juscelino, o Carlos Murilo Felício dos Santos, líder dele na Câmara. Fazer o Juscelino foi muito legal. Pena que a peça que montamos em Brasília e em Belo Horizonte, chegou no Rio no final de 1989. Era a disputa presidencial de Collor e Lula. Então, não dava, ninguém ia ao teatro. Nós íamos nas manifestações. Lembra-se da manifestação na Cinelândia?
E o "Fala Zé"?
Foi uma coisa de idade. Aos 60 anos dá vontade de falar do passado. A gente começou a produzir a peça antes do estouro da boiada, escrita por um gaúcho fundador do PT do Rio Grande do Sul. Na realidade, a peça falaria sobre um monte de Zés. Eu ia começar com o Zé Bonifácio e chegaria até o Zé Dirceu.
Eu iria costurar essa história, mas no fim, ela ficou uma biografia minha, na qual passo por você, pelo Zé Mentor, e pelo tempo que nós passamos juntos.
Já percorri mais de 200 cidades com esta peça. Nela, nós falamos muito sobre a ditadura. A gente mostra, ridiculariza e brinca com esse período, inclusive, com a tortura, as cenas na cadeia, a barra pesada. Primeiro fazemos rir, mas de repente, puxamos a cordinha. Tem momentos em que o público está rindo e de repente, você fala uma coisa extremamente grave, como Matta Machado, por exemplo. Você se lembra? Ele roncava muito, nós ficamos presos uns cinco dias juntos - eu, você o Matta Machado, o Arantes, Zé Roberto.
Na peça eu digo que ele roncava muito e no meio do papo conto: Matta Machado veio de uma família de políticos mineiros, o pai dele era deputado federal e foi morto na tortura. Se o cara era filho de deputado federal e foi morto na tortura, imaginem o que eles não faziam com quem não era filho de deputado federal! Então, são essas coisas.
Tem muito público?
Tem muito público. Mas, eu tenho que chegar na cidade antes do jornal do almoço. Esse jornal é fundamental para o pessoal saber da peça. Se você vai em cidade muito insólita, que ninguém vai, eles só acreditam quando veem o artista e você anda pela cidade.
Você está muito conhecido.
Sim, às vezes, as pessoas não sabem bem o meu nome. Lembram mais o nome do personagem.
Inclusive, eu montei uma tenda para você ler a mão do pessoal.
Vou comprar uma salinha em Copacabana.Estamos tendo um problema sério com a mídia
Zé, quais suas expectativas profissionais e como você está vendo o Brasil politicamente?
Profissionalmente, estou contratado até 2014. Minha posição na Globo é muito sólida. Eu posso fazer cinema e teatro, só não posso fazer televisão (em outras emissoras).
Agora, o negócio é ter tempo. Até outubro gravo a novela. Ela estreou em janeiro – o Boni nunca deixava novela estrear em janeiro, tinha que ser sempre em abril, pelo menos a das oito, que é quando o país volta...
Politicamente vamos ver. Acredito que estamos tendo um problema sério com a mídia. Hoje, a Internet e os blogs independentes, apesar de terem menos força, estão conseguindo (se impor). Eu freqüento muito blogs, até abri mão do meu. Escrevo muito para o Nassif. Na verdade, eu gosto de falar sobre política.
Agora, eu vou produzir meu longa e começa a filmar no ano que vem, em abri, no Rio Grande do Sul. É uma história sobre a imigração judaica.
E politicamente, a gente avança?
Avança! Vou fazer campanha para a Dilma. A próxima eleição vai ser uma guerra. A vida é dura. Nunca o Brasil esteve tão dividido. Em blog a gente briga muito. Eu criei um personagem (um codinome) e às vezes, entro nos blogs. O meu personagem entra e começa com aquela história do paulista que reclama do trânsito: “esse Lula fica aí e agora qualquer pobre pode ter carro! Por isso que o trânsito não anda! Outro dia, eu estava no avião e o cara perguntou quanto ia demorar para baixar porque estava com vontade de fazer xixi! Nem sabe que tem banheiro no avião, e como é que anda de avião? Isso é culpa de quem? De quem? Do Lula! É óbvio.”
Vocês não tem idéia de como tem gente que vai na minha, ou melhor, na do personagem. Está tudo muito dividido. Os blogs são uma coisa impressionante. E garanto que estou muito mais radical do que você quanto à mídia. Nós nunca tivemos uma imprensa tão raivosa e a campanha no ano que vem vai dividir muito o Brasil.
Antes um cara para escrever uma carta no jornal era uma coisa... Hoje, para escrever e publicar na internet é muito mais rápido. E ainda dá para ser anônimo. Às vezes, você coloca uma defesa e vai levar cacetada. Acho que nem pode falar teu nome no blog do Reinaldo Azevedo.
A imprensa está partidarizada, o jornal editorializado. Criaram o jornalismo de escândalo e não tem mais do que tratar. O assunto deles era a crise... Agora, a crise está acabando e o país vai crescer 3%.
Totalmente. O que foi essa história da ficha da Dilma Rousseff? (na Folha de S.Paulo, uma ficha forjada). Pára com isso! Por que não assumem como os jornais americanos o lado em que estão e ponto final?
Portal Vermelho.
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