segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Senado estimula náuseas, ânsias e vomições


Ricardo Giuliani Neto, Última Instância - 15/06/2009


Agora são os atos administrativos secretos. Sim, pasme, a mídia descobriu que o Senado da República editou quase uma centena de atos administrativos clandestinos. Secretos! Quer dizer, às escondidas, camuflados do povo, da lei e da Constituição. Atos administrativos abstrusos, ocultos, privados, sem publicidade, nulos, portanto, no próprio berço. Tá lá, artigo 37, cabeço, da Constituição Federal.

Com certeza, do mesmo modo que a coisa fedorenta dos cento e lá vai picada de diretores, das horas extras malcheirosas, pagas na calada da noite, dos putrefatos esquemas jogando parentes em empresas terceirizadas, haverá uma montanha de senadores afirmando: nada sabem, nada ouvem, nada sentem, a não ser o podre infecto de uma instituição que a cada dia se faz mais não-republicana. Ora, é muito otimismo imaginar senadores sentido o fétido brotando do carpete azul anil.

Um dia já quis falar de Senado e terminei no outono. Perdão: fujo pras gentes.

A noite chegava fria, entrecortada pelas luzes vermelhas dos semáforos bravios. Jaziam sobre poltronas motorizadas, polpudas e aquecidas nádegas, aboletadas sob as espinhas curvadas de posturas mal-preparadas.

A dança das luzes misturava os sentidos, os faróis, as fantasias e todas as loucuras das lúgubres idas e vindas e todos os frenesis transcendentais. Os semáforos indecisos transitavam de cima a baixo, tresloucados, construíam cores e arco-íris, imagens e obscuridades.

Lá, na noite fria, banhada de ardentes luzes, passeava a senhora, pele de seda, calças listradas com o branco e o preto, coletinho de lã azul, punhos encolhidos pela lida de todas as noites.

Os raios das sinaleiras, mesclados com os trovões das surdinas mal aparadas, jogavam a velha mulher num exercício contínuo de escapa e foge, de volta e escapa, esforço mudo esmolando, ares serenos de beija-mãos.

São 25 ou 10 centavos. Sorrisos, carrancas, vidros fechados, dentes brancos suplicando desculpas amargas. “Muito obrigada”, “Deus lhe pague”, pois tudo, tudo sabemos, “Deus lhes dará em dobro”, “muito obrigada”. Amargurados brancos dentes pedintes de tantos perdões. Mendigas de compreensão. 25 ou 10 centavos... Muitos obrigadas.

Pequenos brincos adornam as pequenas orelhas. O corpo curvado do foge e escapa vai estendendo as mãos pequenas adornadas de anéis, bijus de bom gosto; as palmas, de seda, as conchas, de dor, os dedos, tentáculos invadindo vísceras e arrancando corações. Bundas aboletadas em aquecidas poltronas... Colunas curvadas; é o peso da rogação.

A gola da camisa barata, viscose imitando a seda, está bem colocada sobre o caimento do trabalhado colete. No antebraço, a bolsinha branca, magra e esquálida; pálida, feito rosto da mulher altiva.

“Que Deus lhe dê em dobro”, diz a velha mulher. “Como está frio nesta noite”, vai sorridente ao senhor gentil; trocas de olhares amenos.

Que frio. São 10, são 25 centavos.

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