Por Gilberto Costa,
Começa neste domingo 10, em Goiânia, a 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Na edição deste ano, o encontro deverá reunir cerca de 10 mil pessoas e terá como tema Cerrado: Água, Alimento e Energia.
A escolha do tema comprova a preocupação da comunidade científica brasileira com a questão ambiental, de forma “transdisciplinar” enfatiza a bióloga Helena Bonciani Nader, professora do Departamento de Bioquímica da da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidenta da SBPC, reeleita recentemente.
Este ano, Helena Nader iniciou duas cruzadas em Brasília. A primeira é para fazer com que os parlamentares ouçam os cientistas brasileiros quanto às mudanças no Código Florestal. A segunda é para garantir que a ciência e a tecnologia não percam investimentos públicos. Segundo ela, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou com elogios da comunidade científica, quanto a investimentos. Porém, com os cortes anunciados em fevereiro, na gestão da presidenta Dilma Rousseff, a classe científica chora a falta de recursos.
Leia a seguir os principais trechos de entrevista que a presidenta da SBPC concedeu à Agência Brasil, antes de viajar para Goiânia.
Agência Brasil – O tema central da reunião será mesmo a questão ambiental?
Helena Nader – Entre várias outras, não é? Não é só o ambiental, tem também, por exemplo, toda uma discussão em torno do individuo que mora em determinada região. Haverá avaliações sobre o impacto de algumas obras nas populações. Estamos olhando o ambiental, mas também estamos olhando a economia. O foco é transdisciplinar, não é só ambiente em si ou a preservação.
ABr – Os grandes projetos estão na agenda política nacional assim como a mudança do Código Florestal sobre a qual a SBPC se posicionou, mas não foi ouvida na votação na Câmara dos Deputados. Os cientistas estão sendo ouvidos no Senado?
Helena Nader – Sim, já participamos de algumas audiências públicas. Duas delas aconteceram na terça (5) e na quarta-feira (6). Levamos a contribuição que a ciência pode dar. Não cabe à SBPC verificar aspectos jurídicos e políticos. O grupo de trabalho da SBPC não opinou em relação ao problema de perdão da divida [para quem desmatou até 2008], portanto. Estamos mostrando que existe uma ciência que o Brasil domina e deve ser levada em consideração. Há tecnologias que podem ajudar, por exemplo, na definição das áreas de preservação permanente e de reserva legal, assim como nos meios de recomposição florestal. É preciso deixar claro que a SBPC não é pró-ambiente e nem pró-agricultura, ela é pró-ciência. A ciência pode dar equilíbrio a essas duas coisas.
ABr – A reunião ocorre depois de a presidenta Dilma Rousseff completar os primeiros seis meses de mandato. Como a comunidade científica avalia o desempenho do governo?
Helena Nader – Estamos muito preocupados. Muito mesmo. O governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou com elogios de todos os lados, inclusive da comunidade científica. Elogios muito grandes porque tinha investido mais em ciência, tecnologia, e estava começando no trilho para a inovação – que é o que todo mundo cobra. Foram criados os institutos nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) dentro daquela política de Estado de manter a pesquisa e fazer esse diálogo com o setor produtivo. O que aconteceu? Para surpresa nossa, foi cortado o orçamento dos INCTs. Então, aquilo que vinha em um crescente, caiu. Foi cortado em fevereiro e não vai ter recomposição. Então, estamos lutando por essa recomposição. Os cortes do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) não fazem sentido.
ABr – Os INCTs articulavam os pesquisadores do país inteiro. E como eles ficam agora?
Helena Nader – Eles continuam existindo, mas não têm dinheiro. Aquilo que saiu, saiu. O corte foi para tudo. Não é só para os INCTs. Houve um corte em torno de 25% – isso é muito dinheiro! Não é que o ministro [Aloizio] Mercadante [da Ciência e Tecnologia] ou secretário executivo do MCT, [Luiz Antônio] Elias não estejam lutando. Nós fomos chamados [a Brasília] e nos disseram que isso já se resolveu, mas eu ainda não vi isso por escrito. Fomos chamados para uma reunião com todos os setores da sociedade para discutir o Plano Plurianual. Fui como representante da ciência. Na reunião, vimos que haviam dez macrodesafios no plano, mas não estava a área de ciência e tecnologia.
ABr – Isso não foi resolvido? O Ministério do Planejamento enviou nota à Agência Brasil afirmando que “Ciência, Tecnologia e Inovação formavam um macrodesafio.”
Helena Nader – Eu não vi isso por escrito oficialmente. Eu gostaria de ver isso no documentado. Por outro lado, eu tenho que saudar a presidenta, porque está tendo cada vez mais investimento na educação.
ABr – A SBPC acompanha a discussão do Plano Nacional de Educação?
Helena Nader – Estamos participando. Algumas pessoas da SBPC acham que temos que fazer uma grande revolução estrutural nas universidades. Outras, não. Estamos com modelo antigo para as universidades – modelo francês que tem 150 anos –, e hoje e temos que ter uma flexibilização de currículos. O MEC está incentivando que isso aconteça, mas é difícil acontecer de uma vez. Todos concordam que tem que haver uma maior flexibilização no sentido de o estudante poder fazer outras coisas em outros lugares e isso valer créditos.
Abr – O MEC junto com o MCT têm anunciado a prioridade para a formação de engenheiros. A senhora, que é da área de biomedicina, não teme que essa prioridade às engenharias signifique a diminuição de verbas para outras áreas? Fazer isso não seria desvirtuar uma vocação da pesquisa no Brasil, visto que 25% daquilo que se pesquisa é na área de biomedicina?
Helena Nader – Não desvirtua a vocação. A gente precisa das duas. Por enquanto, a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] aumentou os recursos. O Ministério da Educação não teve cortes. Investir na formação é investir no futuro. A gente precisa [de mais engenheiros] se quisermos ter inovação. O Brasil sempre formou muito bem engenheiros. Temos grandes escolas, mas o número de que nós precisamos está abaixo da necessidade, para dar o salto que o Brasil diz que quer dar. Ninguém é contra o projeto porque isso é politica de Estado. Agora, o governo pode, uma vez mantido isso, dizer que há outras coisas consideradas prioritárias. Não adianta tirar de A para pôr em B. Quando Barack Obama assumiu a Presidência dos Estados Unidos, no auge da crise econômica, ele pôs mais dinheiro em ciência e tecnologia. Só com ciência e tecnologia que você reverte a ausência de empregos e de inovações.
Abr – O ministro Mercadante costuma citar Barack Obama que disse que os Estados Unidos precisam encontra um novo Sputnik (satélite artificial enviado ao espaço pela União Soviética, na década de 50) , que os desafiaram na corrida espacial contra a União Soviética.
Helena Nader – Não é o Sputnik que eu quero encontrar. O Brasil investe muito menos em ciência e tecnologia. Nós, quando acabou o mandato do Lula, comemoramos a ascensão da ciência e tecnologia em termos de financiamento. E agora eu choro a falta de recursos.
Agência Brasil
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