Enquanto o primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, passava o pires para empresários alemães ajudarem seu país a sair da crise que ameaça toda a Europa, um suposto operador financeiro independente afirmava à BBC que o mercado estava pouco ligando para o novo plano de resgate da economia da zona do euro e que se interessava apenas em faturar com uma eventual nova recessão.
A sinceridade do operador financeiro surpreendeu a entrevistadora da BBC e gerou suspeitas de que se tratava de um impostor. A BBC garantiu que fez uma investigação detalhada e que a entrevista não foi uma fraude. Uma hipótese levantada por mensagens de Twitter era de que Alessio Rastani, o operador financeiro entrevistado, fosse integrante do "Yes Men", grupo ativista de humor que busca ocupar os meios de comunicação para despertar a consciência do público sobre questões sociais. Um representante do grupo negou que Rastani seja um de seus membros. A BBC insiste que o entrevistado é realmente um operador independente, e a Forbes o entrevistou no dia seguinte, sem conseguir desmascará-lo.
Seja ou não um impostor, o que causou sensação foi que Rastani disse o que, no fundo, todo mundo acha que o mercado pensa. Enquanto a Europa e o mundo prendem a respiração diante da grave crise econômica e suas ameaças, ele revela que o mercado quer aproveitar o momento para fazer dinheiro. Alguém duvidaria de tais intenções?
Perguntado se o mercado confia nos planos em curso para salvar economias em perigo, como a da Grécia, Rastani respondeu que, como operador, não se importa. "Não ligamos muito para como vão consertar a economia. Nosso trabalho é ganhar dinheiro com isso", afirmou. "Os governos não controlam o mundo. O Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos", completou.
Em seu último filme, "Wall Street - O dinheiro nunca dorme", Oliver Stone mostra a falta de escrúpulos dos grandes bancos e seus operadores, com os lucros acima dos interesses nacionais. A afirmação de Rastani de que o Goldman Sachs manda no mundo é o reflexo do neoliberalismo, que enfraqueceu os Estados e fortaleceu os mercados. O Goldman Sachs é o principal banco de investimentos dos Estados Unidos, e, de seus quadros, saem dirigentes de empresas e membros do governo norte-americano.
O Goldman Sachs e seus parceiros defendem a total desregulamentação do mercado e atacam os títulos públicos de vários países, obtendo lucros extraordinários mediante as altas taxas de juros oferecidas. Quando a crise se avizinha, reduzem suas exposições e deixam que os Estados prestem o socorro. A Grécia está sufocada por exigências de redução de sua dívida pública, o que levou Papandreou a afirmar em Berlim que o país está fazendo esforços "sobrehumanos". Leia-se, submeter sua população aos maiores sacrifícios para pagar os credores.
A zona do euro, Alemanha à frente, tenta montar um plano para salvar suas economias em perigo e evitar um possível calote grego. A Alemanha votará um projeto para ampliar os poderes de um fundo europeu de resgate, permitindo que compre títulos da dívida de países com altos déficits e de bancos com pouco capital. Pelo lado do mercado, analistas advertem que a volatilidade continuará enquanto não estiverem claros os efeitos práticos dos planos de recuperação econômica.
Esta declaração pode revelar uma espécie de torcida, como disse Rastani na entrevista à BBC. "Estou confiante que esse plano não vai funcionar, independentemente de quanto dinheiro os governos puserem. O euro vai desabar", vaticinou. "Sonho com esse momento há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso".
Imagino que os mercados irão desautorizar Rastani, embora não tenha sabido de manifestações até o momento. De qualquer forma, sua entrevista é reveladora da autofagia dos operadores e de como o mercado se dissocia da sociedade e da preocupação com a saúde econômica dos países.
Sobre o autor deste artigoMair Pena NetoJornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.Direto da Redação
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