A prolongada crise capitalista declarada em 2008 trouxe as teses de Karl Marx de volta ao debate em lugares inesperados – incluindo, por exemplo, as páginas do Wall Street Journal e da Bloomberg News. Mas raramente foram citadas de forma tão cínica quanto no discurso político do Partido Republicano e da Fox News ao falar de “luta de classes”.
Não há boas razões macroeconômicas para que a redução do déficit público seja vista como a questão mais urgente e prioritária dos Estados Unidos no momento, mas nesse ponto, Obama rendeu-se à agenda republicana. Insiste, porém – e é sensato –, em que se essa redução precisa ser feita, que o seja em parte por aumento de impostos e não só corte de gastos públicos. Seguindo a sugestão de Warren Buffet, sugere um imposto extra às pessoas físicas que ganhem mais de um milhão de dólares por ano.
Atualmente, esses contribuintes são, em média, muito menos tributados que a classe média, pois as rendas, lucros e ganhos de capital são taxados em apenas 15%, ao passo que a alíquota sobre a renda do trabalho chega a 35%. Isso afetaria apenas os 450 mil estadunidenses mais ricos – 0,3% dos contribuintes – e proporcionaria, em 10 anos, uma arrecadação extra de 1,5 trilhão de dólares, que representariam cerca de um terço do total de 4,4 trilhões previstos no pacote. O restante viria de cortes nos programas de saúde pública Medicare e Medicaid e do (incerto) fim das guerras no Iraque e Afeganistão.
Para os apresentadores da Fox e o presidente republicano da Câmara, John Boehner, Obama está “recorrendo à luta de classes”, “penalizando a classe mais produtiva” e “minando o espírito empresarial dos Estados Unidos”. Poderia ser, quando muito, defesa de classe. A resposta de Obama foi correta: promover a histeria sobre o déficit público e contra os gastos sociais e ao mesmo tempo proteger os cortes nos impostos sobre os ricos aprovados em 2001, no início do governo Bush júnior, como insistem os republicanos, já é pura luta de classes.
O problema não é Obama reagir à guerra de classes dos republicanos: é fazer isso de mentirinha. É evidente para quem acompanha o cenário político dos EUA que essa parte da proposta não tem nenhuma chance de ser aprovada no atual Congresso – e se as eleições de 2012 o mudarem, dificilmente será para melhor. Quanto à guerra no Oriente Médio, é também claro que acabará ou não em função da situação geopolítica e não de decisões orçamentárias. Ou seja, passará apenas a parte do pacote que penaliza os usuários da saúde pública, que nos EUA são os pobres e os idosos. O melhor que se pode dizer da proposta é que dá aos democratas um discurso e uma bandeira, o que lhes dá uma chance de se saírem menos mal do que se marcharem em silêncio para o matadouro.
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