quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Julgamento do século?

 
 
Renato de Mello Jorge Silveira
Valor Econômico - 02/08/2012

Uma afirmação sempre recorrente na mídia é a colocação de que determinado feito judicial acaba se mostrando o "julgamento do século". Essa adjetivação não é nova. Grandes juristas do passado já fizeram compilações sobre julgamentos dessa ordem, mas a dúvida, aqui, é outra: será que essa colocação é, hoje, correta?


Mundo afora, a expressão é corriqueira. Apenas no século XX, existem diversos exemplos. Já foram assim chamados os casos Leopold e Loeb, do sequestro do filho do casal Lindbergh, do julgamento do casal Julius e Ethel Rosenberg, do julgamento de O.J. Simpson, para se citar apenas alguns no horizonte internacional. No Brasil a realidade não é diferente. A cada novo escândalo ou violência contundente, quando levados às barras dos tribunais fala-se sobre o novo "julgamento do século".


O chamado caso mensalão, cujo julgamento começa hoje, entretanto, talvez guarde alguma diferença da generalidade. E isso, por alguns motivos. Primeiro, por certo, pelas personagens envolvidas, em número e importância. Políticos, empresários e pessoas próximas ao poder são, hoje, levadas à Justiça. Sem dúvida, isso, aos olhos leigos, parece quebrar a ideia de que essa mesma Justiça se comporta como se fosse uma pirâmide social, onde uma base larga - da população em geral - é o público alvo, enquanto, o cume, bastante estreito, quase nunca é questionado. Embora possam existir dúvidas sobre a validade dessa leitura, ela parece ser bastante presente.


Outra razão para a etiqueta "julgamento do século" diz respeito ao descomunal tamanho do processo, e o que isso significa em termos de empenho do Supremo Tribunal Federal. A pauta interrompida, foco unitário nesse processo e a mobilização do país em torno do mesmo, também são razão mais que suficiente para a utilização do termo. Um detalhe a mais. A quantidade e qualidade dos advogados chamados ao processo também não só é inusual, como também dificilmente se repetirá em uma vida.


Deve ser colocado, entretanto, que apesar do rótulo, não se pode dizer que este é o caso mais importante já enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal. Nos últimos anos, o Tribunal julgou casos de extremo relevo, com influência na vida e no direito de inúmeras pessoas. Mesmo em termos criminais, não se pode, por exemplo, dizer que o caso ora em pauta venha a ser mais importante do que o julgamento das condutas havidas por um Presidente da República, logo após ser deposto do cargo dentro de parâmetros estritamente legais. No entanto, em termos de dimensões e divulgação, sem dúvida, a importância, aqui, é de ser vista.


Hoje será o início. Além do esperado relatório do feito, o que, segundo o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal deveria ser o primeiro ato do julgamento, espera-se o levantamento de diversas questões preliminares, as quais, segundo o mesmo Regimento Interno devem ser julgadas apenas antes do mérito (art. 136). Pode ocorrer, entretanto, que a defesa, ancorando-se em uma sua prerrogativa prevista no Estatuto da Advocacia e da OAB, utilize da palavra pela ordem para requerer o desmembramento do processo. Com isso, essa questão poderia ser julgada antes das demais preliminares.


A opção de julgamento único e conjunto pode contrariar muitas decisões anteriores da própria Corte, mas sua justificativa não deixa de ser aceitável, com isso evitando-se possíveis julgamentos diferentes em instâncias diferentes. Esse específico tema será, neste espaço, posteriormente abordado, inclusive mencionando-se o que vem a implicar o foro privilegiado para a defesa de acusados em processo criminal.


Quanto ao fim, ele ainda é de todos desconhecido. Fundamental, de todo modo, ter por certo que ele deve, sempre, ser visto em termos técnicos. Não se tem de esperar mais do que isso. Portanto, que venham as absolvições ou condenações, mas que sejam elas baseadas em alicerces sólidos, dignos da tradição do Supremo Tribunal Federal.


Renato de Mello Jorge Silveira é professor titular da Faculdade de Direito da USP.

Nenhum comentário: