Pode parecer redundante (e, cá para nós, é mesmo) a insistência com que esta coluna se refere aos temperos e destemperos da mídia global ao tratar da matéria política em nosso país. Além das inúmeras razões já exaustivamente expostas para essa insistência, a verdade é que ela também tem motivos históricos. A vantagem dos cabelos grisalhos (se é que existe) é que aquele que os detém pode falar daquilo que vivenciou, que testemunhou. Nos tempos da ditadura, presenciei a sustentação que essa mídia deu ao regime militar da repressão, dos assassinatos e das torturas. De lá para cá, lembro-me de muitos episódios antidemocráticos em que ela se envolveu e não é por acaso que , no ambiente da internet, já esteja carimbada como um dos componentes da sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista). Quer alguns deles? Pesquise o caso da Proconsult, a edição do debate Lula x Collor, o episódio da “bolinha de papel” do Serra...
Essa apregoada hegemonia de audiência deveria trazer consigo responsabilidades com o povo que a sustenta. Não é assim, porém, que a banda toca e, lamentavelmente, em nome dos interesses neoliberais, valem todos os recursos para iludir, desinformar, alienar, suprimindo-se a importância daquilo que não interessa destacar e conferindo-se um relevo desproporcional a tudo que ajuda a construir uma não disfarçada plataforma político-ideológica. Um verdadeiro partido, mas que dispõe de meios inacessíveis a qualquer organização partidária, com a vantagem de que não se submete a eleições e praticamente fala sozinho...
Mas esse quadro monopolista nefasto, se bem analisado, deixa nu algo que se tenta enfaticamente negar ou esconder: não morreram as ideologias e, queiramos ou não, todos somos tendentes, em nossa visão do mundo, a trilhar caminhos em que o coração nos leva para a esquerda ou para a direita.
Se a queda do muro e a própria globalização constituíram “vitórias” da direita – chegando-se a apregoar, então, um mundo ideologicamente unificado - , não demorou muito para que essa fosse uma vitória de Pirro, a julgar pelas crises que o nada civilizado capitalismo vem impondo ao mundo. Voltam a ser discutidas alternativas a esse sistema que, no fundo, busca perpetuar elites dominantes e fortíssimas corporações financeiras. As massas estão indo às ruas com movimentos de ocupação para defender valores sociais e exigir a representação de seus autênticos interesses. Não é por acaso que, na América Latina, proliferam, hoje, governos nitidamente de esquerda, eleitos pelo povo, na Venezuela, na Bolívia, no Equador, no Uruguai etc . E mesmo aqui, apesar de uma certa despersonalização ideológica, fruto da funesta “governabilidade” que impõe a participação dos Sarneys, dos Calheiros e outros do gênero .
Voltando a mídia e seus desígnios, saúdo o texto de Mário Augusto Jakobskind sobre a vinda da blogueira cubana Yoáni Sánchez ao Brasil , e endosso por inteiro o que ali se contém. Na tentativa de dar à discutida personagem um destaque que ela não tem, fazem isso com tal estardalhaço que, é claro, acabam por provocar reações cujo acerto nem quero discutir, fruto do inconformismo dos que enxergam nessa farta cobertura o mesmo jeito unilateral e manipulador de sempre, onde o contraditório não se manifesta. Afinal, há muitos cubanos que poderiam vir ao Brasil para falar bem do seu país. E se alguém quiser argumentar que estariam “a serviço do regime castrista”, é claro que podem também valer os argumentos dos que acham que Yoáni está a serviço de outras entidades... Se ‘O Globo” pode intitular os manifestantes contrários à cubana de componentes de uma “minoria histérica” – usando o recurso de sempre, de se valer de “especialistas” colhidos a dedo - é evidente que a direita pode esperar retaliações e qualificações pouco nobres para os seus representantes e é óbvio que nem todas serão controladas pelos gritos do Senador Suplicy. É o confronto entre direita e esquerda em plena atividade...
Um detalhe significativo, que , embora pareça insignificante, torna óbvia a luta ideológica que se trava em nosso país: na edição de quarta-feira, dia 20.02, o Jornal “O Globo” – repetindo o que fizera o Jornal Nacional no dia anterior – dedica espaço bem maior às escaramuças que envolveram a cubana do que ao pronunciamento da mais importante de nossas mulheres, a Presidenta Dilma, sobre as últimas medidas que buscam a extinção da miséria no país. Nada mais emblemático: Cuba é, historicamente, muito mais um problema para os americanos do que para nós. Afinal, é uma ilhazinha que ousou enfrentar o império do Norte e que, ao longo de mais de 50 anos, jamais permitiu ao poderoso vizinho – mesmo com a vergonhosa Guantánamo em suas entranhas – promover a volta do antigo sistema de quintal.
O nosso problema, imensamente maior, é mesmo a desigualdade, que cerca de indignidade a existência de milhões de brasileiros miseráveis. Ao privilegiar Yoáni em relação a Dilma, os globais deixam bem claras suas posições, seus interesses, seus compromissos, suas posturas de direita que transcendem o ambiente nacional. E robustecem as teses de quem considera que é preciso mudar esse panorama midiático, o mais urgentemente possível. Quanto à dicotomia esquerda x direita, está mais evidente do que nunca. No fundo, além dos racionais aspectos econômicos, ela reflete a forma como cada um se sente, a direção para a qual cada coração aponta. O meu, por exemplo, volta-se assumidamente para a esquerda e, a esta altura, nem penso em mudar-lhe o rumo. Ele vai muito bem assim, obrigado...
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.
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