sábado, 20 de junho de 2009

O Irã e a luta invisível


19/06/2009

Wálter Fanganiello Maierovitch

A iraniana Narges Mohammadi é parceira de Shirin Ebadi, ganhadora do Nobel da Paz em 2003. Sobre uma eventual fraude no processo eleitoral do 12 de junho, Narges disse nada poder concluir. Isto porque as eleições iranianas são “sempre invisíveis”, ou seja, falta transparência. O colégio eleitoral iraniano é composto de 42,5 milhões de eleitores e 85% dos inscritos compareceram para votar.

O homem mais rico do Irã e segundo na teocracia, Ali Hashemi Rafsanjani, é inimigo do presidente Ahmadinejad, que o chamou de ladrão durante a campanha eleitoral. Rafsanjani já foi presidente por dois mandatos (1989-1997) e é o guia do Conselho do Discernimento. Ele está de olho no “trono” de Khamenei, que assumiu em junho de 1989, sem ser o preferido do aiatolá Khomeini. Este pendia por Hossein Ali Montazeri, que não levou a cadeira vitalícia de “Rahbar”, ou seja, “Guia Supremo”.

Na eleição de 2005, Rafsanjani tentou o terceiro mandato presidencial, com Ebadi e Narges pregando o não comparecimento. No segundo turno, perdeu para Ahmadinejad, ex-prefeito de Teerã, pouco conhecido no país, mas que conseguiu 61,7% dos votos. Para Rafsanjani houve fraude. A partir daí, ele colocou o filho Mehdi para coordenar, na universidade islâmica Azad que fundou, um grupo para pesquisar tendências eleitorais e fiscalizar apurações. Nas pesquisas, Mir-Hossein Mussavi levaria no primeiro turno, com 65% dos votos. Mas ele perdeu até na sua cidade natal, onde esperava mais de 90% de votos.

Ahmadinejad acusou Rafsanjani de financiar o candidato Mussavi, ex-premier e antigo homem de confiança do falecido aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da revolução xiita de 1979. Na totalização das cédulas de papel, com preenchimento de próprio punho e a tinta, deu Ahmadinejad com 62,63% dos votos e Mussavi com 33,8%. Os dois outros opositores, Mohsen Rezai (ex-pasdaran) e o clérigo Mehdi Karubi conseguiram, respectivamente, 1,7% e 0,9% das preferências. Mussavi buscou votos entre intelectuais, universitários, pessoas ricas, mulheres, burocratas e minorias étnicas. Ahmadinejad mirou nos pobres, homens do campo, paramilitares, nacionalistas, dependentes públicos e desiludidos com a elite clerical que controlou o país por 30 anos.

Como observou o dissidente e jornalista Akbar Ganji, hoje exilado nos EUA, todos os quatro candidatos à Presidência faziam parte do sistema teocrático. O próprio Barack Obama disse que havia pouca diferença entre Ahmadinejad e Mussavi. O mando se concentra nas mãos do chefe religioso, Ali Khamenei, que sempre preferiu Ahmadinejad.

Por enquadrados, os candidatos tiveram os nomes aprovados pelo Conselho dos Guardiães. Só que na luta invisível pelo controle do sistema teocrático iraniano, Mussavi contava com o apoio de Rafsanjani e de Montazeri, ambos prontos a puxar o tapete de Khamenei, que só perde a vitaliciedade se for cassado pelos aiatolás.

Ganji sustenta ser o presidente uma “marionete” do Guia Supremo e todos os candidatos declaram-se favoráveis ao programa nuclear iraniano, causador de tensões internacionais. Com efeito, nada mudaria no Irã, pois todos os disputantes eram peças de um mesmo sistema. Na luta invisível, no entanto, as manifestações populares contra Ahmadinejad e a suspeita fraude ajudam no enfraquecimento de Khamenei. O aiatolá dissidente, Montazeri, afirmou que a fraude ficou evidente a qualquer pessoa de posse das faculdades mentais: referia-se, entre outros indícios, ao de 39 milhões de votos terem sido contados em menos de 12 horas, quando, pelo número de apuradores, levaria de 24 a 36 horas. Mais: no espaço a ser preenchido pelo eleitor, Mussavi era o número 4 e Ahmadinejad, o 44.

No primeiro protesto pós-eleição, cerca de 1,2 milhão de opositores convictos da fraude saíram em marcha da Praça da Revolução à da Liberdade. Ouviram-se gritos de “marq bar Khamenei” (abaixo Khamenei). E os alinhados com Rafsanjani sustentaram o impeachmant de Khamenei por ter violado a Constituição. Isto ao cumprimentar publicamente Ahmadinejad pela vitória, antes da proclamação do resultado pelo Conselho dos Guardiães.

Pano Rápido. Os aiatolás sabem que 70% da população tem menos de 30 anos de idade e que os jovens querem liberdade. O Irã mostra-se democrático na escolha do presidente, mas viola direitos fundamentais e condena à pena de morte. Na última semana, o governo confinou em hotéis os jornalistas internacionais em trabalho de cobertura da última eleição. O Ministério da Cultura e Guia Islâmico impôs blackout ao messenger, SMS e celulares e vinculou as manifestações populares a autorizações governamentais.

Os jovens ocuparam as praças para protestar sem autorização, como na queda do xá Reza Pahlevi. E eles conseguiram driblar o bloqueio de sinais com Twitter e Facebook para divulgar mensagens para o mundo. Os aiatolás estão receosos com a perda do controle social.

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