Bruno Garcez
Da BBC Brasil em Washington
Não se sabe se o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e China, conhecido pela sigla BRIC, é uma associação coesa ou um grupo informal, mas é certo que este bloco aponta para uma mudança na estrutura de poder mundial que deverá ocorrer nas próximas décadas.
É essa a opinião de Riordan Roett, diretor do programa das Américas da Universidade Johns Hopkins, de Washington. O analista prepara, atualmente, um livro sobre como o Brasil se tornou um dos BRICs.
"Ainda não sabemos ao certo (a verdadeira natureza dos BRICs), é imprevisível. Mas o que temos é a ascensão de um grupo de atores que agirá conjuntamente em diferentes ocasiões, como já fizeram em Londres (na reunião do G20). Este grupo indica uma transferência de poder e de dinheiro dos velhos países desenvolvidos para as novas nações emergentes", afirma Roett.
De acordo com o analista, "as regras do jogo terão de mudar, porque o velho paradigma do poder internacional está mudando para o lado dos BRICs e dos países asiáticos".
No entender de Roett, velhos acordos internacionais estabelecidos pelas grandes potências, como o de Bretton Woods, que estabeleceu a criação do FMI e do Banco Mundial, em 1944, "estão mortos".
"Existe um grande debate sobre o número de assentos e de participações em organizações multilaterais. E a forma de obter a redistribuição de poder e influência dentro de instituições como o FMI e o Banco Mundial vai ser tirando dos Estados Unidos e dos europeus. Mas, atualmente, europeus e americanos oferecem a maior parte do financiamento para essas instituições. Se os BRICs querem um lugar na mesa, terão de colocar dinheiro", diz.
Crescimento
Para Riordan Roett, o ingresso do Brasil em um bloco como os BRICs se dá porque o papel do país internacionalmente transcende a sua liderança sul-americana.
"O Brasil é agora grande demais para a América do Sul. Ele sempre terá um papel importante a desempenhar nas relações com seus vizinhos. Mas agora pertence a um clube muito diferente do que países como Argentina e Peru. Não haverá uma decisão final sobre Doha sem a participação brasileira. Não poderá haver uma nova arquitetura financeira global sem a presença de Brasil, Índia e China."
Segundo o analista, as nações que integram o G7 (Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, Japão, Alemanha, França e Itália) estão demorando em aceitar "a mudança de paradigma de poder".
Esta mudança, para Roett, seria um processo inevitável, visto que "o crescimento destes países (do G7), que quase não existe, perde feio na comparação com o forte crescimento dos BRICs, isso deverá indicar uma mudança nas relações entre estes blocos".
Diferenças
Roett acredita que existem diferenças claras entre os países que formam o BRIC, mas que isso não inviabiliza a sua existência como bloco.
"Este bloco nem sempre agirá conjuntamente, nem sempre terá a mesma posição, assim como o G7 nem sempre adota a mesma posição, por isso não há razão para achar que os BRICs farão diferente. Mas estes países, que já foram chamados de mercados emergentes, mundo em desenvolvimento ou Terceiro Mundo serão líderes em termos de crescimento mundial e consumo nos próximos 25, 30 anos."
O analista acrescenta que potenciais divergências não deverão representar ameaças para o futuro dos BRICs.
"Atualmente, existem diferenças entre Estados Unidos e França. E houve divergências entre a Grã-Bretanha de Gordon Brown e a Alemanha de Angela Merkel, mas, ainda assim, o G7 trabalhou bem conjuntamente. Os BRICs passarão pelo mesmo processo. Como na última rodada de negociações de Doha, quando o Brasil seguiu caminho distinto da Índia".
Roett se refere a julho de 2008, durante as discussões em torno da rodada Doha de liberalização do comércio global, em Genebra, quando a Índia travou as negociações ao exigir um mecanismo de salvaguarda especial para a agricultura. Na ocasião, o Brasil foi um dos países que adotou posição distinta da indiana.
O especialista acredita que outras nações poderão, em breve, aderir ao bloco, como a Coreia do Sul ou a África do Sul, que já participa, inclusive, de outro grupo similar, o Ibas, integrado ainda por Índia e Brasil.
Ao mesmo tempo, a Rússia, que enfrenta séria crise econômica, é considerada o país mais vulnerável dos BRICs.
"A Rússia é seguramente uma economia pequena, quando comparada com os demais países (do bloco). E alguns colegas em Washington já falam que o bloco deveria ser chamado de BICs. A Rússia tem petróleo e gás. Quando os preços estão altos, ela conta com um lugar na mesa. Quando estão baixos, não. Mas é uma potência nuclear, que conta com uma posição geográfica estratégica, por isso faz sentido incluí-la no bloco."
Poder militar
Entre as nações dos BRICs, o Brasil é o único que não possui armas nucleares e que não é uma potência militar, mas isso, na visão do especialista, não reduz o poder do país frente aos outros membros do bloco, apenas expressa suas particularidades.
"O Brasil não está em uma região em que precisa de poderio militar. Não possui ameaças militares à beira de sua fronteira, como a Índia enfrenta com o Paquistão ou como a China encara com Taiwan. Mas, ainda que o país não esteja em uma região em que precise de um grande Exército, certamente veremos nos próximos anos um crescimento do orçamento militar do país", afirma.
"Nos próximos cinco ou seis anos, o Brasil contará com um submarino nuclear e a verba destinada à Marinha deverá crescer devido à descoberta de Júpiter e Tupi", diz Roett, referindo-se aos dois gigantescos poços petrolíferos descobertos na camada pré-sal da Bacia de Santos.
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