sábado, 14 de novembro de 2009

Apagão: a mídia anda com cheiro de queimado

No mundo da mídia brasileira — ao contrário do jogo do bicho em que vale mesmo o que está escrito —, não vale nem o que está escrito e nem o que é falado. Nada mais arriscado do que tomar ao pé da letra o que se ouve e se lê nas principais manchetes.

Por Osvaldo Bertolino, em seu blog


Na maioria das nações com um grau razoável de civilização, faz parte das regras do jogo acreditar no que a mídia diz. Não no Brasil, e menos ainda no Brasil de hoje.

Antes de prosseguir, é preciso definir o conceito de mídia. Parece razoável pensá-la, resumidamente, como o espectro de informações que circulam nos veículos de comunicação majoritários de um país e a sua reprodução como senso comum. É a chamada ”grande imprensa”. Analisar a postura da mídia brasileira em relação ao governo Lula tendo como pano de fundo esta definição é ter a certeza de que algo muito grave está ocorrendo.

O exame clínico do passado recente desta relação revela que se existe algo que o Brasil tem de sobra — como petróleo, minério de ferro e água — são previsões tétricas. Vale tudo para tentar transformar um governo com identificação com o povo, e que aparece razoavelmente bem na foto, numa administração de segunda classe. Talvez a mídia não tenha tempo ou capacidade para cometer todos os desatinos que pretende, mas com certeza está empenhada em aproveitar ao máximo todas as oportunidades que aparecerem pela frente para vituperar contra o governo Lula.

Calamidade extrema

O problema é que a tendência humana é a de acreditar muito mais no que se vê do que no que se lê — ou se ouve. Daí a repetição e a renovação da roupagem das “denúncias” numa velocidade estonteante. Para encobrir a realidade, quanto mais manchetes funéreas, melhor. A idéia da mídia é fazer com que, como no jogo do bicho, se está escrito deve valer — e assim vai se dando como verdade qualquer coisa que apareça contra o governo.

Pouco importa se o dito tem ou não tem nexo. Desde que indique a existência de uma calamidade extrema, a coisa em questão passa a ser repetida, vai se alimentando da própria repetição e acaba por se transformar em verdade mais ou menos oficial. O caso do recente “apagão” é um dos clássicos do gênero. Em matéria de bobagem em estado puro, é o que há. O calor gerado pela gritaria da mídia oferece luz suficiente para se lançar à tarefa de analisar os fatos com certa frieza, numa perspectiva temporal mais ampla, como um capítulo da história que estamos tentando construir no Brasil.

As autoridades explicaram, os especialistas debateram o assunto à exaustão, os palpiteiros palpitaram à vontade, mas nada disso é capaz de convencer os prelados da mídia. Por quê? Porque estamos vendo e ouvindo novamente o encontro do estardalhaço com a inutilidade que vira e mexe aparece na mídia. Ela torce por um “apagão” no governo Lula não é de hoje. O objetivo é dizer que se FHC teve seu apagão, Lula também teve. Não importa a diferença continental entre ambos.

Febre marrom

Já na virada de 2007 para 2008, quando as últimas labaredas da farsa do “mensalão” se apagaram, a mídia começou a pautar a epidemia de febre amarela (foi, na verdade, uma epidemia de febre marrom) e o “apagão elétrico”. Deixou essa pauta de lado quando surgiu a oportunidade de explorar o caso dos cartões corporativos. Mas, quando de nariz torto ela foi obrigada a registrar práticas semelhantes e justificativas idênticas — sem se dar ao trabalho de verificar se havia ou não fundamento nas denúncias sobre os dois casos — no governo paulista do tucano José Serra, o assunto foi para o arquivo morto.

Para que uma denúncia se transforme em indignação social viva e pública, ela precisa de um ingrediente básico: credibilidade. Quando a denúncia não se sustenta, um ou outro cidadão pode até ter os seus motivos de indignação, mas abstém-se de comunicá-los a outras pessoas — e, mais ainda, de participar em demonstrações coletivas. Na verdade, as causas principais do esmaecimento das reações sociais diante de tantas denúncias são a própria consolidação do governo Lula e a sensação de melhora que o país passou a desfrutar nos últimos anos.

Ética e subjetividade

Ultrapassado o momento mais agudo da transição do regime abertamente neoliberal ao de maior atenção ao papel do Estado, observa-se uma redução da carga dramática da política em todos os seus aspectos. Movidos por objetivos politiqueiros ou por interesses próprios, o fato é que os protagonistas do regime neoliberal — a mídia no fundo é o comitê central dessa gente — passaram a investir muito nessas sucessivas cruzadas denuncistas.

Há diferenças significativas na forma de governar o país entre o tucanato e as forças que apóiam o governo Lula. E mais: o presidente da República tem aquele senso de colocação que distingue os bons atacantes do futebol. Isso irrita profundamente a direita perna-de-pau.

Ele pôde avançar com os programas sociais porque nunca avançou sem respaldo, na base da improvisação ou da aventura. Acertou na mosca quando conferiu prioridade total ao combate à miséria ao ver que esse era o pai de todos os problemas. Ou seja: era a condição para a solução de outros problemas, inclusive para reverter aquele plano inclinado de ingovernabilidade para onde o país ia se encaminhando quando FHC deixou o Palácio do Planalto.

Aliança política

Em termos de poder político, as jogadas necessariamente teriam de passar por aí. Lula chegou ao Rubicão da candidatura eleitoralmente viável e, na outra margem, à planície por vezes incerta da Presidência da República com esta bandeira no ombro. Nesta situação em que denúncias ameaçam detonar o governo a cada 15 minutos, é preciso falar disso mesmo: redução das desigualdades sociais.

Lula escolheu uma colocação que não o deixa a descoberto, escudando-se numa aliança política que sabemos ser precária mas sem a qual obviamente não teria chegado a lugar nenhum. Manejando-a com habilidade, paciência de Jó e até um pouco de sorte, vai levando: só tenta o passo adiante quando se sente escorado pelo avanço anterior. A formação sindical e as credenciais pessoais do presidente ajudam muito, é claro, mas não explicam tudo.

O governo Lula optou pelo exercício do poder político cimentado por ingredientes como transigência, negociação, composição de interesses e o estímulo à cooperação. A sua principal vitória não foi propriamente a reeleição em 2006 — obviamente contra a vontade da mídia e de outros menos votados.

Clássico do gênero

A maior vitória do governo Lula é a capacidade de resistir ao desgaste e de continuar persuadindo a maioria da sociedade de que ela precisa desse poder que se vem formando no país. Poder que está temporariamente encarnado em Lula, mas que não é uma realidade individual: não pertence a ele nem se explica somente em função dele. Não é poder individual, e sim agregado, ou coletivo. Poder agregado de um país que vai aos poucos recuperando a capacidade de o Estado trabalhar de maneira mais eficiente.

Estamos entrando numa fase em que a direita tenta reerguer a sua agenda e cabe aos setores populares impedir que isso aconteça. Em outras palavras: não é papel do presidente da República dar resposta agudas aos ataques da mídia. O movimento social precisa entrar em campo para que o jogo não fique desigual.

A máquina midiática vem andando há um bom tempo com cheiro de queimado. O presidente, com o apoio de seus aliados, demonstrou, mais de uma vez e diante de questões críticas, que é perfeitamente capaz de ignorar as pressões da mídia direitista e optar pela decisão que julga ser a mais responsável. O caso do “apagão” vai se mostrando mais um clássico do gênero. O governo, mais uma vez, está tirando o perigo de letra. Fonte:Portal Vermelho.

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