segunda-feira, 30 de novembro de 2009

As várias biografias de César Benjamin


Nos próximos anos, o episódio em que César Benjamin acusou um Presidente da República de ter narrado em tom sério a curra de um companheiro de cela entrará para a história do jornalismo brasileiro como o maior desastre depois do caso Escola Base. É uma tragédia que acompanhará para sempre a trajetória de Otávio Frias Filho.

Quem é a pessoa a quem Otávio jogou no escuro, sem sequer conferir, o estoque de credibilidade da Folha de São Paulo?

A prisão de Cesar Benjamin, ainda menor de idade, gerou várias biografias dissonantes, versões contraditórias. Todas elas da mesma lavra: o próprio César Benjamin, conhecido por Cezinha pelo seu grupo político.

Na versão romanceada de sua prisão, publicada na Folha de São Paulo de sexta-feira passada, César Benjamin narra passagens tocantes, especialmente na sua relação com presos comuns. Clique aqui para ler.

Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.

Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que “estavam pedidos” pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: “O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal”.

Eram passagens tocantes, personagens que pareciam saído de uma peça de Plínio Marcos que impressionaram especialmente os companheiros de Benjamin que conviveram com ele na época e depois: jamais ele tinha contado esses detalhes de sua prisão.

O relato prossegue, agora, contando sua experiência no presídio de Bangu:

Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, “de alta periculosia”, como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu.

O fantasma da curra estava presente naquele inferno, no qual um menor de idade – tinha apenas 17 anos – era colocado em celas com marginais. Todo esse clima sendo criado para a grande revelação posterior: a tal história da curra que Lula teria feito com um companheiro de cela:

Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de “provas de fogo”, situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar.

E o Devagar tornou-se um missionário, levando luzes para os presos e guardas penitenciários.

Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.

Toda essa trama dignificante, que honraria a biografia de qualquer pessoa, foi zelosamente escondida até de seus companheiros de luta armada.

Mas não apenas deles.

Em 2005, a professora Cátia Faria defendeu uma dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense. O título do trabalho foi “Revolucionários, Bandidos e Marginais – Presos políticos e comuns sob a ditadura militar”.

César Benjamin aparece a partir da página 77 do trabalho a partir de depoimentos colhidos dele e de sua mãe, dona Iramaya. E aí começam a aparecer discrepâncias notáveis em relação ao relato publicado na Folha.

Não há menção à sua prisão no presídio de Bangu, mas apenas em quartéis e em um reformatório:

César passou a maior parte de sua prisão isolado em quartéis da Vila Militar – ele ficou preso pouco mais de cinco anos, dos quais três anos e meio foram passados em quartéis, um no Moniz Sodré, um reformatório para menores, e o último na Milton Dias Moreira.

A maior parte do tempo passou em completo isolamento, só rompido pelas visitas da mãe, com quem discutia temas filosóficos:

Dona Iramaya acreditava que essas conversas eram importantes para a manutenção da integridade mental de seu filho, que havia sido torturado e cuja prisão não o isolava apenas do mundo exterior – César não tinha companheiro de cela ou de corredor, além disso, os guardas tinham permissão para falar com ele somente o indispensável.

Só uma vez dividiu a cela com um companheiro:

Apenas em um quartel ele teve a companhia de outro preso. Era um rapaz muito jovem que havia sido detido sem que sua família soubesse. Apesar de não conviverem diretamente, o rapaz estava em outra cela no mesmo corredor, eles conseguiram trocar poucas palavras. Nessa ocasião o preso disse à César que sua família não sabia de sua prisão e deu-lhe seu endereço. Dona Iramaya, a pedido do filho, conseguiu avisar a família do preso. Logo depois o rapaz foi solto ou transferido e César voltou a ficar sozinho.

No mais das vezes, isolamento completo, como descrito pela mãe:

Ele ficou preso três anos e meio sozinho e a cabeça dele precisava de um alento, de um alimento.

Pulou de quartel em quartel, até que a mãe conseguiu que fosse para um reformatório e, depois, para um presídio político, onde ficou pouco tempo:

Sua luta resultou na transferência de César primeiro para o Moniz Sodré, onde tinha uma cela individual, mas participava da mesma rotina dos garotos infratores que lá estavam, depois para o Milton Dias Moreira, transformado em presídio político em 1975, no qual ele pode se reunir com os outros presos políticos e, finalmente, sua ida para o exterior em setembro de 1976, com a ajuda da Anistia Internacional seção sueca.

Aqui, o link da dissertação de mestrado.

Dissert_MACHADO_Catia_Conceicao_Faria

Fonte:blog do Nassif.

2 comentários:

cidadao-comum disse...

Como envio a materia por email?

cidadao-comum disse...

Ja sei. Pelo share. thanks!!! don't worry, be happy.